Na segunda tentativa de criar o regime de recuperação fiscal dos Estados, o Planalto admite dificuldades para aprovar o projeto no Congresso no próximo mês, o que poderá atrasar o socorro financeiro aos governadores. Mais uma vez, a principal reclamação dos parlamentares reside nas contrapartidas exigidas pela União, como congelamento de salários e privatizações de bancos e empresas dos setores de energia e saneamento.
Sem a aprovação na Câmara e no Senado, o acordo de ajuda federal em negociação entre Piratini e Ministério da Fazenda não sairá do papel. Pela proposta, cujo texto passa por revisões, os Estados que aderirem ao regime terão 36 meses de carência no pagamento da dívida com a União e a possibilidade de obter financiamentos em troca de medidas de austeridade.
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Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) reconhece a resistência nas bancadas e classifica como "problema" a questão das contrapartidas. Ele sugeriu deixar as ações detalhadas de fora, mas o Planalto alegou que poderia ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
– O governo federal entende que, sem aquelas contrapartidas aprovadas em projeto de lei complementar, não há condição de assinar nenhum tipo de acordo de recuperação fiscal com nenhum Estado – disse Maia.
O próprio presidente Michel Temer reforçou, na terça-feira, essa posição. Assim, a recuperação fiscal passa pelo mesmo impasse de dezembro, quando o Planalto vetou parte de uma lei que criava o regime sem especificar o que as unidades da federação deveriam dar em troca do socorro – as contrapartidas foram retiradas pelos deputados. À época, parlamentares argumentavam que o tema era de interesse apenas de Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Dois meses depois, o clima é similar.
Na tarde desta terça-feira, deputados anunciavam posição contrária às privatizações. Outro ponto criticado era a criação de um conselho de supervisão, com representantes da União, para auditar o cumprimento do acordo pelos governos.
– Será uma rendição perante o governo federal. Não vamos aceitar essa medida – garantiu Maria do Rosário (PT-RS).
Nas bancadas do Nordeste, a pressão é para viabilizar algum auxílio aos Estados que não decretaram calamidade.
– Até por justiça com quem fez o dever de casa, seria interessante uma compensação. Do jeito que está, beneficia quem gastou demais – afirma Hugo Motta (PMDB-PB).
Secretário estadual da Fazenda, Giovani Feltes ainda não teve acesso ao projeto. No caso gaúcho, continuam as negociações com a equipe econômica de Temer. Uma missão de técnicos federais já esteve em Porto Alegre e uma segunda rodada de conversas está marcada para o próximo mês. Após fechar o inventário das contas, será discutido com o governador José Ivo Sartori o tamanho do ajuste e o que ainda terá de ser aprovado na Assembleia, incluindo as vendas de estatais. A União quer avaliar a situação do Banrisul. A expectativa em Brasília é fechar o acordo em abril.
Oposição e servidores criticam texto
Antes mesmo de começar a tramitar na Câmara, em Brasília, o projeto que cria o regime de recuperação fiscal dos Estados é alvo de controvérsia no Rio Grande do Sul. Enquanto o Palácio Piratini classifica a iniciativa como "oportunidade de ouro", líderes sindicais e adversários políticos consideram "trágica" a proposta da União.
Presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado (Fessergs), Sérgio Arnoud afirma que as contrapartidas exigidas são "absurdas":
– A sociedade gaúcha já está vendo quais são as consequências do arrocho imposto pelo governador José Ivo Sartori. Isso só vai piorar, e o resultado será o caos.
A avaliação é compartilhada por deputados de oposição. Pedro Ruas (PSOL) diz que trabalhará para derrubar a adesão ao plano federal – que terá de passar pelo crivo da Assembleia. Contrário às privatizações, ele teme a venda do Banrisul e da Corsan.
– O governo Sartori quer isso há muito tempo, mas tenho a convicção de que não vai conseguir – destaca Ruas.
Líder do governo, o deputado Gabriel Souza (PMDB) rebate as críticas e garante que o Rio Grande do Sul "sairá ganhando" se aderir ao socorro da União. O parlamentar garante que a venda do banco e da companhia de saneamento está "100% descartada". Segundo ele, o projeto cita a privatização de empresas das áreas financeira, de saneamento e de energia "como opções", e S artori trabalha com a última alternativa – por isso enviou projeto à Assembleia envolvendo apenas a CEEE, a CRM e a Sulgás.
– O fato é o seguinte: os deputados terão de decidir se querem que o Estado aproveite essa oportunidade de ouro para sair da crise no curto prazo ou não. Reconhecemos que essas medidas não vão resolver todos os problemas, mas são importantes porque vão permitir que se volte a pagar a folha em dia. Se a adesão for rejeitada, o Estado continuará atrasando salários e outros compromissos – afirma Souza.
Principais pontos que devem integrar o projeto do governo federal
1) Suspensão do pagamento da dívida com a União
O prazo inicial será de três anos, podendo chegar a mais três, em troca de uma série de medidas a serem adotadas pelos governos estaduais.
O impacto para o Estado
A suspensão da dívida dará fôlego de R$ 7,5 bilhões ao Tesouro estadual até 2019, mas isso não significa que o débito será perdoado: o dinheiro terá de ser pago no futuro.
Os obstáculos
O Estado já adota a maior parte das exigências impostas. Um dos principais desafios de Sartori é a privatização de empresas públicas.
2) Privatização de empresas públicas em três áreas
O projeto prevê que os Estados autorizem privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento.
O impacto para o Estado
Sartori apresentou projeto para privatizar sem plebiscito CEEE, Sulgás e CRM, que podem render R$ 2,5 bilhões. União pode exigir outros órgãos, como Banrisul e Corsan.
Os obstáculos
Governo não tem votos para aprovar fim de plebiscito. Caso queira privatizar outros órgãos, terá de fazer consulta ou enviar nova proposta à Assembleia. Há resistências.
3) Redução de incentivos tributários
O projeto determina a proibição da concessão de novos incentivos tributários a empresas e a redução dos já existentes em, no mínimo, 20%.
O impacto para o Estado
Em 2015, o Estado apresentou projeto para reduzir os créditos fiscais em 30%, com economia de R$ 300 milhões ao ano. Houve resistência, e o projeto não foi votado.
Os obstáculos
Congelar e reduzir incentivos pode afetar setores produtivos e prejudicar a competitividade do Estado, por isso não são decisões simples e de fácil aprovação.
4) Congelamento de salários e concursos
A proposta veta concessão de vantagens ou reajustes a servidores, alterações nas carreiras que aumentem despesas e novos concursos públicos.
O impacto para o Estado
No Poder Executivo, isso já vem ocorrendo na gestão Sartori, com exceção de servidores da segurança. Nos demais poderes, aumentos seguem sendo concedidos.
Os obstáculos
A principal barreira é o descontentamento dos servidores, não só do Executivo mas também dos demais poderes, e o risco de prejuízo aos serviços públicos.
5) Teto para os gastos públicos
Será necessário adotar um teto para os gastos públicos, semelhante ao que foi implementado pela União.
O impacto para o Estado
Na prática, as despesas não poderão crescer acima da variação do IPCA, que mede a inflação, ou da receita corrente líquida, o que for menor.
Os obstáculos
Sartori terá de enviar projeto para a Assembleia e convencer os deputados de que isso não afetará as verbas para áreas essenciais, como saúde e educação.
6) Criação de conselho de supervisão
Serão formados conselhos com dois membros do Ministério da Fazenda e um da Controladoria-Geral da União para auditar o cumprimento do acordo.
O impacto para o Estado
O Estado terá de oferecer uma sala para os conselheiros se instalarem e supervisionarem a implementação do plano, em uma espécie de "intervenção branca".
Os obstáculos
Na avaliação do governo do Estado, não há obstáculo à presença dos conselheiros e não há motivos para constrangimento.