A derrota do governo no plenário da Câmara neste domingo e o encaminhamento do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff para o Senado mantém a disputa política no centro do debate em Brasília e adia, mais uma vez, a discussão de possíveis medidas de combate à maior recessão no país em 25 anos. Andando para trás desde a metade de 2014, a economia deve continuar letárgica por mais alguns meses, avaliam analistas. Agitados mesmo só a bolsa de valores e o câmbio, animados por um “efeito Macri”.
A perspectiva de mudança no comando do Palácio do Planalto pode criar nas próximas semanas fenômeno semelhante ao ocorrido no país vizinho após a posse do presidente argentino Maurício Macri, em dezembro. Apesar de não garantir nenhuma melhora real nos indicadores, a expectativa da entrada de um novo governo pode dar ânimo extra a empresários e consumidores.
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Desde a campanha de 2014, a bolsa tem disparado e o real desvalorizado toda vez que o governo sofre algum revés, atestando a clara antipatia do mercado financeiro pela administração petista.
– A onda de otimismo com a aproximação do impeachment não é baseada na crença de que um novo governo vá resolver o problema. Reflete um benefício da dúvida ao novo presidente, que deve durar não mais que quatro ou cinco meses. Depois disso, será preciso mostrar serviço, e a agenda fiscal segue sendo prioridade. Sem uma agenda de reformas, o pessimismo vai voltar – avalia o especialista em finanças públicas Mansueto de Almeida, funcionário de carreira do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em Brasília.
Mesmo que o governo esteja disposto a realizar ajuste de rota na política econômica, mudanças sensíveis devem ser lentas e qualquer discurso eufórico, relativizado. A economia, compara o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, se parece mais com um transatlântico do que com um automóvel: não permite movimentos bruscos. Crescimento, pontua, Maílson, depende de fatores como investimento, produtividade e confiança.
– Difíceis de retomar no curto prazo – resume.
Enquanto o Senado não decide o futuro da presidente Dilma, o câmbio deve permanecer oscilando forte, ressalta o professor de economia na UnB, Roberto Elerry. Em março, a moeda americana recuou 10% no país com investidores de olho no cenário político. Foi a maior queda mensal em 13 anos.
– Me parece que fatores internos estão dominando os fatores externos na dinâmica do câmbio. Se isso for verdade, uma derrota do impeachment levará a uma disparada do dólar pressionando a inflação e forçando o Banco Central a elevar os juros, sob pena de uma inflação ainda maior que os já absurdos 7,1% previstos para este ano – diz.
Futuro de Dilma depende da performance de Temer, diz ex-ministro
Se o Senado confirmar a decisão da Câmara, Dilma terá seis meses para se defender, mas já estará longe do Palácio do Planalto, que passará a ser comandado pelo vice Michel Temer. Para o filósofo e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, o futuro de Dilma dependerá da performance de Temer na Presidência da República, principalmente na economia.
– Se o eventual governo Temer sinalizar com algo positivo, o Senado certamente seguirá a Câmara. Do contrário, o resultado poderá ser outro. O grande erro desse momento da história brasileira é que cada lado vinha agindo como se tudo fosse resolvido com a votação na Câmara. E não é nada disso. Os problemas estão apenas começando – diz.
O “efeito Macri” nas semanas de indefinição que vêm pela frente deve ser “limitado”, acredita Carlos Muller, economistachefe da Geral Investimentos. Por ter integrado a base aliada durante todo primeiro mandato de Dilma e permanecido até o processo do impeachment estar bastante adiantado, Michel Temer estaria de certa forma “contaminado” pela falta de credibilidade do governo:
– É diferente da Argentina, onde assumiu um novo governo, de viés ideológico diferente. Temer vai precisar apresentar não só disposição, mas propostas de ajuste nas contas e demonstrar, já nos próximos dias, condições de reunir uma base no Congresso para aprovar tais medidas.