O prédio centenário que sedia a Câmara de Vereadores junto à praça no Largo da Matriz, em Camaquã, no sul do Estado, representa parte da história municipal. A construção abrigou a primeira intendência, no começo do século 20, e mais tarde, nos anos 1930, a Prefeitura. Nesta quinta-feira (4), o local será mais uma vez palco de momento decisivo para o município. O prefeito, Ivo de Lima Ferreira (PSDB), que responde a denúncias de improbidade administrativa e quebra de decoro, pode ser cassado pelos vereadores. É a primeira vez que os camaquenses acompanham esse tipo de votação. A sessão tem início às 18h.
O cenário que pode levar Camaquã a ter o prefeito cassado começou em 2016. Em uma eleição acirrada, o empresário, natural de Dom Feliciano, recebeu 13,2 mil votos e venceu com 1.143 de diferença para o segundo colocado, do PP. Sem coligação, o tucano tinha a garantia do apoio de somente três vereadores, do próprio partido.
Em agosto, uma votação polêmica na Câmara foi o estopim da queda de braço entre os poderes. O governo pretendia aprovar uma medida para cortar pela metade o teto do pagamento de dívidas judiciais de menor valor. No plenário lotado, servidores municipais com cartazes em mãos pediam que o projeto fosse derrubado. Do outro lado, funcionários de cargos de confiança defendiam a aprovação. Na sessão tumultuada, os vereadores rejeitaram o projeto. Após perder a votação, o prefeito disparou contra os parlamentares:
— A gente entra na política para melhorar a situação de todos, fazer um trabalho social para a comunidade, não visando lucro, igual a maior parte dos vereadores são. Eles visam lucro na política, eu não — afirmou, em entrevista ao portal Clic Camaquã.
Na mesma entrevista, ele desafiou os vereadores, que recebem R$ 7 mil, a reduzirem o próprio salário. A remuneração do prefeito é de R$ 18 mil. Com base na mesma entrevista, o prefeito foi acusado de ter exonerado servidores em cargos de confiança indicados por vereadores que votaram contra o projeto de lei. As declarações revoltaram a Câmara.
— Ele tentou jogar a população contra os vereadores, com o discurso de que não estamos permitindo que a cidade progrida — afirma o vereador Marcelo Gouveia (PSB), que chegou a ser líder do governo na Câmara, mas rompeu com a base.
Ao longo dos últimos meses o governo buscou apoio de outros partidos. Durante os processos, dois vereadores se afastaram das comissões alegando problemas de saúde. Para Gouveia, há pressão política, e a possível cassação serviu de moeda de troca para cargos.
— Estamos vivendo uma mini Brasília — critica.
"Pena muito severa", diz relator
A comissão que analisava a denúncia, formada por três vereadores, concluiu na sexta-feira (29) pela improcedência da denúncia. Relator da comissão, o vereador Marco Longaray (PT) reconheceu que o prefeito "esteve no limite da quebra de decoro" ao emitir ofensas aos parlamentares, mas considerou que a pena prevista na legislação sobre a responsabilidade de prefeitos e vereadores é muito severa. Sobre os pedidos de informações, ele disse acreditar que os depoimentos ao longo do processo apontaram que houve falha, mas não por má-fé do governo.
— O decreto é extremamente rigoroso. A única possibilidade de pena é a cassação. Embora tenha ocorrido uma falha, entendo que são consideradas perdoáveis. Pode ser que outro relator tivesse um entendimento diferente. Eu entendo que seria uma pena muito severa.
O relatório, no entanto, enfrentou críticas de outros parlamentares, como um ex-presidente da Câmara, que considerou a decisão contraditória e as declarações do prefeito como "infelizes".
— Ele deixou claro que, embora tenha ocorrido o erro, achou que era uma punição muito grande — afirma o vereador Paulo Renato dos Santos (PRB), que presidia a Câmara até o fim de dezembro.
A decisão de seguir ou não o relatório depende do voto dos vereadores. O prefeito informou, por meio da Secretaria Especial de Governo, que não irá se manifestar até o resultado do julgamento. Em caso de condenação, quem assume o cargo é o vice-prefeito, Jair Martins (PSDB), já que a cassação não é referente à chapa e sim ao prefeito.
Eleito para presidir a Câmara em 2018, o vereador Claiton Silva (PDT), garante que, independentemente do resultado do julgamento, pretende no futuro estabelecer o diálogo entre a prefeitura e a Câmara.
— A queda de braço não ajuda o Executivo, o Legislativo e muito menos a comunidade.
Incerteza nas ruas
Nas ruas da cidade de 62 mil habitantes, o embate político encontra resistência e dúvidas. As ações do governo pesam mais na escolha de lado do que as razões pelas quais o prefeito pode perder o mandado. Pelo rádio, em Boa Vista, no interior de Camaquã, Wilson e Neli Wiencke ambos com 61 anos, escutam esporadicamente as notícias sobre a possível cassação. O tempo dos agricultores, em meio à colheita do tabaco, é escasso. Os dois são contrários à cassação, mas pedem, por outro lado, que o governo dê mais atenção às estradas da localidade.
— Falta cascalho e patrolamento. É muito ruim.
O pedreiro Delcio Noronha, 36 anos, também espera que a sinalização do município seja melhorada ao longo do governo. Sobre a cassação, ainda não tem opinião formada. A vendedora Gisele Sampaio, 23 anos, também está em dúvida sobre qual decisão apoiar.
— Eu não estou feliz com o governo até agora, mas será que é melhor tirar esse? Não sei.
Já o mecânico Rodrigo Uszacki, 23 anos, acredita que a cassação pode ajudar a melhorar a situação do município.
— Para mim o governo é muito ruim, não fez nada de bom até agora. Então tem que sair sim.
Há também entre os moradores quem acredite que o embate é político. É o caso da auxiliar administrativa Rosani Nunes, 52 anos. Concursada na prefeitura, ela acompanhou a transição de governo.
— Para mim, isso é guerrinha por poder.
Entenda
A denúncia
A denúncia que irá a votação nesta quinta-feira foi encaminhada à Câmara por um morador de Camaquã. Pelas ofensas aos vereadores, o prefeito é acusado de quebra de decoro. A mesma denúncia aponta que ele cometeu improbidade administrativa por não ter respondido dois pedidos de informações no prazo de 30 dias — um sobre um evento de Cristal que constava no calendário cultural de Camaquã e outro sobre a doação de R$ 83 mil à Associação dos Aposentados e Pensionistas de Camaquã (Aapcam) sem chamamento público. Por essa mesma doação, ele responde a uma segunda denúncia, movida por outro morador, que deve ser votada até fevereiro.
Como será a votação
A votação deverá se estender e chegar à madrugada de sexta-feira (5). Cada vereador pode falar pelo tempo máximo de 15 minutos. A defesa do prefeito pode se manifestar por até duas horas. Depois disso, ocorrem as votações. Serão duas, já que o prefeito é julgado por improbidade administrativa e quebra de decoro. A cassação só ocorre se dois terços da Câmara, ou seja, dez vereadores, votarem a favor dela. Como a Câmara possui somente 45 assentos para o público, o acesso ao local será limitado.