Em uma noite de maio último, o vereador de Porto Alegre Idenir Cecchim (MDB) recebeu ligação da primeira-dama Valéria Leopoldino. Ela lamuriou que o prefeito Sebastião Melo, 66 anos, não conseguia dormir naqueles dias de auge da enchente. Valéria pediu socorro a Cecchim, de quem Melo é correligionário e amigo há mais de 40 anos.
— Era 1h da manhã. Eu disse: "Liga pro teu médico e pede um Rivotril da vida". Ele conseguiu dormir até as 6h. Imagina a pressão. Ele teve a casa destruída no Guarujá. Todos nós sofremos, mas o Melo não se permitia. Ele tinha de decidir. Não podia terceirizar — conta Cecchim.
As resistências física e emocional, definidas por aliados como "capacidade de trabalho", são características do goiano de Piracanjuba que chegou a Porto Alegre em 16 de fevereiro de 1978, antes de completar 20 anos, em um ônibus da Penha, e, neste domingo (27), conquistou pela segunda vez o comando da prefeitura da Capital, com 61,42% dos votos válidos, diante de 38,58% da opositora Maria do Rosário (PT).
Filho dos pequenos agricultores Lázaro e Maria José, teve juventude simples na roça. Aos 18 anos, decidido a dar outro rumo à vida, mudou-se para João Pinheiro (MG), onde conseguiu emprego em uma ferragem, mas as pretensões não couberam no interior mineiro. Nos tempos de Piracanjuba, Melo conheceu um casal de gaúchos que exaltava as belezas do Rio Grande do Sul. Com uma mala de papelão e diminutas economias, tomou o ônibus até Porto Alegre para tentar a sorte.
Melo não conhecia ninguém na cidade, mas encontrou pouso na Rua Fernando Machado, em um casarão que funcionava como república. Arranjou emprego de balconista em uma lancheria do Viaduto Otávio Rocha. Para reforçar o orçamento, carregou caixas na Ceasa.
Valéria diz que o marido teve vida "sofrida". Calejamento que moldou a personalidade.
— O Melo é testado. A gente comentava: "Daqui a pouco ele vai infartar". Poucos aguentariam. Eram quase 24 horas por dia na enchente. Falei com ele várias madrugadas. O tempo todo tomando decisões. Ele forjou esse couro duro durante a vida — afirma André Coronel, ex-chefe de gabinete e coordenador-geral da campanha à reeleição.
O engenheiro civil Marcus Vinicius Caberlon, colaborador de confiança que exerceu diferentes funções no governo, recorda que, no período da enchente, Melo estava hospedado no Hotel Embaixador, no Centro, depois de ter a casa inundada na Zona Sul. Um dia, no café da manhã, ouviu xingamentos de hóspedes.
O goiano que acalentou o sonho de ser prefeito da cidade que o acolheu era, naquele momento, escorraçado por governados que o consideravam negligente. Nos bairros, ouvia ofensas.
— Só uma pessoa com a força de vontade do Melo para suportar a pressão. Foi desumano. Uma sucessão de problemas, ataques pessoais e a busca pela responsabilização. Isso gerou indignação nele. Não se abateu. Ele dizia: "Não vão me colar o rótulo de responsável" — recorda Caberlon.
Para Cecchim, Melo aguçou a disposição para ouvir as pessoas. Gesto que, avalia, demonstrou respeito à dor e ajudou na gradativa reconciliação.
Da fruteira à tribuna
Ainda em 1978, pouco depois de chegar a Porto Alegre, Melo conheceu o então deputado estadual Pedro Simon e começou a militar no antigo MDB. A filiação ao partido, à época denominado PMDB, dentro do pluripartidarismo, é de 1981.
No ano seguinte, Melo abriu uma série de quatro disputas para vereador. Perdeu todas: 1982, 1988, 1992 e 1996. Mesmo sem mandato, teve votações crescentes e se destacava pela articulação.
Em 1986, foi o coordenador da campanha vitoriosa de Simon a governador nas periferias de Porto Alegre. Com menos de uma década na Capital, já tinha capilaridade nas vilas.
— Ele não faz personagem ao botar chapéu de palha. Ele é isso. O sapato meio embarrado. No meio de grandes empresários ou na vila, é o mesmo — testemunha Caberlon.
Melo concluiu o Ensino Médio em Porto Alegre. Passada a fase de balconista e carregador na Ceasa, migrou às vendas na Casa do Construtor, na Avenida Protásio Alves. Com a primeira companheira, Maria Angélica Andrade, abriu uma fruteira que faliu e a empresa de representação comercial Melo & Andrade.
Fruto do primeiro relacionamento, nasceu o filho Pablo Sebastian, em 1981. Estudou Direito na Unisinos, atuou no movimento estudantil e se graduou em 1988. Abriu um escritório de advocacia na Rua José do Patrocínio, ao lado do Bar Opinião.
Depois de separado, conheceu Valéria Leopoldino em 1992. Ela veio de São Paulo em 1985 para se juntar à mãe e às irmãs. Valéria tinha trabalhado na Assembleia Legislativa de São Paulo e foi convidada, após uma reunião política, a ajudar Melo em agendas. Cresceu uma amizade que virou relacionamento conjugal.
Valéria recorda a eleição de 1992: o MDB estava coligado com o PCdoB. Os comunistas tinham uma jovem promissora na nominata para a Câmara de Vereadores: Maria do Rosário, que migraria ao PT pouco depois, uma das antagonistas de Melo nesta eleição de 2024. Maria do Rosário foi eleita e a mais votada da chapa MDB/PCdoB, com 7.555 votos, enquanto Melo ficou na terceira suplência, com 2.773 votos.
Daquele início dos anos 1990, Valéria recorda do Melo "paquerador". Esse traço faz ela manter-se sentinela:
— Se vejo alguma coisa, eu falo: "Opa, o cargo é público, mas a vida é privada". Já pisei em dedinho (de mulheres) com salto scarpin. Sabemos quando tem uma perua doida atacando. Tem que pôr limite.
"Toca, toca, toca"
A eleição à vereança finalmente veio em 2000, mesmo ano em que nasceu o segundo filho, João Arthur. Melo repetiu a dose em 2004 e 2008, alcançando a presidência da Câmara.
Em 2012, chegou ao Executivo como vice-prefeito na chapa liderada por José Fortunati, então no PDT. Concorreu à prefeitura em 2016, com uma candidatura de centro que chegou a pender à esquerda, mas sofreu derrota para Nelson Marchezan Júnior (PSDB) no segundo turno. Recuperou-se em 2018, conquistando uma cadeira de deputado estadual.
Para 2020, repaginou o discurso e costurou aliança com a direita bolsonarista, que tinha força, mas carecia de candidato. Ganhou eleitorado nos bairros nobres e realizou o sonho de ser prefeito. Diariamente, por volta das 6h, começa a disparar áudios aos colaboradores.
Pede informações, distribui tarefas e exige celeridade: "Toca, toca, toca", diz. Por vezes é rude, mas pede desculpa quando extrapola. Nas horas livres, dedica-se à cozinha – bacalhau às natas é uma das especialidades.
No início da campanha, Melo fazia gravações no Centro Histórico quando ouviu apupos de um jovem. "Melo, chinelão", gritava o rapaz.
O próprio Melo recorda a resposta ao querelante:
— Se ser chinelão é andar com o povo, chinelão sou. Com muito gosto.