Com influência de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um bloco de 13 partidos que apoiou o impeachment se impôs perante Michel Temer. Para consolidar maioria na Câmara e facilitar a aprovação de projetos, o presidente interino cedeu e referendou para a liderança do governo André Moura (PSC-SE), nome do baixo clero indicado pelo centrão, coalizão que congrega quase metade dos 513 deputados.
A governabilidade de Temer depende da boa relação com o bloco. Com apoio de PMDB, que pode ingressar nessa aliança, PSDB e DEM, o interino assegura uma base superior a 360 parlamentares, suficiente para aprovar reformas e outras medidas impopulares. Contudo, sabe que haverá defecções.
– A história do centrão não garante fidelidade. Se vier a CPMF, por exemplo, votarei contra – adverte Esperidião Amin (PP-SC).
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O centrão reúne grandes bancadas, como PP, PR e PSD, e um apanhado de nanicos. A relação é mais próxima com empresários do que com sindicatos. O perfil é conservador, favorável a pautas como redução da maioridade penal e derrubada do estatuto do desarmamento. Um dos temas com potencial para rachar o bloco é a legalização dos jogos de azar.
O grupo representa a aliança que elegeu Cunha presidente da Câmara. Neófito no centrão, alinhado com Dilma Rousseff até a véspera da votação do impeachment, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) tenta tirar a paternidade do deputado afastado da articulação:
– É preciso encerrar essa história de interferência de Eduardo Cunha na Casa. Isso é superado.
Muitos parlamentares divergem de Ribeiro.
O temor de ver o poder da coalizão se esvair com o afastamento de Cunha levou a costuras para formatar oficialmente o bloco. Unidos, exigem contrapartidas de Temer. O presidente interino flertou com Rodrigo Maia (DEM-RJ), buscou um terceiro nome, mas o centrão impôs Moura. Líder do PSC, o parlamentar foi apoiado pelos colegas por ser considerado hábil negociador e para preservar Jovair Arantes (PTB-GO) e Rogério Rosso (PSD-DF), que almejam presidir a Câmara. A escolha foi criticada por dilmistas.
– Como pode o cara ganhar a liderança do governo por uma chantagem do Eduardo Cunha? – provocou Silvio Costa (PT do B-PE).
A opção por Moura provocou polêmica. O novo líder é réu em três ações penais, investigado em mais três inquéritos, um deles na Lava-Jato e outro por suposta participação em tentativa de homicídio. Entre um líder com ficha zerada e um com apoio de mais de 200 deputados, Temer matou no peito críticas de DEM e PSDB e optou pela maioria. Conta com Moura para aprovar, já na próxima semana, a nova meta fiscal.
– Tenho consciência da minha missão de ser o líder do governo que vai reunificar o país – disse Moura.
Mesmo longe do mandato, Cunha mantém poder
O afastamento decretado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não foi suficiente para esfacelar o poder de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Mesmo sem a caneta de presidente da Câmara desde 5 de maio, mantém influência entre deputados do centrão e oposição, ao ponto de emplacar afilhados em postos da gestão interina de Michel Temer.
Além do líder do governo, André Moura (PSC-SE), Cunha auxiliou seu aliado Arthur Lira (PP-AL) a vencer a batalha pela presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e aprovou a indicação de Gustavo do Vale Rocha para subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil. Rocha foi advogado do deputado em ações no STF.
Recluso na residência oficial da presidência da Câmara, Cunha mantém articulações e conversas. Tenta garantir ar de normalidade à rotina, costuma acordar ao alvorecer, ler os jornais e mandar as primeiras mensagens aos aliados. Segue com figurino formal de trabalho, abrindo mão, por vezes, do uso da gravata. O quórum dos cafés e jantares ofertados caiu, mas, ainda há fluxo de parlamentares de diferentes partidos.
– Fui duas vezes, e ele nunca estava sozinho – revela um apoiador.
Moura segue assíduo na residência oficial, uma mansão em área nobre de Brasília. Jovair Arantes (PTB-GO) e Rogério Rosso (PSD-DF), interessados na sucessão da presidência da Câmara, também visitam o peemedebista com frequência. O trio é responsável por levar os recados do parlamentar afastado à Câmara.
Distribuidor eficiente de recursos para campanhas, conhecedor de segredos de parlamentares, Cunha sustenta influência por afiançar acordos com aliados fiéis. Quem ameaça abandoná-lo vive com receio da retaliação. É para mostrar força que ele deve depor na quinta-feira no Conselho de Ética, onde há meses protela seu processo por quebra de decoro.
– Ele vai tentar intimidar e mostrar força. Afastado, indicou o líder do governo, fez a presidência da CMO e emplacou o advogado na Casa Civil. É mole? – alfineta José Carlos Araújo (PR-BA).
Cunha mantém a articulação para garantir uma punição branda, como suspensão do mandato ou advertência. O caso só deve chegar ao plenário no próximo mês. Ele ganhou auxilio recente do PP, que promoveu duas trocas no conselho, com espaço para Nelson Meurer (PR) e André Fufuca (BA), favoráveis ao deputado fluminense. Nesta quarta-feira, Erivelton Santana (PEN-BA) renunciou e abriu vaga no colegiado para um indicado do PSC, partido do novo líder do governo Temer.
Quem são os principais líderes do bloco
André Moura (PSC-SE) – Líder do governo Temer, é presença constante na residência de Cunha, que avalizou sua indicação. É réu em três ações penais no Supremo, investigado em outros três inquéritos, entre eles por suposta participação em tentativa de homicídio, e condenado por improbidade administrativa.
Jovair Arantes (PTB-GO) – Líder do PTB, teve ajuda de Cunha para ser relator do impeachment. Quer ser presidente da Casa. No governo Dilma, teve afilhados no comando na Conab, área que segue sob sua influência com Temer.
Rogério Rosso (PSD-DF) – Líder do PSD, teve a escolha para presidir a comissão do impeachment na Câmara afiançada por Cunha e quer disputar a presidência da Casa.
Paulinho da Força (SD-SP) – Nome da Força Sindical, foi um dos articuladores do impeachment. Da tropa de choque de Cunha, atua na proteção do parlamentar no Conselho de Ética. Pressiona Temer para que a área de agricultura familiar retome status ministerial, sendo comandada pelo SD.
Beto Mansur (PRB-SP) – Atual primeiro-secretário da Câmara, articulou a reação à decisão de Waldir Maranhão (PP-MA) de anular a sessão do impeachment. Nome mais forte da Mesa Diretora, dita o ritmo da Câmara.
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) – Ministro das Cidades no primeiro mandato de Dilma, votou a favor do impeachment por pressão da bancada. Não é orgânico do grupo de Cunha. É investigado na Lava-Jato.
Os projetos de Temer
1 – O governo interino pretende enviar ao Congresso, até o próximo mês, proposta de reforma da Previdência (leia na página 10). A idade mínima para aposentadoria está em discussão. Temer precisará do centrão, que tende a ter defecções de partidos como PTB e SD.
2 – Em um cenário de déficit na casa dos R$ 150 bilhões para 2016, o governo corre para aprovar a mudança da meta fiscal, a fim de evitar a paralisia de serviços públicos. Se tiver apoio do centrão, aprovará a mudança com tranquilidade na Câmara.
3 – Fonte de receita para aliviar o rombo das contas e discutida desde o governo Dilma, a legalização de jogos é um dos temas capazes de impor o maior racha no centrão, que conta com partidos e parlamentares da bancada da bíblia, contrária ao tema.
4 – Congelada desde o final do ano passado, a aprovação da PEC da Desvinculação das Receitas da União dará maior liberdade ao governo para lidar com o orçamento. A tendência é de que o centrão dê apoio à aprovação.
5 – O governo Temer tem em vista uma reforma trabalhista, que passa por mudanças nas regras da terceirização e das negociações entre sindicatos e empregadores. Tema polêmico, com resistências dentro do próprio centrão.
6 – A retomada da CPMF é a pauta de maior dificuldade para o governo provisório. Contrários ao tema, deputados do centrão indicam que não pretendem mudar da posição. Alta de outros impostos pode entrar na pauta.