Dilma Rousseff, 68 anos, chega ao dia em que pode ser afastada do mandato pelo Senado convicta de que é vítima de um "golpe". Primeira mulher a presidir o Brasil, tem feito discursos em clima de despedida, mas deposita o fiapo de esperança da reversão do impeachment no Supremo Tribunal Federal (STF). Já avisou que não renuncia. Como adiantou o ministro e amigo José Eduardo Cardozo, da Advocacia Geral da União, vai judicializar o caso "até o fim".
Dilma e o PT culpam a oposição e o vice Michel Temer pela queda em vista, mas este é um ocaso que contou com a participação do governo e do partido. Aliados e desafetos concordam que a presidente naufragou em uma "tempestade perfeita", que mesclou descontrole do gasto público, crise internacional, inflação e desemprego, escândalos de corrupção trazidos pela Operação Lava-Jato e uma falta de habilidade política singular, capaz de ruir a base costurada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
– O governo cometeu muitos erros no primeiro mandato que desestabilizaram a economia – avalia o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), ex-ministro das Cidades de Dilma.
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Se, às vésperas do afastamento, ela amarga recessão econômica, derrocada política e um pedido de investigação por obstruir a Justiça, vivia situação oposta há cinco anos e meio. Ministra da Casa Civil de Lula, a economista mineira que erigiu a carreira no RS foi eleita com 55,7 milhões de votos.
Demonstrava força. Guerrilheira na juventude, presa e torturada, venceu um câncer em 2009 e chegou às urnas com título de mãe do PAC e fama de gerente eficiente e implacável. Ao tomar posse, em 2011, prometeu combater a inflação:
– Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que essa praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres.
Sua popularidade cresceu com a faxina ministerial de 2011. Para se reeleger, elevou o gasto público e maquiou as contas. Em 2014, reelegeu-se ao vencer o PSDB por curta margem. Acusada de "estelionato eleitoral", implementou programa de ajustes similar ao dos tucanos. Menos de um ano e meio depois da nova posse, seu governo está prestes a ruir.
Mesmo reclamando de Lula, teve de abrir mão e ceder espaço ao padrinho
Em cinco anos de poder, Dilma manteve relação conturbada com Lula e o PT. O padrinho reclamava do estilo turrão e teimoso da afilhada. Ela abriu o segundo mandato sem lulistas no Planalto. Teve de ceder e abrir espaço ao padrinho. Um dos embates com Lula ocorreu na eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara. O petista defendia apoiá-lo, mas foi ignorado. O Planalto lançou Arlindo Chinaglia (PT-SP). Outro acordo quase foi fechado para salvar Cunha do Conselho de Ética. Dilma não topou, e o peemedebista aceitou o pedido de impeachment.
– Ela sai por suas qualidades. Não se aliou à organização criminosa do Cunha – avalia o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
Sem paciência para política, Dilma era criticada por não receber parlamentares. Só foi procurar deputados pessoalmente na semana derradeira da votação na Câmara. Sem sucesso. Não havia clima político. A Lava-Jato e a delação do ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS) derreteram Dilma, que teve o erro final, na avaliação de petistas, ao indicar Lula para Casa Civil. As escutas divulgadas com autorização judicial demonstraram o desespero de um governo que vê no discurso do golpe uma forma de driblar as suspeitas de corrupção. Dilma seguirá com falas de conspirações e traições. Já pensa nos livros de História. Quer ficar registrada como uma guerreira.
A trajetória de Dilma em frases
"Já faz parte de nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador. Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que esta praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres." – em 2011, na posse do primeiro mandato
"Enfim, nós derrotamos, sem dúvida, essa previsão pessimista e realizamos, com a imensa e maravilhosa contribuição do povo brasileiro, essa Copa das Copas." – em 2014, após a Copa do Mundo
"Essa presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo." – em 2014, após vitória nas eleições
"Sei que conto com o apoio do meu querido vice-presidente Michel Temer, parceiro de todas as horas." – em 2015, na posse do segundo mandato
"Não vamos colocar meta. Vamos deixar a meta aberta, mas quando atingirmos a meta, vamos dobrar a meta." – em 2015, sobre o Pronatec
"É estarrecedor que um vice-presidente, no exercício do seu mandato, conspire contra a presidente abertamente." – em 2015, após a aprovação do impeachment na Câmara
"Eu não vou para debaixo do tapete, eu vou ficar aqui brigando." – em maio de 2016, sobre o processo de impeachment