A força-tarefa da Operação Lava-Jato pediu, em alegações finais, ao juiz Sérgio Moro que reconheça que os recibos entregues pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comprovar aluguel do imóvel vizinho à sua residência em São Bernardo em face do engenheiro Glaucos da Costamarques são "ideologicamente falsos".
Lula é réu em ação penal que investiga se um terreno em São Paulo onde seria sediado o Instituto Lula, no valor de R$ 12 milhões, e o apartamento vizinho ao do ex-presidente, em São Bernardo (ABC paulista), no edifício Hill House (de R$ 504 mil) seriam formas de pagamento de vantagens indevidas da empreiteira. A força-tarefa sustenta que o ex-presidente nunca pagou pelos imóveis até 2015. Investigação foi aberta sobre comprovantes de aluguel entregues pelo petista.
"Diante das tão clamorosas evidências da falsidade ideológica dos documentos impugnados neste incidente, ora destacadas, compreende-se porque a defesa do arguido, como é visível, tenha ido construir a fantasiosa e inverossímil versão sobre o "encontro" dos recibos em sua residência, que não convence ninguém, consoante pormenorizadamente abordado na manifestação ministerial do evento 31, à qual ora aqui se reporta, sendo, assim, pois, irretorquível que o arguido fez uso de recibos ideologicamente falsos na ação penal de que se trata, documentos que foram ardilosamente produzidos para dar falso amparo à simulada locação, que é um dos expedientes de dissimulação da real propriedade do apartamento n° 121 de Luiz Inácio Lula da Silva", afirma a força-tarefa.
"Ademais, em vista do farto acerto probatório que atesta a ausência de relação locatícia real, deve ser dito o óbvio, em resposta à tentativa insistente e precária da defesa de provar a existência de pagamentos única e exclusivamente invocando a força probatória atribuída pela lei civil a recibos de pagamentos: documentos ideologicamente falsos não fazem prova de pagamento ou quitação. Ao contrário, a falsidade do recibo concorre francamente para confirmar os matizes criminosos dos atos que tentam, em vão, lastrear", conclui.
Glaucos da Costamarques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, é denunciado por ser o suposto laranja do ex-presidente na aquisição do terreno e do apartamento. O ex-presidente apresentou os recibos de pagamento assinados por Costamarques em setembro. Parte do material tem erros gramaticais e há datas nos documentos que não existem no calendário, como "31 de novembro". O Ministério Público Federal investiga a autenticidade.
Glaucos tem afirmado que, em dezembro de 2015, foi visitado pelo advogado de Lula, Roberto Teixeira, no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, quando a ele foi prometido que o ex-presidente passaria a pagar pelo aluguel do apartamento 121 do condomínio Hill House, ocupado pelo petista. Segundo o engenheiro, um dia depois de receber o compadre de Lula, ele teria sido visitado pelo contador João Muniz, que teria levado todos os recibos para que assinasse de uma só vez.
Registros do hospital revelam que Costamarques foi visitado três vezes pelo contador. No entanto, não consta a entrada do advogado de Lula no Sírio. A força-tarefa ressalta que ele recebeu ligações de Teixeira em datas próximas do dia em que assinou os papéis. Costamarques afirma que os registros do hospital são falhos e reitera que foi visitado por Teixeira.
Defesa
O advogado Cristiano Zanin Martins, defensor de Lula, manifestou-se sobre o assunto por meio de nota:
"O Ministério Público Federal abusa do direito de acusar e reforça a prática do 'lawfare' contra Lula ao apresentar suas alegações finais hoje (11/01) no incidente de falsidade nº 5043015-38.2017.4.04.7000 pedindo que seja declarada a falsidade dos recibos de locação apresentados pelo ex-Presidente a despeito da comprovação de que os documentos são autênticos e idôneos.
Durante o interrogatório de Lula ocorrido em 13/09/2017, o Ministério Público Federal, assim como o juiz Sérgio Moro, exortaram o ex-Presidente a apresentar recibos da locação contratada por D. Marisa. Colocaram a apresentação dos documentos como fundamental para o reconhecimento da inocência de Lula, embora a acusação formal esteja relacionada à propriedade do imóvel locado e à origem dos recurso utilizados para a sua aquisição. Os recibos foram apresentados, contendo declaração de quitação dos aluguéis entre 2011 e 2015.
Ao invés de reconhecerem a improcedência da acusação, os procuradores passaram a colocar indevidamente sob suspeita a autenticidade dos recibos. Depois, diante da prova de que os recibos haviam sido assinados pelo proprietário do imóvel, os procuradores desistiram de pedir uma perícia em relação aos documentos, passando a sustentar que eles seriam 'ideologicamente falsos', pois, segundo a versão apresentada, os aluguéis não teriam sido efetivamente pagos. A acusação é inverídica e descabida.
As alegações do Ministério Público Federal apresentadas nesta data são manifestamente improcedentes, pois:
(i) Glaucos da Costamarques reconhece que é o proprietário do apartamento e que adquiriu o imóvel com recursos próprios, e não de valores provenientes de contratos da Petrobras, como consta na denúncia;
(ii) Costamarques esclareceu em 2016 à Receita Federal e à Polícia Federal que recebia os aluguéis entre 2011 e 2015 através de pagamentos em espécie (dinheiro);
(iii) Costamarques jamais registrou a existência de qualquer pendência no pagamento dos aluguéis em suas correspondências à D. Marisa, a inquilina;
(iv) A quebra do sigilo bancário de Costamarques mostrou que entre 2011 e 2015 ele movimentou quantia próxima da 1,4 milhões em dinheiro;
(v) Em momento algum Costamarques explicou a origem de tais valores em espécie em suas contas, compatíveis com o recebimento dos aluguéis, que somam cerca de R$ 188 mil no período;
(vi) O documento apócrifo que teria sido apreendido na residência do ex-Presidente Lula, exaltado pela acusação, estaria relacionado aos pagamentos efetuados "em agência bancária" ou em "débito em conta", sem relacionar pagamentos feitos em espécie;
(vii) Esse mesmo documento apócrifo não corresponde à realidade dos pagamentos feitos por D. Marisa, segundo os extratos bancários juntados aos autos, reforçando a sua imprestabilidade conforme planilha já apresentada pela defesa em 10/11/2017.
Glaucos da Costamarques é corréu na ação. Prestou depoimento sem o compromisso da verdade, assim como Leo Pinheiro na ação do tríplex. O Ministério Público Federal quer atribuir valor probatório à declarações de Costamarques no que se refere aos aluguéis, mas ao mesmo tempo despreza sua afirmação de que é o proprietário do imóvel e não 'laranja' de Lula.
Ao agir dessa forma, o MPF revela que não tem critério na escolha das provas. Reconhece como idôneo somente aquilo que confronta a defesa de Lula. É a mesma lógica utilizada para recusar o depoimento do ex-advogado da Odebrecht Rodrigo Tacla Durán. Lula não praticou qualquer ato ilícito, antes, durante ou depois do exercício do cargo de Presidente da República".