Quase duas décadas após sediar o nascimento do Fórum Social Mundial (FSM), Porto Alegre volta a ser morada da esquerda política nesta semana em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai a julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Porém, os objetivos que trazem os movimentos populares à Capital em 2018 são diferentes de 17 anos atrás, período que marcou a chegada do partido ao Palácio Piratini pela primeira vez.
A atmosfera da época credenciou Porto Alegre a receber, em 2001, a primeira edição do evento criado para troca de experiências, debates e celebrações de ideais socialistas. Ou, como define o ex-prefeito Raul Pont (PT), para “projetar um mundo melhor e mais justo”. Passados os anos e a hegemonia no Executivo municipal, os militantes voltam a se reunir na Capital – agora comandada pelo PSDB – com forças proporcionais aos áureos tempos do FSM.
– Mas Porto Alegre está, agora, em clima de luta contra essa condenação absurda. Todos estão vindo para cá em solidariedade a Lula – diz Pont, prefeito de 1997 a 2000.
Ligada à Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil no Rio Grande do Sul (CTB-RS) e secretária de Mulheres do PC do B, Silvana Conti sublinha a disparidade entre os dois períodos de intensa presença dos movimentos populares nas ruas de Porto Alegre:
– Para nós, da esquerda, é um momento completamente diferente. Antes, tinha toda essa perspectiva de pensar e construir um Brasil soberano, avançado, desenvolvido e economicamente mais favorável. Tivemos esse processo do governo democrático e popular de Lula e Dilma (Rousseff), um momento bastante exitoso para o Brasil. Hoje, há um golpe parlamentar e jurídico, auxiliado pela Polícia Federal, constituído. Está em vigor um projeto ultraconservador que trouxe uma avalanche de retiradas de direitos. O mundo se volta para cá, agora, em defesa da democracia e da legalidade.
Jorge Branco, secretário de relações institucionais do diretório estadual do PT, estima que 50 mil pessoas devem chegar em Porto Alegre até hoje para a vigília que irá se estender pelo menos até a decisão que virá da Corte – 25 mil delas vêm de fora de Porto Alegre:
– Diferentemente daquela época, hoje se trava uma luta contra o mal – pontua Branco.
Ainda assim, o presidente estadual do PT, deputado federal Pepe Vargas, vê semelhanças em alguns aspectos.
– Tínhamos, nos anos 1990, supremacia da política conservadora neoliberal que culminou em movimentos de resistência aos resultados assustadores desse modelo. Assim nasceu o Fórum Social Mundial, que ajudou a derrotar esses governos. Vivemos novamente um período em que as forças políticas neoliberais estão no poder. A diferença é que em 2001 vínhamos de um processo de afirmação da democracia, quebrado em 2016. Hoje, estamos em pleno golpe.
Além da primeira edição, houve edições em 2002, 2003, 2005, 2010, 2012, 2014, 2016 e 2017. O FSM surgiu em oposição ao Fórum Econômico Mundial, na Suíça, encontro anual que reúne os principais líderes políticos e econômicos do mundo. Organizado por movimentos sociais, o FSM promovia o debate por meio de plenárias, seminários, conferências e outras atividades culturais. Acampamentos se espraiavam por diversos espaços públicos da Capital.
Vaquinhas ajudam a bancar viagem e estadia
Diante do cenário de crise, com os sindicatos economicamente enfraquecidos, os militantes que estão chegando a Porto Alegre recorreram a diferentes formas de custeio da viagem e da estadia na Capital. Uma delas, explicou Branco, são as quatro vaquinhas online feitas para arrecadar verba. Foram abertas, ainda, contas bancárias em nome de entidades sindicais para depósitos voluntários do dinheiro a ser empregado exclusivamente na viagem a Porto Alegre.
– O pessoal tem de chegar e ter local para banho, ter banheiro, receber alimentação. O dinheiro arrecadado é para essas coisas – disse Branco.
Em Brasília, camisetas foram postas à venda por R$ 30. O militante que vendesse 13 delas garantia sua poltrona nos ônibus que deixaram a capital federal no fim de semana, contou Antônio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT):
– Há também rede de hospedagem solidária. Muitos abriram suas casas para receber quem veio de outros lugares.
Nem todos participantes recorreram ao acampamento comunitário montado no Anfiteatro Pôr do Sol ou à hospedagem solidária, oferecida nos sites dos movimentos. Há quem prefira ficar em hotéis ou hostels da Capital, alterando o percentual de ocupação para esta época do ano, que é de cerca de 40%.
– Devemos chegar a uma ocupação entre 50% a 60% da capacidade. Com a chegada de Lula, devemos ter reservas de última hora, que podem alterar ainda mais essa estimativa – projetou o presidente do Sindicato dos Hotéis de Porto Alegre (SHPoa), Carlos Henrique Coutinho Schmidt.
Alguns estabelecimentos, principalmente os localizados nas regiões mais próximas ao TRF4, já estão lotados ou praticamente cheios.
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Julgamento de Lula
Condenado em primeira instância pelo juiz Sergio Moro a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva terá sua apelação julgada pelo TRF4, em Porto Alegre, nesta quarta-feira (24). A condenação é referente à denúncia na 13ª Vara Federal de Curitiba por supostamente ter recebido propina da construtora OAS em troca de favorecimentos à empreiteira em contratos na Petrobras. O suborno, no total de R$ 3,7 milhões, teria sido pago com a aquisição e reforma de um triplex no Guarujá (SP) e com o custeio do armazenamento de seu acervo presidencial.
Os advogados pedem a absolvição do petista, alegando que a condução do processo por Moro foi "parcial e facciosa". Já o MPF recorreu da decisão de Moro por entender que o ex-presidente deve ser punido por três atos de corrupção em concurso material — instrumento jurídico pelo qual as penas são somadas —, e não apenas por um crime de corrupção e um de lavagem de dinheiro como entendeu o juiz na sentença.
O ex-presidente será julgado pela 8ª Turma do TRF4, formada pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, relator do processo, Leandro Paulsen, presidente da Turma e revisor, e Victor Luiz dos Santos Laus. Estão previstas manifestações favoráveis e contrárias ao ex-presidente em Porto Alegre, e foi montado um esquema de segurança especial. Seja qual for o resultado do julgamento — condenação ou absolvição —, o processo não se encerra nesta quarta-feira, já que cabem recursos ao próprio TRF4.
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