A morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) aconteceu dois dias antes do anúncio da intervenção federal no Rio de Janeiro completar um mês. Passados 30 dias, ainda não há levantamento que indique a eficiência da iniciativa.
Questionado sobre resultados da intervenção, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, observou, em coletiva de imprensa nesta quinta-feira (15), que a ação nunca se propôs "a fazer mágica".
— Os resultados existem e vão ganhar velocidade — disse o ministro, que classificou a morte como crime "bárbaro".
Decidida na madrugada de 16 de fevereiro, em reunião tensa entre o presidente Michel Temer, ministros e parlamentares, a intervenção federal só foi aprovada dias depois pela Câmara e pelo Senado. A vereadora Marielle era crítica à medida e denunciava supostos abusos das forças de segurança.
O anúncio da ação resultou no afastamento do secretário de Segurança Antônio Roberto Cesário de Sá, que estava no cargo desde outubro de 2016. Durante o período, duas ações dos militares foram criticadas.
Uma delas foi quando moradores de favelas tiveram seus rostos e documentos de identidade fotografados nas vilas Kennedy, Aliança e Coreia. Em outra situação, militares e funcionários da prefeitura derrubaram quiosques que foram considerados "irregulares".
Após a ação, o próprio prefeito Marcelo Crivella admitiu que houve uso desproporcional da força e repudiou os "excessos".
Avaliação dos especialistas
Ignácio Cano, coordenador do Laboratório da Análise da Violência da Uerj:
A gente não viu grandes mudanças. Não tenho dúvida nenhuma de que a intervenção tem propósito político, de um grupo político, do PMDB, em Brasília e no Rio, que estava querendo abraçar nova bandeira. Não deveria ter intervenção, o governo federal poderia financiar várias áreas da segurança do Rio, criar forças-tarefas para investigação. Seria importante, em cooperação, financiar a contratação de policiais. Tudo isso poderia ser feito, sem a intervenção. Mas, daí, não geraria a visibilidade que a intervenção está gerando.
Izabel Nuñez, antropóloga e professora no Departamento de Segurança Pública da UFF:
A justificativa de que a intervenção federal serve para combater o crime organizado é uma falácia. O crime organizado se combate com inteligência, em todos os lugares do mundo. Temos uma proximidade muito grande entre os poderosos, que detêm o controle de poder, e obviamente não têm interesse em acabar com o crime organizado. O segundo ponto é que a intervenção afeta as pessoas dessas comunidades, que já são violadas em seus direitos diariamente. Outra coisa: o Exército não tem preparação para lidar com a população.
Luiz Alexandre Costa, ex-policial militar, coordenador de curso de pós-graduação em Direito Militar:
Como jurista, entendo que é um remédio constitucional legal, mas, como cidadão do Rio, vejo que é um remédio constitucional necessário. A situação do Estado é atípica. Temos microterritórios dominados por traficantes. São microestados dentro do Estado, com regras próprias. Isso faz com que a polícia não aja como polícia, mas como uma contraguerrilha. O policial não aborda uma pessoa como cidadão, mas como suspeito. Acho que a intervenção teria de deixar um legado, um deles de reforço das corregedorias. É expurgar o policial bandido.
Ubiratan Angelo, policial militar aposentado e coordenador de segurança do Viva Rio:
A intervenção não teve impacto contundente. Nada do que foi feito trouxe qualquer alteração. A própria polícia apresentou propostas (para mudanças). Entre elas, modernização da polícia, boletim de ocorrência online, redistribuição de efetivos. A morte da vereadora não tem a ver com a efetivação da polícia na rua. Ela tinha um discurso político forte de valorização da mulher, contra a truculência policial, mas tinha ação muito mais forte contra a corrupção política, inclusive, participando da CPI dos ônibus. Os principais inimigos dela estão no campo político.