No mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a discutir a possibilidade de restringir o foro privilegiado, o Senado Federal aprovou o fim da prerrogativa de função nos casos de crimes comuns para todas as autoridades – com exceção dos chefes dos Três Poderes e vice-presidente da República.
A Proposta de Emenda à Constituição (10/2013), de autoria do senador Alvaro Dias (PV/PR), segue agora para análise da Câmara dos Deputados, onde terá de passar por dois turnos de votação. Mas a PEC não deve ter uma tramitação acelerada na Casa. Líderes partidários alegam que a prioridade do governo é a apreciação das reformas da Previdência e política, o que jogaria a votação para o segundo semestre, na melhor das hipóteses.
– Temos tantas coisas para votar antes –, justificou o vice-líder do governo na Casa, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS).
O que é foro privilegiado?
O foro por prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado, garante que autoridades – como o presidente da República, parlamentares, ministros, governadores, juízes, membros do Ministério Público, entre outros – sejam julgadas em instâncias superiores da Justiça, como o STF, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tribunais regionais federais, etc, a depender do cargo do investigado ou réu. O mecanismo busca impedir ações indevidas contra pessoas que ocupam importantes cargos públicos, mais sujeitas a perseguições políticas, e evitar que autoridades usem seu poder para pressionar juízes de primeira instância. Atualmente, quase 55 mil pessoas têm foro privilegiado no país, conforme um estudo da Consultoria Legislativa do Senado, sendo que 38,4 mil têm o direito previsto na Constituição Federal.
O que prevê a PEC aprovada pelo Senado?
A proposta acaba com o foro privilegiado em caso de crimes comuns para deputados, senadores, ministros, governadores, ministros de tribunais superiores, desembargadores, embaixadores, comandantes militares, integrantes de tribunais regionais federais, juízes federais, membros do Ministério Público, procurador-geral da República e membros dos conselhos de Justiça e do Ministério Público.
Dessa forma, todas as autoridades e agentes públicos hoje beneficiados pelo foro responderão a processos iniciados nas primeiras instâncias da Justiça comum. As únicas exceções são os chefes dos três poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) e o vice-presidente da República.
As autoridades, contudo, manterão o foro nos crimes de responsabilidade, aqueles cometidos em decorrência do exercício do cargo público. O texto aprovado manteve o parágrafo 2º do artigo 53 da Constituição, que prevê que parlamentares não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Em casos como esses, os autos devem ser remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa Legislativa respectiva, para que, pelo voto da maioria dos integrantes, resolva sobre a prisão.
O que pode mudar com o julgamento no STF?
A Corte analisa se aceita proposta do ministro Luís Roberto Barroso para restringir o foro especial apenas a crimes relacionados ao exercício do cargo público. Se a decisão for favorável, uma autoridade que for acusada de crimes anteriores a seu mandato político ou a sua posse em cargo público poderá ser investigada e julgada na primeira instância da Justiça. Segundo o relator, sairão do STF a maior parte (cerca de 90%) dos inquéritos que estão na Corte.
A mudança deve ter impacto sobre políticos investigados na Operação Lava-Jato, já que parte deles é acusada de ter cometido crimes anteriores a seus mandatos, como, por exemplo, o recebimento de caixa 2. Essas ações poderão ser remetidas para varas de primeira instância.
Segundo um levantamento do jornal O Globo, pelo menos 11 dos 76 inquéritos abertos no mês passado a partir da delação da Odebrecht deixarão o STF. Isso porque essas 11 ações contêm indícios contra políticos que teriam cometido o crime de caixa dois entre 2010 e 2014, quando não tinham cargo que justificasse o julgamento no STF.
A proposta do Senado invalida a do STF?
Não. A decisão do STF terá repercussão imediata, enquanto que a proposta aprovada pelos senadores, embora seja mais restritiva, ainda terá que ser votada em dois turnos na Câmara dos Deputados e, depois, sancionada pelo presidente da República. Além disso, no caso de crime de responsabilidade, cometidos em decorrência do exercício do cargo, valerá a restrição sugerida por Barroso, se for aprovada pela maioria dos ministros do Supremo.