Durante sessão de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, criticou na manhã desta quarta-feira, 13, a possibilidade de delegados de polícia firmarem acordos de colaboração premiada. Para Raquel, o Ministério Público funciona como "guardião" do acordo, da sua validade e sua eficácia, cabendo à polícia ter uma participação limitada, atuando na coleta de provas e na realização de depoimentos.
"O Ministério Público entende que a participação dos delegados pode ir ao ponto de coleta de depoimentos, de localizar os depoentes, mas compactuar cláusulas (dos acordos), principalmente no que se refere ao prêmio, o Ministério Público entende que (isso) se encontra no domínio da exclusividade do Ministério Público", disse a procuradora-geral da República.
"Dentro do sistema acusatório o papel do Ministério Público como titular da ação penal é de exclusividade. E não é que reivindicamos essa posição. Essa qualificação é dada pela própria Constituição Federal. Por isso a legitimidade para oferecer e negociar acordos de colaboração premiada é privativa do Ministério Publico tendo em conta que esse instrumento de investigação criminal pode resultar na mitigação da regra de indisponibilidade relativa da persecução penal que decorre da titularidade da ação penal pública outorgada pela Constituição ao Ministério Público", frisou.
O STF iniciou na manhã desta quarta o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a possibilidade de a Polícia Federal firmar acordos de colaboração premiada.
O suspense em relação à definição da Corte sobre o tema emperra o andamento de delações já firmadas pela PF, como a colaboração do operador do mensalão Marcos Valério e do marqueteiro Duda Mendonça, feitas sem a participação do Ministério Público Federal (MPF).
Para Raquel, não há dúvidas de que o instrumento da colaboração premiada é um dos principais responsáveis pelo avanço na luta contra a corrupção no País, mas permitir a polícia de firmar os acordos "ofende o princípio do processo legal e a segurança jurídica".
"É ao Ministério Público que compete avaliar a utilidade das provas oferecidas pelo colaborador e depois avaliar o prêmio pelo que entregou o colaborador", ressaltou.
"Tendo participado da celebração do acordo, o Ministério Público funciona como o seu guardião. Guardião de sua validade, de sua eficácia e pode discutir em juízo a decisão judicial de não homologar ou de alterar cláusulas do acordo. Os delegados de polícia, todavia, por não serem parte na relação processual, naturalmente não podem ter a legitimidade recursal para impugnar a decisão judicial que negue a homologação do acordo ou o altere", prosseguiu a procuradora-geral da República.
Oferta
Para Raquel Dodge, a possibilidade de a polícia firmar acordos representa a permissão de que a corporação faça "oferta que não poderá honrar", já que a PF não é titular da ação penal.
"Tal situação deixa desprotegido o postulante da colaboração e contraria o princípio da proteção constitucional da confiança, pois não é aceitável que o Estado participe de negociações que não possa adimplir", destacou. "Se a polícia oferecer perdão judicial, terá o Ministério Público de vincular-se a essa opinião pactuada no acordo?", questionou.
Ao final de sua sustentação oral, a procuradora-geral da República reforçou o pedido para que seja declarada inconstitucional o dispositivo legal que possibilita ao delegado de polícia fazer acordos de colaboração premiada.
Modulação
Raquel Dodge também pediu uma "modulação temporal" numa eventual decisão do Supremo sobre o tema, no intuito de que sejam "considerados válidos" os acordos já existentes firmados por delegados para "evitar prejuízo de investigações em curso".