De olho nas eleições, o governador José Ivo Sartori anunciou nesta quarta-feira (25), em Porto Alegre, mais uma tentativa de viabilizar o plebiscito sobre a venda de três empresas estatais em outubro. A nova estratégia – que inclui ofício e projeto de lei – tem dois objetivos: pautar o debate sobre o tamanho do Estado na campanha eleitoral e sinalizar à União que o governo está fazendo a sua parte para aderir ao regime de recuperação fiscal.
Em resumo, o Palácio Piratini quer saber se a população concorda com a venda de CEEE, Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás. Se o projeto encaminhado em regime de urgência à Assembleia vingar, Sartori ganhará fôlego para tentar outra vez – após sucessivos reveses (veja o quadro abaixo) – convencer os deputados a autorizar a consulta popular em sete de outubro, dia da votação do primeiro turno.
Hoje, a chancela tem de ser dada, no máximo, cinco meses antes do pleito, o que significa que teria de ocorrer até 7 de maio. Com a mudança proposta, o prazo seria de até três meses antes, isto é, 7 de julho. Como o Piratini ainda trabalha para superar resistências no parlamento, a avaliação é de que ampliar o limite em dois meses pode ajudar na costura de apoios, embora nada garanta êxito.
Ao mesmo tempo, o governador enviou ofício à mesa diretora da Assembleia pedindo novamente a convocação do plebiscito – isso já havia ocorrido em 2017. Se a mesa concordar em apresentar projeto de decreto legislativo (PDL) sobre o tema, o texto não precisará passar pelas comissões internas e poderá ir direto ao plenário, onde precisará de 28 dos 55 votos para ser aprovado (mesmo escore necessário ao projeto de lei).
Nesta quarta-feira (25), Sartori reclamou dos obstáculos na Assembleia e fez um apelo aos parlamentares:
— Queremos ouvir a população para que ela decida democraticamente sobre o destino dessas três empresas. Não posso imaginar que alguém não queira ouvir a população. O que está em jogo é o equilíbrio financeiro do Estado.
Nos bastidores, interlocutores do governador reconhecem que será difícil reverter as últimas derrotas. Mesmo assim, o entendimento é de que o governo sairá no lucro, já que deverá conseguir levar a discussão sobre privatizações para a campanha, o que favoreceria Sartori, candidato à reeleição.
— Tem um sentido político nisso, sem dúvida. O governo quer que esse assunto seja pautado, porque isso vai obrigar os concorrentes a se posicionarem. Afinal, quem não quer que a população seja ouvida? — diz uma fonte próxima ao governador.
Outro benefício dessa nova tentativa seria mostrar à Secretaria do Tesouro Nacional que o Estado não desistiu de vender ativos. A operação é uma das contrapartidas exigidas para a adesão ao programa de ajuste da União, que pode garantir carência de três anos no pagamento da dívida. Hoje, graças a uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), o Estado não paga a conta, mas a decisão pode cair sem a adesão.
Responsável pela articulação política do governo, o chefe da Casa Civil, Cleber Benvegnú, diz que está otimista em relação ao resultado.
— É um debate salutar, que não pode mais ser adiado. As pessoas têm o direito de responder se acham que é papel do Estado minerar carvão ou se o mais importante é prestar serviços de qualidade ao cidadão — resume.
Na oposição, o anúncio foi recebido com críticas. O deputado Pedro Ruas (PSOL), que procurou o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para saber se a alteração do prazo é viável, lembra que, inicialmente, o Piratini tentou alterar a Constituição estadual para poder vender as estatais sem precisar consultar o povo e chegou cogitar ir à Justiça. Agora, diz o parlamentar, "Sartori posa de grande defensor do plebiscito para ganhar votos e mostrar serviço à União".
— No fundo, o governo nunca quis fazer a consulta. Teve de mudar de estratégia porque foi derrotado. Defendo o plebiscito, mas não como Sartori quer. Há normas que precisam ser respeitadas. Será que, tecnicamente, é possível alterar o prazo? E será que isso valeria de forma retroativa, já que o limite atual vence no dia 7 de maio? — questiona Ruas.
O governo sustenta que a proposta tem base em uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que, portanto, tem viabilidade.
Entenda o caso
- Em novembro de 2016, o governo do Estado enviou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) à Assembleia, pedindo a dispensa de plebiscito para privatizar ou federalizar CEEE, Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás.
- Sem apoio da maioria dos deputados estaduais, os textos nunca foram à votação.
- No fim de maio de 2017, após inúmeras tentativas fracassadas, a PEC foi arquivada, e o governo decidiu, então, pedir autorização da Assembleia para convocar um plebiscito.
- Mais uma vez, o Piratini teve problemas. Em junho de 2017, o pedido de plebiscito foi arquivado pelo então presidente da Assembleia, Edegar Pretto (PT), sob o argumento de que não seguiu o rito adequado.
- Três dias depois do arquivamento, o governo reapresentou o pedido, dessa vez na forma de um projeto de lei. O projeto foi aceito.
- Mas o assunto continuou enfrentando resistência e, em novembro de 2017, Piratini decidiu tentar mais uma vez conseguir a dispensa do plebiscito, enviando três novas PECs à Assembleia.
- Desde então, as PECs nunca foram à votação. Já o projeto de decreto legislativo acabou arquivado na última semana porque, dos 19 deputados signatários da proposta, pelo menos três deixaram a Assembleia.
- Agora, para conseguir ouvir a população sobre a venda das estatais no próximo dia sete de outubro (data da votação do primeiro turno das eleições de 2018), um novo projeto de decreto legislativo teria de ser aprovado e publicado até 7 de maio.
- Como não conseguiria atingir o objetivo a tempo, o governo apresentou em regime de urgência, nesta quarta-feira (25), projeto de lei para alongar o prazo para 7 de julho e enviou ofício à mesa diretora da Casa para que crie novo projeto de decreto legislativo.