No campo da segurança pública, os maiores desafios do novo governador do Rio Grande do Sul e presidente da República, que serão ungidos pelas urnas em 30 de outubro, não se diferenciam muito, conforme especialistas consultados pela reportagem de GZH. Os problemas, tanto na esfera estadual quanto nacional, são encabeçados pelos feminicídios e passam pela onipresente presença do tráfico, a forma mais atuante de crime organizado e que embute sangrentos acertos de conta.
No território gaúcho e em nível nacional, o momento é de alta nas estatísticas de violência contra a mulher. Delitos difíceis de prevenir, porque costumam acontecer em domicílio particular, por vezes sem aviso prévio. Ainda impera, em grande parte das comunidades, o dito "em briga de marido e mulher não se mete a colher".
Enquanto as estatísticas de homicídios caíram nos últimos anos, as de violência contra a mulher estão em curva ascendente. A alta neste tipo de crime coincide com a pandemia de coronavírus, quando a circulação nas ruas diminuiu e aumentou a convivência entre quatro paredes, ressaltam os estudiosos do tema. No RS, o crescimento desse tipo de crime é de 2,5% entre janeiro e setembro deste ano em comparação com o mesmo período de 2021.
Conforme relatório da Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa, nos últimos anos o Rio Grande do Sul figura entre os Estados com mais feminicídios. Foi o terceiro no ranking em 2019 — com 97 casos —, e o quarto em 2020 — com 80. Já em 2021, conforme o relatório, foram 97 mulheres assassinadas no Estado — o ranking deste ano ainda não foi compilado.
No país, a violência contra a mulher também avança, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Apesar de a taxa de mulheres assassinadas a cada 100 mil ter caído 1,7% no ano passado na comparação com 2020, as taxas de crimes de assédio sexual e importunação sexual cresceram 6,6% e 17,8%, respectivamente. A quantidade de medidas protetivas de urgência solicitadas e concedidas também teve aumento, assim como as denúncias de lesão corporal dolosa e as chamadas de emergência para as polícias militares.
Para o sociólogo David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que publica o Anuário Brasileiro sobre o tema, as autoridades devem desenvolver programas para combater os crimes nas realidades onde mais acontecem.
— As medidas protetivas envolvem as polícias, mas não se resumem às polícias. É o caso de abrigos para vítimas e determinações judiciais de afastamento do agressor — pondera o estudioso.
Já o sociólogo gaúcho Rodrigo Azevedo, coordenador do Observatório de Segurança Pública da Escola de Direito da PUCRS, considera imperativa uma maior efetivação das medidas protetivas de urgência e programas de acompanhamento de homens agressores, sempre com reforço em mecanismos já existentes, como as patrulhas Maria da Penha, da Brigada Militares, e Delegacias da Mulher, da Polícia Civil.
Homicídios e facções
Um dos raros pontos comemorados por todos, de estudiosos a autoridades, é a redução do número de homicídios no país e no Rio Grande do Sul nos últimos anos.
O país vivenciou queda de 6,5% dos homicídios em 2021 em relação ao ano anterior. A tendência é de diminuição nos últimos anos: 12,8% em 2018, em relação ao ano anterior, 19,1% em 2019, e pequeno aumento em 2020, de 5,2%, conforme o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O governo federal comemora que a redução nas mortes violentas acontece num período em que houve aumento de venda de armas e considera que não há relação entre homicídios e mercado legalizado de armamentos. Estudiosos consultados pela reportagem de GZH afirmam o contrário, que o crescimento dos arsenais deverá gerar aumento nos assassinatos em curto prazo.
O Rio Grande do Sul também luta para manter a queda nas mortes, que vinha sendo verificada nos últimos seis anos. Em 2022, no entanto, o Estado soma 1.226 vítimas de janeiro a setembro. No mesmo período de 2021, haviam sido 1.210, o que representa acréscimo de 1,3%.
A alta no número de assassinatos neste ano está relacionada à escalada das mortes na Capital em dois períodos, fruto de guerra de facções criminosas outrora aliadas. Morticínio similar acontece em Rio Grande, no sul do RS, que já teve mais de 80 assassinatos neste ano.
Os números de apreensões de drogas têm subido a cada ano. Os especialistas Rodrigo Azevedo e David Marques salientam que o aperto das autoridades sobre o tráfico costuma ocasionar disputa de facções pelo controle da droga, o que explica em parte os surtos de violência no submundo.
Tanto Azevedo quanto Marques ressaltam ser importante atuar no controle de lideranças das facções criminais, no policiamento presente em áreas de risco, assim como em políticas de atenção à juventude em áreas vulneráveis, articuladas com a maior permanência na escola, alternativas culturais e de obtenção de emprego e renda. Isso passa por ampla articulação entre o sistema de segurança pública e o sistema prisional, já que é a partir dali que as facções costumam controlar o crime.