Um documento da Receita Federal mostra que no primeiro ano de funcionamento do Instituto Lula, em 2011, apenas empreiteiras acusadas de cartel e corrupção na Petrobras compunham o grupo de grandes doadores, com repasses de mais de R$ 1 milhão. Juntas, Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão doaram R$ 3,7 milhões ao instituto — a maior parte dos R$ 4 milhões de receita da entidade, naquele ano. Com exceção da Queiroz Galvão, as outras confessaram ilícitos em acordos de leniência com a Operação Lava-Jato.
Lula foi condenado, em junho, pelo juiz federal Sergio Moro a nove anos e seis meses de prisão por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do triplex do Guarujá (SP), que supostamente ocultava propinas da OAS. Em outro processo em fase final, ele é réu por receber da Odebrecht um terreno para o Instituto Lula — negócio que acabou sendo desfeito — e um apartamento vizinho ao seu no Edifício Hill House, em São Bernardo do Campo (SP). Os "presentes" ocultariam R$ 12,4 milhões em propinas. Lula nega irregularidades.
Réu ainda no processo do sítio de Atibaia (SP), em Curitiba, Lula é amplamente investigado na Lava-Jato. Uma delas apura as doações para o Instituto Lula e os pagamentos de palestras por meio da empresa LILS Palestras e Eventos, aberta por ele em 2011, após deixar a Presidência.
Três anos após o início do funcionamento do Instituto Lula, relatório da Receita Federal registra que as doações à entidade cresceram para R$ 14,9 milhões. Somados os quatro anos, foram R$ 34,9 milhões recebidos em doações e subvenções e/ou contribuições de associados. Além de bancos, outras empresas passaram a doar para o Instituto Lula entre 2013 e 2014, como o Grupo J&F, dos irmão Joesley e Wesley Batista.
Os auditores da Receita no Paraná fizeram ainda uma análise dos principais doadores da entidade, que juntos repassaram R$ 26 milhões nos quatro anos de atividades analisados. A pesquisa foi produzida com base nas quebras de sigilos decretadas por Moro, em 2015, que tinham como alvo Lula e seus negócios.
As duas maiores são as construtoras Camargo Corrêa e Odebrecht, ambas com acordos de delação premiada e leniência na Lava-Jato.
A análise foi produzida pela equipe da Receita em dezembro de 2015 e instrui inquérito criminal ainda em aberto sobre suposta ocultação de propinas da Petrobras em doações ao Instituto Lula e pagamentos de palestras do ex-presidente, via LILS. O documento foi anexado ao processo em que Lula foi condenado, do triplex, e também instrui a ação que deve ser julgada por Moro, antes do final do ano, sobre o terreno para o Instituto e o apartamento em São Bernardo.
Filhos
O documento da Receita também destaca os pagamentos feitos pelo Instituto Lula para a G4 Entretenimento, empresa de Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, um dos filhos do petista, em sociedade com o filhos de Jacó Bittar (PT), ex-prefeito de Campinas (SP), que afirmou ter comprado o sítio de Atibaia para uso do ex-presidente e de sua família
A propriedade rural, que a Lava-Jato diz ser do ex-presidente — e ele nega —, está em nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna, ambos sócios dos filhos de Lula.
A G4 Entretenimento recebeu R$ 1.349.446,54 do Instituto Lula, entre 2012 e 2014. A empresa tem como atividade empresarial "suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação".
"De longe, dentre os destinatários dos recursos da entidade, é a empresa que mais recebeu recursos. Como parâmetro, repisando que se trata de análise dos dados ora disponíveis, a G4 recebeu em 2014 mais que todas as demais empresas destinatárias de valores do instituto e, entre 2011 e 2014, recebeu mais recursos que as cinco empresas que mais receberam da entidade após a própria G4", informou o Ministério Público Federal (MPF).
Os procuradores da Lava-Jato afirmam no primeiro processo contra Lula que, entre 2009 e 2014, a G4 teve em 2009, zero empregados; em 2010, zero empregados; em 2011, um empregado; em 2012, três empregados; em 2013, oito empregados; e em 2014, seis empregados.
"Relevante indicar que, entre 2013 e 2014, quando teve uma redução no quadro de empregados, os recebimentos da G4 vindos do instituto saltaram de R$ 263.489,54 para R$ 1.067.657,0041", destaca o documento.
No último mês, a Polícia Federal intimou o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, a apresentar comprovantes da prestação de serviços das empresas dos Lula à entidade. Os investigadores apuram se pagamentos feitos pelo Instituto à FlexBR e à G4 Entretenimento foram realizados por serviços prestados ou forma de ocultar propina.
A FlexBR é controlada por dois filhos do ex-presidente — Marcos Claudio e Sandro Luis — e uma nora — Marlene Araujo.
Defesas
Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, afirma por meio de sua defesa que todas as doações e gastos da entidade são legais.
"Todos doadores do Instituto Lula e contratantes de palestras de Lula também doaram e contrataram Fernando Henrique Cardoso. Podem procurar nos institutos de José Sarney, Itamar Franco e outros ex-presidentes que devem achar as mesmas empresas", afirma o criminalista Fernando Augusto Fernandes, que defende Okamotto.
O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, também se manifestou.
"A tentativa de criminalizar o recebimento de doações legais para o Instituto Lula, retratadas em recibos, parece ser a nova onda da perseguição da Lava-Jato contra o ex-presidente Lula. Lula não recebeu qualquer doação ilegal da Odebrecht ou de qualquer outra empresa. As doações questionadas não tiveram Lula como beneficiário, mas sim entidade sem fins lucrativos que não se confunde com o ex-presidente", disse.