Como se prende um ex-presidente? A dúvida preocupa autoridades encarregadas de cumprir essa missão – no caso, a eventual detenção de Luiz Inácio Lula da Silva. Não é para hoje, não é para logo, mas Lula pode ser preso ainda neste semestre, se depender do ritmo imprimido pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Os magistrados já deixaram claro que a sentença de 12 anos e um mês de reclusão imposta ao líder petista na quarta-feira (24) inclui prisão, que será contestada pela defesa.
A situação, inédita em tempos modernos, força estudo de cenários por parte da Polícia Federal (PF) e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que informa discretamente ao governo federal as movimentações político-criminais no país. Tudo para evitar possíveis turbulências decorrentes de uma prisão dessa envergadura.
Perante o público externo, a orientação é tratar toda prisão com normalidade, embora nada de corriqueiro exista em se prender um ex-presidente da República. Difícil é repassar essa noção de tranquilidade para os admiradores de Lula, admite um policial federal que participou das investigações que levaram à condenação do pré-candidato do PT à Presidência.
O investigador diz que as autoridades não esperam convencer militantes da culpa do seu líder, apenas tentarão dar à prisão dele (se ocorrer) o menor impacto social possível. Um oficial da Abin relata o dilema:
— Nos preocupa a subida de tom da retórica de alguns admiradores de Lula. Tem gente incitando a desobediência, de forma irresponsável. Esperamos que, com o passar dos dias, reflitam para que não tenhamos uma volta à barbárie. O embate não interessa à paz nacional.
Atenção ao discurso de líderes influentes
A referência é direta para falas como a do líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile. Logo após a confirmação da condenação, ele declarou:
— Impediremos de todo jeito que Lula seja preso.
Quem também despertou a atenção da Abin pelo discurso foram o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e o coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP) em São Paulo, Raimundo Bonfim, que conclamaram a população a “lutar nas ruas desse país” e usaram palavras como “rebelião e desobediência civil” – eles não são investigados.
A preocupação, na Abin, é evitar que, do discurso, os apoiadores de Lula descambem para ações. Esses atos poderiam gerar reações de adversários do petista.
Um delegado da PF é cético quanto à possibilidade de distúrbios. Uma das razões é a falta de combustível financeiro para custear as despesas de transporte e a manutenção de militantes – seja porque o governo federal não está mais com apoiadores de Lula, seja porque verbas de sindicatos (tradicionais aliados do ex-presidente) também escassearam. Do lado anti-Lula, faltaria disposição para ir às ruas, já que não há tradição de militância.
Uma das alternativas estudadas pelos policiais é procurar vozes serenas dentre os admiradores do petista. Há ideia de conversar com seus advogados de defesa, como José Roberto Batochio, que considera pouco provável a prisão.
– É um ex-presidente que não oferece periculosidade, não é nenhuma ameaça social. Prendê-lo seria uma hipótese realmente exagerada e absolutamente desnecessária. A decisão de começar a dar cumprimento da pena depois de condenação em segundo grau, tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), fala que “em certos casos o início da execução da pena pode ser depois de uma condenação em segundo grau”. Mas a experiência foi negativa, e o próprio Supremo está revendo essa decisão – pondera Batochio.
Destino seria o presídio do Paraná
Há possibilidade de que as regras do jogo mudem, e o STF retome prisões apenas com trânsito em julgado (quando não há mais recursos pendentes). Mas a jurisprudência atual prevê prisão logo, e a PF se prepara.
Caso seja preso, Lula deverá cumprir pena no Complexo Médico Penal de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, presídio onde ficam os detentos da Operação Lava-Jato já condenados. Destinado àqueles com doenças crônicas, ganhou uma ala para criminosos de “colarinho branco”.
Os procedimentos
Confira o plano já esboçado pelas autoridades, caso seja decretada prisão do ex-presidente Lula
Discrição - Uma das maneiras de diluir o impacto seria ordenar a prisão de forma discreta, sem alarde na mídia. Isso impediria o fluxo de militantes em torno da residência do ex-presidente ou do Instituto Lula, onde ele costuma despachar. A Polícia Federal (PF) espera ser convocada com antecedência pela Justiça para estudar a melhor forma de agir sem tumulto.
Múltiplas equipes - Inúmeras viaturas seriam usadas para o transporte, na tentativa de driblar possível identificação da caminhonete onde iria o ex-presidente.
Apresentação - Há uma pequena possibilidade de sugerir a advogados que apresentem Lula, caso seja decretada a prisão. O efeito colateral dessa medida é que os defensores do ex-presidente poderiam espalhar a notícia entre militantes pró-Lula, com risco de comoção social. Militantes anti-Lula também seriam atraídos para o local da prisão, o que poderia gerar confrontos.
Apoio militar - Tropas da Força Nacional de Segurança (FNS), compostas por policiais militares (PMs), seriam deslocadas para fazer segurança de prédios por onde Lula passaria, rumo à prisão. É o caso de aeroportos, delegacias da PF e do Complexo Médico Penal de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. PMs fariam escolta no trajeto e, também, bloqueios em locais vulneráveis. As Forças Armadas devem atuar apenas no guarnecimento de seus próprios prédios.
Reforço de PMs - Pode ser requisitado reforço de policiais em todas as cidades, nas horas e dias subsequentes à prisão. A missão seria proteger prédios públicos e privados considerados estratégicos, possíveis alvos de manifestantes, e evitar distúrbios de rua.
Conversas com políticos - Uma possibilidade é a de que policiais e procuradores da República promovam diálogo com lideranças políticas próximas a Lula, como tentativa de mostrar que a Operação Lava-Jato age quando autorizada – ou ordenada – pela Justiça.