
Era 22 de dezembro, uma sexta-feira. A Assembleia vivia seu dia mais importante de 2017, prestes a decidir se o Rio Grande do Sul poderia postular o ingresso no regime de recuperação fiscal proposto pela União. Na véspera, intensa movimentação política foi criada pelo Piratini para que deputados aliados comparecessem e aprovassem o projeto tratado pelo governo como única saída para evitar o colapso financeiro.
Mesmo assim, dois deputados da base não apareceram, enfraquecendo o quórum: Pedro Pereira (PSDB) e Sérgio Turra (PP). Maurício Dziedricki (PTB), que tem votado favorável ao governo, também faltou.
A estratégia da oposição de ocupar a tribuna até esgotar o tempo da sessão deu certo, a apreciação da matéria não aconteceu, e o projeto acabou aprovado somente na semana passada. Os três parlamentares estão no ranking dos mais faltosos deputados do exercício legislativo de 2017 – e metade do top 10 é formada por aliados do governo de José Ivo Sartori (são partidos da base: PMDB, PP, PSDB, PSD, PSB, PV, PR, PRB e PPS).
Pereira tem 31 faltas, Turra, 25, e Dziedricki, 24. Ainda que ausente em 25% das sessões, o tucano ocupa apenas o terceiro lugar na lista. O deputado do PP é o 7º e o petebista, o 10º. O topo cabe a Luís Augusto Lara (PTB), com 39 faltas – sendo uma delas não justificada – nas 125 sessões do ano. Se consideradas, ainda, as quatro vezes em que se ausentou do trabalho legislativo por licença, Lara esteve distante em 34% das sessões – cinco dessas ausências foram em dias de votação.
— São raras as terças-feiras em que o plenário está completo. Às vezes, precisamos faltar por compromissos políticos, mas, às terças-feiras, todos sabem que tem votação — desabafa um governista.
Levantamento feito por GaúchaZH em setembro mostrou que, até aquele mês, a Assembleia havia votado o menor número de projetos em sete anos. A baixa produção passa pela falta de tato na articulação e de sintonia entre a base, como avaliam deputados governistas e de oposição.
Prova disso é que o segundo deputado mais faltoso é Edu Olivera (PSD), único representante da sigla na Assembleia e correligionário do vice-governador José Paulo Cairoli. Olivera acumula 35 faltas e seis dias de licença, sendo sete ausências em terças-feiras, principal dia de trabalho no Legislativo. O parlamentar do PSD só tem menos ausências às terças do que Adolfo Britto (PP), também aliado de Sartori, com oito dias distante do plenário 20 de Setembro.
Pode haver votação em outros dias da semana, mas é geralmente às terças-feiras que as proposições são apreciadas. Ao longo do ano, quando houve votação, independentemente do dia da semana, Olivera não esteve em cinco sessões, uma delas na quarta-feira, 6 de dezembro, quando foi apreciado o projeto de lei do Executivo que estimou a receita e fixou a despesa do Estado para o exercício financeiro de 2018. Pedro Pereira, que fecha o top 3 dos mais faltosos, com 31 faltas, teve apenas uma ausência nas terças-feiras – neste dia, não houve votação.
Líder do governo, Gabriel Souza (PMDB) diz que a solução tem sido utilizar o regimento interno:
— Vamos monitorando quem está ausente e, se o número for prejudicial, o governo manobra para não votar o projeto naquele dia.
O petista Tarcisio Zimmermann, líder partidário da maior bancada, pontua que as ausências foram sentidas inúmeras vezes pelo governo ao longo de 2017. Manter a união da base, composta por nove siglas, tem sido um desafio para o Piratini, avalia o deputado do PT:
— Em várias votações houve equilíbrio muito grande e, nesses casos, uma ou duas ausências fizeram com que o governo tivesse de derrubar o quórum. A tendência é de que aconteça mais vezes ainda em 2018, ano de eleição. Haverá cuidado ainda maior para não se expor.
Contrapontos
Foram ouvidos os três primeiros do ranking, os ausentes em 22 de dezembro e o parlamentar com mais ausências nas terças-feiras
O que diz Luis Augusto Lara (PTB):
Afirma que “as faltas excedidas foram devidamente justificadas e descontadas” do salário ao longo do ano.
"Apesar de saber que sofreria os descontos, não me restou outra opção, pois propus e liderei três temas importantes para o RS: o ressarcimento da Lei Kandir devido pelo governo federal, a transparência com a abertura da caixa-preta dos incentivos fiscais e o Regime de Recuperação Fiscal. Tais iniciativas me demandaram muitas reuniões com autoridades e chefes de poderes, em agendas por eles marcadas. Foi necessário escolher, quando as datas e os horários coincidiram, entre priorizar questões fundamentais como as citadas ou estar no Plenário em dias sem votação, como ocorreu em quase 90% das ausências, mesmo que isso represente descontos nos vencimentos, como ocorreu em 2017. No momento, há 17 projetos de minha autoria tramitando na Assembleia Legislativa. Sou um deputado que trabalha por resultados. Portanto, entre optar por dar presença em Plenário quando não há votação ou me ausentar eventualmente de votações para defender temas fundamentais para o Rio Grande do Sul, estarei sempre ao lado das grandes causas que impactam o nosso Estado".
O que diz Edu Olivera (PSD):
Explica que as 35 faltas no seu primeiro ano na Assembleia são consequência dos 500 quilômetros que separam Porto Alegre da sua base eleitoral, Santana do Livramento:
— Estou falando contigo no telefone aqui do meu escritório regional, uma sala que mantenho para que a população não tenha de viajar até a Capital. Passei boa parte do ano passado participando de audiências públicas.
O que diz Pedro Pereira (PSDB):
Justifica suas ausências com as viagens que faz para o Interior:
— Rodei 80 mil quilômetros no ano passado para ouvir prefeitos, médicos, sindicatos e toda a comunidade. Toda a quinta-feira saio para fazer esses roteiros programados. Mas nos dias de votação, não falto.
Sobre sua ausência em 22 de dezembro, uma sexta-feira, foi enfático:
— Não fui por não ser dia de votação normal. O governo teve o ano inteiro para colocar esse projeto. Não colocou e depois quis convocar sessão extraordinária. Não podia ir e não fui.
O que diz Sérgio Turra (PP):
Alega que não esteve na sessão do dia 22 de dezembro por dois motivos. O principal foi viagem marcada seis meses antes ao Exterior, cuja desistência implicaria passar o Natal longe da família. A outra é que, por ter sido sessão extraordinária (duração máxima de quatro horas), considerou dispensável a presença por entender que seria impossível o texto ser votado. Sobre as 25 faltas, justifica que, por ser vice-presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo, precisa viajar ao Interior.
O que diz Maurício Dziedricki (PTB):
Informa que não compareceu à sessão de 22 de dezembro em razão de uma viagem ao Exterior:
— Foi um dia tão importante quanto os outros. Além disso, não tinha previsão de votação para nada naquela data no dia em que pedi autorização para fazer a viagem, que não teve custo para a Assembleia. Muitas das vezes que estive fora foi representando a Assembleia em eventos.
O que diz Adolfo Britto (PP):
Presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo, é quem mais faltou às terças-feiras, dia em que, geralmente, ocorrem as votações. As oito vezes em que esteve ausente em 2017 são justificadas pelo parlamentar pela necessidade de viagens à capital federal:
— Os problemas da comissão precisam ser resolvidos em Brasília, então viajo terça de manhã ou já na segunda-feira à noite. Segunda não tem ninguém lá, nem ministro. Quinta e sexta, os deputados federais estão viajando de volta para suas regiões. Então, tenho de ir terça e quarta para pegar todo mundo lá.
Como se organizam os mais assíduos
Os deputados com menor número de faltas em 2017 foram Lucas Redecker (PSDB) e Aloísio Classmann (PTB), com duas cada. Redecker credita seu índice de presença à proximidade da Assembleia com sua base eleitoral, o Vale do Sinos.
— Cada deputado constitui a sua forma de atuação. Alguns participam menos dos debates na Assembleia, outros mais. Minha forma de trabalhar é participando das discussões, das votações. Então, ser assíduo é uma consequência. A minha região de atuação ser próxima também interfere — diz o tucano.
Classmann afirma valorizar a presença em sessões no plenário:
— Não estou atacando nenhum parlamentar, afinal, os deputados viajam muito, vão a Brasília. Mas dou muita atenção à presença em plenário. Estar lá requer muita responsabilidade.
Pedro Ruas (PSOL) faltou quatro das 125 sessões realizadas em 2017, o que lhe garante o posto de terceiro deputado mais frequente. Orgulhoso da posição, pontua que essa é uma forma de valorizar o serviço parlamentar:
— Tenho o maior cuidado para não aceitar compromisso político em horário de plenário ou comissões. Procuro participar dos movimentos sociais de forma que não interfira nos meus compromissos na Assembleia.
O que diz o regimento interno?
- O artigo 34 considera a falta, sem motivo previamente justificado, a 10 sessões ordinárias consecutivas ou a 45 intercaladas uma das condutas "ofensivas à imagem da Assembleia".
- Segundo o artigo 26, será descontado do deputado 1/30 da remuneração mensal por sessão que não comparecer ou da qual se retirar na ordem do dia. Parágrafo único acrescenta que não sofrerá desconto se "faltar até quatro sessões plenárias por mês a serviço do mandato" ou "faltar a sessões plenárias e a reuniões de comissão em virtude do exercício".
- Pelo artigo 31, o deputado "deve comparecer a, no mínimo, 2/3 das sessões ordinárias, salvo em caso de licença", sob pena de perder o mandato.