A soltura do ex-ministro José Dirceu pelo Supremo Tribunal Federal (STF) arremessou holofotes sobre uma esfera judicial partícipe da Operação Lava-Jato que, até agora, não estava exatamente no olho do furacão: o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
É neste colegiado que os sentenciados pelo juiz federal Sergio Moro serão julgados em segunda instância. Caso mantidas as condenações, o cumprimento das penas passa a ser imediato, com hipóteses remotas de libertação por meio de habeas corpus, como ocorreu no caso de Dirceu e também do pecuarista José Carlos Bumlai e do ex-assessor parlamentar João Claudio Genu. Os três foram libertos pelo STF com base no mesmo entendimento de que prisões preventivas não poderiam se estender por longa data sem que existissem fatores como ameaça de testemunhas, riscos ao andamento do processo, planejamento de fuga ou assemelhados. O futuro da Lava-Jato passa pelo ritmo processual do TRF4.
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No Brasil, a regra é que o réu deve cumprir a sua pena a partir da segunda instância. Moro, de primeira instância, adotou mecanismo mais rigoroso e emitiu prisões preventivas junto das condenações primárias, alegando a gravidade dos crimes cometidos, entre outras justificativas. O método do juiz é popular e demonstrou eficiência para a investigação, mas desagrada advogados constitucionalistas.
– A condenação de primeira instância, por si só, não prende. Precisa de decreto de prisão preventiva. O STF entendeu que não estão presentes os vetores para a manutenção dessas preventivas e que elas não podem ser tão dilatadas – explica Alexandre Wunderlich, professor de Direito Penal da PUCRS.
No coração da Lava-Jato, as libertações de Dirceu, Bumlai e Genu soaram como senhas para que a interpretação seja estendida a outros condenados em primeira instância que estão enclausurados por decretos de prisões preventivas. Isso poderia retirar da cadeia nomes como o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O ex-ministro Antonio Palocci, sem condenação, mas sob prisão preventiva, é outro que vislumbra a soltura.
Essa debandada do cárcere – prenúncio da maior derrota da Lava-Jato – poderá não acontecer caso haja celeridade nos julgamentos de segunda instância. Afinal, em caso de manutenção das condenações, a discussão está superada: os réus devem voltar à detenção.
Debate questiona ritmo de tramitações no TRF4
Cartas postas à mesa, o debate que acende no país questiona o ritmo das tramitações no TRF4. O tribunal informou na quarta-feira que, das 28 sentenças definitivas emitidas por Moro, 18 chegaram à segunda instância na forma de apelação. Destas, nove foram julgadas e as demais estão em andamento.
No caso específico de Dirceu, condenado duas vezes por Moro, uma das apelações está em análise desde janeiro no gabinete do desembargador-relator dos processos da Lava-Jato no TRF4, João Pedro Gebran Neto. A segunda ação ainda não chegou ao colegiado, que evita fixar prazos.
Nos mais de três anos de Lava-Jato, 651 processos já ingressaram na corte de Porto Alegre, mas pelo menos 419 deles eram pedidos de habeas corpus, que tem prioridade, solicitando libertações de presos ou invalidação de provas. São detalhes jurídicos que influenciam o desfecho.
No quesito rigor, as análises lideradas pelo relator Gebran não deixam a desejar em comparação com Moro: a maioria dos réus teve as penas mantidas ou aumentadas na segunda instância.
– Dentro dessa realidade processual, a 8ª Turma tem julgado com a maior rapidez possível. A minha preocupação e dos demais desembargadores é entregar a melhor jurisdição – diz Gebran, que declara "não se sentir pressionado".
Wunderlich define a Corte como um "tribunal muito ágil", mas, entre advogados, há avaliações distintas.
– Já vi demoras impressionantes, mas com decisões muito qualificadas. Foi possível perceber que o juiz estudou o processo, mas com grande demanda de tempo – opina Lúcio de Constantino, advogado criminalista e doutor em Direito.
Em Curitiba, onde correm as ações de primeira instância, procuradores do Ministério Público Federal, criticados pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, prometem manter o enfrentamento.
– Não há por que não se discutir decisões judiciais. Em qualquer país do mundo isso ocorre. Como decisão de um tribunal, tem que ser respeitada, o que não significa que não possa ser debatida. Nelson Hungria, que foi ministro do STF, disse uma vez que o Supremo tem o privilégio de errar por último. O ministro Gilmar parece querer que ninguém critique suas decisões. Vamos continuar trabalhando como sempre fizemos – afirma Antonio Welter, procurador do MPF.
Números da Lava-Jato no TRF4
– 651 processos chegaram ao TRF4 para recorrer de decisões do juiz Sergio Moro, de primeira instância.
– Dos 651 processos, pelo menos 419 foram pedidos de habeas corpus, que pedem a revogação de prisões e anulação de provas.
– De 419 habeas corpus apresentados, o TRF4 analisou e baixou 365. Outros 54 estão em tramitação.
– Mais de 90% das prisões em primeira instância foram mantidas pelos tribunais de segunda instância. Isso significa que, em maioria absoluta, as prisões decretadas por Moro tiveram apoio no TRF4.