O Ministério Público da Suíça aponta que o envolvimento da Odebrecht em esquemas de corrupção era altamente lucrativo para a empresa. Segundo as investigações do país europeu, para cada 1 milhão de euros pago em propinas a políticos, funcionários públicos brasileiros e de estatais, a empresa lucrava 4 milhões de euroscom contratos que lhe eram dados por aqueles que recebiam os pagamentos.
A mesma investigação aponta que as contas secretas mantidas pela Odebrecht na Suíça financiaram de forma "regular" campanhas políticas, partidos ou políticos no Brasil, inclusive ministros. As revelações fazem parte dos documentos do Ministério Público (MP) suíço que foram usados como base para multar a empresa brasileira. De acordo com as investigações, pelo menos 66,5 milhões de francos suíços (cerca de R$ 210 milhões) foram pagos em propinas a ex-diretores de estatais e outros funcionários públicos no Brasil em propinas a partir das contas no país alpino.
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Na semana passada, a Suíça anunciou multa de US$ 200 milhões contra a Odebrecht, como parte do amplo esquema de acordos de leniência fechados pela construtora no Brasil e ainda nos EUA. Nesta terça-feira, o Ministério Público publicou os documentos datados do dia 21 de dezembro e que foram usados para justificar a multa e o confisco de recursos, explicando em detalhes como a Odebrecht fazia para pagar propinas.
Segundo o MP suíço, as investigações mostram que pagar propinas garantia lucros para a empresa. Como resultado do sistema criado, os investigadores suíços estimam que a Odebrecht "lucrou pelo menos 4 milhões de euros com uma taxa de propina de 1 milhão de euros".
Por esse cálculo, os suíços estimam que aproximadamente US$ 100 milhões seriam alvos de uma compensação que a empresa teria de pagar. Mas ressalvam que, como o processo continua, crimes de lavagem de dinheiro podem elevar ainda mais os valores confiscados pelo Ministério Público. O que determinará esse eventual novo confisco estaria ligado à proporção estabelecida de quatro por um entre os lucros obtidos pela empresa e o pagamento de propinas.
Se a Odebrecht ficou com os lucros, quem perdeu foi o Estado brasileiro e a população. "Os interesses fiscais públicos do Estado brasileiro foram afetados: a comunidade pagou um preço inflacionado pela realização dos projetos dados para a Odebrecht e também financiou a propina", afirmou o MP suíço.
Os nomes dos beneficiários, porém, foram mantidos em sigilo, já que as investigações continuam. Mas o Ministério Público confirma que foram feitos "pagamentos em contas suíças para o financiamento de campanhas políticas no Brasil e em outros lugares". Por meio de um departamento da empreiteira dedicado ao pagamento de propinas, as transferências para "funcionários públicos e políticos foram de centenas de milhões".
Sem citar nomes, os documentos suíços também revelam como os investigadores chegaram à constatação de que os pagamentos estavam relacionados com marqueteiros de partidos. Transferências, segundo eles, foram feitas para pessoas que "fizeram seus nomes com a organização de campanhas políticas". Na Suíça, contas de João Santana – marqueteiro das campanhas presidenciais de Lula (2006) e Dilma (2010 e 2014) – estão bloqueadas.
Para os suíços, a direção da Odebrecht tinha "conhecimento do estabelecimento e alocação de fundos de caixa 2, a camuflagem dos fluxos de dinheiro por meio de transações transnacionais desses recursos dentro desse caixa 2, assim como seu objetivo". Para o procurador-geral suíço, "isso consiste em direcionar propinas e outros pagamentos ilegais para funcionários públicos no Brasil, Panamá e provavelmente em outros países".
Com os bancos suíços, a Odebrecht criou um sistema de caixa 2 para obter contratos. No total, a Suíça investigou mais de 300 transações bancárias, com o envolvimento de intermediários, funcionários públicos e outros suspeitos. A constatação foi de que um total de aproximadamente 440 milhões de francos suíços (cerca de R$ 1,4 bilhão) das subsidiárias da Odebrecht passaram pelos bancos suíços entre 21 de dezembro de 2005 e junho de 2014. No total, o sistema criado pela Odebrecht em todo o mundo movimento de forma ilegal US$ 635 milhões.
"Pagamentos de propinas eram direcionados em grande parte para tomadores de decisões nos governos, envolvendo contratos de licitação e contribuições para partidos políticos e políticos", explicou o MP. Com base nessas informações, o MP concluiu que os pagamentos envolveram envio de recursos a funcionários públicos estrangeiros usando contas na Suíça, além de políticos, doleiros e campanhas políticas no Brasil e em outros países.
Ao Brasil, tabelas confiscadas pelos procuradores apontam que um total de pelo menos 66,5 milhões de francos suíços (US$ 210 milhões) foram pagos. Entre os beneficiários de recursos da Odebrecht estão ex-diretores da Petrobrás que, entre março de 2008 e abril de 2014, obtiveram 43,7 milhões de francos suíços (R$ 138 milhões) em contas secretas. Um outro pagamento de 8,7 milhões de francos suíços (R$ 27,5 milhões) foi registrado em nome de outra pessoa não identificada, além de 14,2 milhões de francos suíços (R$ 44,8 milhões) entre 2009 e 2012 a funcionários públicos que teriam um papel na aprovação de projetos.
Os suíços também revelam que fica "claro a partir das planilhas confiscadas" e pelas delações que existiam acordos com políticos e tomadores de decisões dentro de instituições do governo" para o pagamento de propinas. Além disso, houve um "acordo regular para alocar certa parte desses recursos para certos políticos ou partidos políticos". "Esses pagamentos eram feitos a partir do Caixa 2".
Um dos pontos centrais na investigação no país europeu foi a prisão de Fernando Miggliaccio, em 17 de fevereiro de 2016, em Genebra. Ele é descrito pelos documentos suíços como um "responsável pelo departamento de "Operações Estruturadas", o setor na empresa responsável pelo pagamento de propinas. "Muitos celulares, computadores e dados que estavam com esse funcionário" foram confiscados.
De acordo com os suíços, a empresa "sistematicamente impunha propinas em um sistema de caixa 2 para influenciar na obtenção de contratos de infraestrutura". Em agosto, ele decidiu cooperar. Segundo o MP, o sistema usado para retirar das contas oficiais o dinheiro usado para o pagamento de propinas era altamente estruturado. Os recursos precisavam ser "aprovados" pelos principais responsáveis da empresa.
Na programação ainda estavam os detalhes das obras, o superintendente responsável, o valor do contrato e a propina paga. "Muitos dos planos e/ou instruções ("programações") eram feitas por semana (PROGRAMAÇÃO SEMANAL) ou por trimestre (PROGRAMAÇÃO TRIMESTRAL)", indicaram os documentos confiscados. "Eles provam que esses fundos do caixa 2 eram em grande parte intencionados a obter contratos", apontou.
Central também na investigação suíça foi a descoberta de servidores mantidos pela Odebrecht na Suíça, com "uma enorme quantidade de dados" dos pagamentos de propinas. Em novembro, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que o país europeu havia confiscado o servidor. Agora, o processo revela que, nele, dados equivalentes a 2 milhões de páginas de documentos puderam ser retirados, "incluindo emails, ordens de pagamentos, conferências e contratos que serviriam para justificar pagamentos".
"Além disso, milhares de listas foram confiscadas e a partir dos pagamentos relatados por meio do sistema ilegal foram listados, com datas de pagamento, o valor e o nome dos recipientes", indicou o MP suíço. Miggliaccio teria tentado apagar os dados do servidor em fevereiro e, de fato, sua operação teria ocorrido com sucesso. Mas acabou sendo preso.
Em um comunicado de imprensa emitido na semana passada, a Justiça suíça indica que, apesar da multa aplicada, vai continuar a investigar o caso da Odebrecht. A reportagem apurou que o centro do inquérito, agora, é o destino dos recursos. "A Odebrecht não se manifesta sobre o tema, mas reafirma seu compromisso de colaborar com a Justiça. A empresa está implantando as melhores práticas de compliance, baseadas na ética, transparência e integridade."