Preocupados com a repercussão negativa em torno da criação de um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, os deputados retomam nesta terça-feira (22) a votação da reforma política dispostos a aprovar o financiamento público de campanha, porém sem estipular valor para os gastos nas eleições de 2018. A ideia é simplesmente retirar do texto o artigo que vincula o dinheiro disponível às candidaturas à receita corrente líquida (RCL) da União.
O relatório aprovado na comissão da reforma política previa que o Fundo de Financiamento da Democracia recebesse 0,5% dessa arrecadação. Conforme o crescimento da economia, a porcentagem poderia significar montante até superior aos R$ 3,6 bilhões. Agora, os deputados querem que o valor total seja discutido mais tarde, durante a montagem do orçamento da União para 2018.
Dessa forma, o financiamento público das campanhas já seria garantido na votação prevista para esta terça-feira como um cheque em branco, adiando e diluindo o desgaste provocado pela definição de uma cifra bilionária. O total a ser gasto e a origem dos recursos só seriam definidos em outubro, quando a Comissão Mista do Orçamento no Congresso começar os trabalhos sobre as despesas do governo para o ano que vem.
Leia mais:
GRÁFICO: como será dividido entre os partidos o fundo público eleitoral
"Não é admissível uma eleição sem financiamento", diz Afonso Motta
Relator da reforma política deve apresentar redução do fundo eleitoral
A estratégia foi acertada na semana passada, em reunião dos líderes partidários na residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Antes, os deputados já haviam cogitado reduzir o fundo à metade, vinculando a 0,25% da RCL. Como a rejeição popular não diminuiu, os parlamentares acharam melhor tirar do noticiário o debate em torno de um valor específico.
– Não vai ser muito diferente do que estava. Só que agora estão assinando um cheque em branco, a ser preenchido mais tarde – afirma o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
Ao participar de seminário sobre reforma política nesta segunda-feira (21), Maia estimou os gastos para a eleição de 2018 em R$ 2,5 bilhões, valor com o qual, na avaliação dele, doadores individuais não estariam dispostos a arcar. Ele também citou o quadro grave das contas do governo para destinar R$ 3,6 bilhões do orçamento às campanhas, mas defendeu o financiamento público.
– Não consigo encontrar condições, pelas discussões que tive com a equipe econômica sobre a situação fiscal do Brasil, de organizar R$ 3 bilhões para isso – afirmou.
Medida deve atravancar auditorias da Justiça
Empenhados em aprovar o fundo público, os deputados têm tangenciado outras questões da reforma política, como as regras de distribuição dos recursos e a fiscalização. Com apenas 148 servidores para avaliar as prestações de contas, a Justiça Eleitoral já tem dificuldade em inspecionar balanços anuais dos partidos, cujo total em 2017 é estimado em R$ 819 milhões. Se for aprovado o fundo bilionário, o acúmulo de trabalho será maior. As contas partidárias de 2011, por exemplo, só terminaram de ser auditadas este ano.
– Estamos tentando cumprir nosso papel, mas realmente com mais dinheiro (público) haverá maiores dificuldades. Vamos ter repasse para os partidos, que vão repassar para os candidatos, e aí vem o problema das prestações de contas – admite o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes.
Para a procuradora regional da República Silvana Batini, a situação tende a manter a "cultura da transgressão" nas eleições. Professora de Direito Eleitoral na Fundação Getulio Vargas, Silvana diz que o TSE é eficiente para realizar os pleitos e fazer divulgação rápida dos resultados, mas ainda é incapaz de inibir financiamento ilegal:
– O sistema político está corrompido e temos ineficácia absoluta da fiscalização. A Justiça Eleitoral não dá conta. O caixa 2 vai continuar porque nada foi feito para desestimulá-lo.