Em "Tropa de Elite 2", os políticos foram apresentados como os grandes inimigos da população, os verdadeiros responsáveis pela corrupção e violência do país. Os últimos acontecimentos no Rio de Janeiro, como a decisão da Assembleia Legislativa de soltar o presidente da Casa, Jorge Picciani (PMDB), e outros dois deputados acusados de corrupção, parecem confirmar a visão quase apocalíptica do diretor José Padilha. Nesta entrevista, concedida por e-mail, ele avisa que não existe nenhum capitão Nascimento — chefe do Bope interpretado por Wagner Moura em "Tropa de Elite" 1 e 2 — para resolver as mazelas cariocas. Confira os principais trechos da entrevista:
Com o que tem acontecido no Rio de Janeiro, a pergunta é: você tem uma bola de cristal?
É claro que o principal problema do país é o mecanismo, a máquina de corrupção que dominou e moldou nossa política em todos os níveis da Federação, no Legislativo e no Executivo. Isso deveria ser óbvio para todos muito antes do "Tropa de Elite 2". No entanto, a grande maioria dos formadores de opinião do país tem posições ideológicas marcantes. O pessoal da esquerda sempre fez malabarismos intelectuais absurdos para justificar a corrupção de seus líderes, evidente desde as prefeituras do PT. E o pessoal da direita... Bom, este pessoal faz isto desde sempre. Logo, os dois grupos demoraram muito para perceber algo essencial: o mecanismo não tem ideologia. Usa a ideologia para defender seus pares, enquanto faz o trabalho sujo. Eu tenho bola de cristal? Certamente que não. Apenas não tenho ideologia.
Te assustam as similaridades do que se viu em "Tropa de Elite 2" e a política no Rio de Janeiro?
Me assusta muito mais o comportamento dos juízes do STF (Supremo Tribunal Federal), que têm acesso aos processos, sabem de tudo em detalhe e, mesmo assim, deram às assembleias legislativas e ao Congresso a prerrogativa de decidir sobre a aplicação de penas a deputados e senadores condenados por corrupção. Isso significa que, muito provavelmente, a maioria no STF faz parte do mecanismo. Significa que boa parte dos juízes do STF está diretamente envolvida em corrupção. E, se esse for o caso (a minha "bola de cristal" acha muito provável que seja), o que vai acontecer com o Brasil no curto e no médio prazo depois que a população entender que a Justiça decidiu que os políticos podem roubar sem serem punidos?
Na sua opinião, qual é a origem do desastre político carioca?
Houve no Rio uma exacerbação do mecanismo. Ocorreu porque um político ainda mais sociopata do que a maioria de nossos políticos (Sérgio Cabral) foi ungido pela mídia local como o salvador da pátria, em razão do projeto das UPPs, que claramente não iria funcionar nos moldes em que foi concebido. O que aconteceu no Rio não teria acontecido em tamanho grau se a imprensa local tivesse mantido uma atitude crítica em relação ao poder público durante os governos de Cabral.
Falta oposição no Rio de Janeiro? Faltam embate e debate real na política do Estado?
Grandes consensos e excesso de ideologia denotam falta de inteligência. O Rio de Janeiro sofre dos dois males.
Picciani, Cabral e companhia rendem bons personagens para o cinema ou a ficção não dá conta?
Espero que dê conta, porque estou trabalhando nisso.
Só um capitão Nascimento para pôr ordem nessa situação?
O capitão Nascimento não é parte da solução, é parte do problema.