O mapa da abstenção nas eleições municipais de 2024 no Rio Grande do Sul mostra que ela concentrou índices mais elevados, acima de 22%, em municípios da Fronteira Oeste, Campanha, Sul, Região Metropolitana e Litoral Norte. O município em que maior fatia do eleitorado deixou de votar foi Uruguaiana, com índice de 33,79%. Em Porto Alegre, a taxa foi de 31,51% (veja ao fim da reportagem um mapa com os dados por município).
Para especialistas ouvidos pela reportagem, as respostas para os motivos do desinteresse não são das mais otimistas. E as soluções, em alguns casos, ainda não estão identificadas.
Para Fernando Meireles, professor de Ciência Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), um dos principais problemas é que o voto obrigatório no Brasil não é efetivo. Ele destaca que a justificativa da ausência pode ser feita pelo celular. Se isso não for observado, paga-se uma multa baixa. E, por fim, se a pena pecuniária for descumprida, perde-se o direito de emitir passaporte ou prestar concurso público. Para as massas do Brasil, carentes de serviços essenciais, essas sanções não representam ameaça real, afirma o professor.
— Há grandes janelas para o comparecimento ser baixo na eleição. No fundo, não temos um voto 100% compulsório. Pelo Tribunal Superior Eleitoral, seria possível mudar a implementação do voto obrigatório. Não se trata de incluir sanções pesadas, mas prever outras punições, criar incentivos para o comparecimento e modificar a forma de justificativa — defende Meireles.
O professor entende que a adoção do voto facultativo é um debate a ser feito, mas com cautela. Um dos efeitos deletérios disso, embora ainda careça da ampliação de estudos científicos, poderia ser o aumento da abstenção nos estratos mais pobres da população. Consequência que desequilibraria ainda mais a sociedade.
O voto facultativo também mudaria a forma de fazer campanha no Brasil. Não seria mais necessário convencer a pessoa a votar em um número de urna, mas fazer com que ela tope sair de casa ou trocar o lazer pela seção eleitoral.
Meireles ainda destaca fatores atitudinais, principalmente o desinteresse por política, que tem afetado cada vez mais os jovens, e a falta de confiança nas instituições. A intensa divisão da sociedade em tribos também ajuda a minar o modelo representativo.
— Há uma expectativa de representação política que foge do escopo de uma sociedade de massas e altamente segmentada como a nossa. O eleitorado está altamente individualizado. Estamos numa fase de esgotamento da percepção da democracia representativa e não se sabe ainda qual modelo vai emergir. Isso não deixa de ser assustador — diz Silvana Krause, professora do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A incompreensão sobre o modelo democrático e o funcionamento dos poderes também prejudica.
— Os sistemas Legislativo, Executivo, eleitoral e partidário são temas áridos e técnicos. O desinteresse de entender o sistema é massivo — destaca Silvana.
Ela avalia que educação e formação política — conceitos diferentes de doutrinação — poderiam produzir efeitos positivos, mas pondera que existe “uma onda de negação do conhecimento”.
No caso do Rio Grande do Sul, Ricardo de Sampaio Dagnino, geógrafo, demógrafo e professor do Departamento Interdisciplinar do Campus Litoral Norte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), avalia que a abstenção em regiões de enchente pode ter sido potencializada pelo fator destrutivo do fenômeno.
— A última prioridade de algumas pessoas era a eleição. Pessoas perderam documentos. Muita gente ainda acha que precisa do título de eleitor para votar — acrescenta Dagnino.