Os manifestantes que acampam no centro de Porto Alegre, junto ao Comando Militar do Sul, reivindicando a anulação do pleito presidencial vencido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), repetem um mesmo roteiro há duas semanas. Entoam canções, ao ritmo ditado por um caminhão de som instalado nos fundos do quartel-general. O veículo parece uma vitrola estragada: os acordes terminam de soar e logo são repetidos, à exaustão.
A preferência dos manifestantes é pelos hinos: do Brasil, da Independência e, claro, do Exército. Alguns batem continência, outros apenas repetem os mantras. Só que aquilo que é música para os bolsonaristas, que pedem intervenção das Forças Armadas contra o resultado da eleição, é sinônimo de barulho para frequentadores e moradores da área central da cidade. Alguns chegaram a se mudar temporariamente para a casa de parentes, para fugir do som marcial que emana dos alto-falantes.
É o caso de Everson Pereira, professor de Português e Literatura de um cursinho pré-vestibular, que mora e dá aulas particulares na Rua Bento Martins, justamente onde começa a concentração dos manifestantes bolsonaristas e a 50 metros do caminhão de som. Ele diz que teve de se mudar temporariamente para a residência de familiares na praia do Cassino, em Rio Grande.
— O barulho está horroroso. A gente passa o dia inteiro ouvindo hinos, hinos...dia 2 eu tinha seis alunos para atender, eles não conseguiram acessar minha casa, pela multidão que interrompia a rua. Optei por dar aulas on line, mas os alunos não ouviam minha voz. Tamanho era o barulho das vuvuzelas. Minhas duas gatas se enfiaram dentro do guarda-roupas e ali passam, o dia inteiro — desabafa Pereira, que é também funcionário público.
Outra frequentadora do Centro, Gabriela (prefere não dar o sobrenome) trabalha numa empresa que fica na Rua Sete de Setembro, a meia quadra das manifestações. Ela considera que "está um inferno de trabalhar" desde que Lula venceu as eleições.
— Fechamos as janelas, mas mesmo assim recebemos barulho o dia inteiro. O fluxo de pessoas incomum gera atrasos na locomoção, pra quem trabalha e para os ônibus. Além disso, eu costumava vir de bicicleta para trabalhar, não consigo mais, porque os caminhos estão trancados ou sujos, em decorrência da ação dos manifestantes — descreve ela.
O Ministério Público Federal (MPF) solicitou na última sexta-feira (11) providências da prefeitura e da Brigada Militar para desbloquear as ruas próximas à sede do Comando Militar do Sul (CMS). Os manifestantes chegaram a receber intimação de PMs, mas não se afastaram. A Avenida Padre Tomé, entre o Comando Militar do Sul e o Tribunal de Contas do Estado (TCE), está com fluxo de veículo interrompido pelos apoiadores de Jair Bolsonaro. Frequentadores dos dois prédios estatais reclamam, à boca pequena. O acampamento continua, entre as ruas Bento Martins e a Praça Brigadeiro Sampaio. Nessa estão instalados banheiros químicos, usados pelos frequentadores dos atos públicos.
Incômodo para uns, comércio para outros
A confluência de militantes bolsonaristas, com suas cadeiras e barracas, faz a alegria de vendedores ambulantes. O destaque em vendas é para água mineral e refrigerantes, mas bancas com camisetas da Seleção Brasileira também têm sucesso garantido.
— Vendo umas 30 por dia. As originais, por R$ 150. As cópias, por R$ 60 — descreve Sônia, uma ambulante.
A reportagem conversou com manifestantes. Alguns estão desanimados, achando que depois de 15 dias é melhor retornar para casa. Outros permanecem convictos de que os atos resultarão em alguma providência contra a posse de Lula.
Dois veículos da autointitulada Associação Força Tarefa Serra Gaúcha dão suporte aos manifestantes acampados na Padre Tomé. Em breve conversa com repórteres, o presidente da entidade, Jorge Luís Trindade Moreira, diz que presta apoio aos atos públicos, a pedido de empresários de Gramado.
— Tem pessoas com noção de enfermagem, tem um bombeiro. Ajudamos, independentemente da ideologia. É para qualquer emergência que ocorra — informa.
Impasse para liberar ruas
A prefeitura de Porto Alegre encaminhou resposta ao MPF considerando que não é sua competência remover os manifestantes. A secretaria municipal da Mobilidade Urbana informa que, por meio da EPTC, monitora permanentemente a região central, a fim de garantir a mobilidade e a segurança viária, no âmbito das atribuições das equipes de fiscalização de trânsito.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou, por nota, que tem dialogado diariamente com a prefeitura municipal de Porto Alegre e com o Comando Militar do Sul (CMS) para encontrar uma solução ao bloqueio existente na Avenida Padre Tomé. "A Brigada Militar pediu aos manifestantes que impeçam ações que inviabilizem o direito de ir e vir dos cidadãos que circulam pelo centro da Capital. Tão logo as forças de segurança do Estado sejam demandadas pelo Poder Público Municipal para o desbloqueio definitivo, todos os esforços serão feitos neste sentido".
Já o CMS respondeu apenas que "o Exército Brasileiro não tem atribuição nessa área".