A votação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno do pleito presidencial, no domingo (2), quando alcançou 48,43% dos votos válidos, causou supostos atos de coação eleitoral praticados por empresários apoiadores do candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) no Rio Grande do Sul. Em comunicados por escrito, áudio ou vídeo postados em redes sociais, há manifestações destinadas a fornecedores ou público em geral. As mensagens tratam de temas como redução de produção e de orçamento em caso de eleição do petista.
O caso mais notório é o da Stara Indústria de Implementos Agrícolas, de Não-Me-Toque, no norte do Estado. Em comunicado a fornecedores, diz que, caso Lula vença, "deverá reduzir sua base orçamentária para o próximo ano em pelo menos 30%. O episódio está sob apuração em um inquérito civil instaurado na terça-feira (4) pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), na Procuradoria do Trabalho de Passo Fundo. A empresa nega ocorrência de coação eleitoral.
Agora, surgiram outros entre empresas do RS. Confira abaixo:
Extrusor Comércio de Máquinas e Equipamentos
Empresa de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, remeteu comunicado assinado aos seus fornecedores na terça-feira (4) afirmando o seguinte: "Caso os resultados da eleição se mantenham da mesma forma atual, ao fim do ano passaremos a nossa empresa da forma física para a forma virtual, mantendo nosso trabalho apenas na internet. Assim sendo, não teremos mais a necessidade de serviços, peças e insumos no comércio local".
A Procuradoria do Trabalho de Novo Hamburgo abriu procedimento inicial (chamado de notícia de fato) com o tema "outros tipos de assédio ou violência no trabalho: coação eleitoral". A empresa foi notificada para prestar esclarecimentos no prazo de 24 horas. Uma cópia do procedimento foi encaminhada ao Ministério Público Eleitoral para avaliação do cabimento de medidas.
A reportagem tentou contato com a Extrusor, mas o telefone da empresa repetia uma mensagem de "ocupado" durante a quarta-feira (5).
Mangueplast Indústria de Mangueira
Baseada no município de Barão, próximo de Carlos Barbosa, na Serra, enviou comunicado assinado aos "fornecedores e parceiros" na terça-feira (4). Com passagens semelhantes ao documento da Stara, a Mangueplast diz que, se mantido o resultado do primeiro turno, "reduzirá seu orçamento em aproximadamente 40%". Na sequência, afirma que irá "revisar seu volume de produção, compras e principalmente investimentos já planejados para os próximos anos". A mensagem, assinada pelo diretor-fundador, se encerra dizendo que isso irá prejudicar, entre outras coisas, a geração de empregos.
A Procuradoria do Trabalho de Santa Cruz do Sul instaurou o expediente inicial (chamado notícia de fato) para apurar o caso com o tema "coação sobre trabalhadores e outros vícios no contrato de trabalho".
A reportagem contatou a Mangueplast nesta quarta-feira (5), mas a empresa disse desconhecer os fatos e que não se manifestaria.
Serraria Boa Esperança
A empresa de Taquara distribuiu comunicado na terça-feira (4) sem especificar os destinatários. A mensagem tem trechos semelhantes às enviadas pela Stara e pela Mangueplast, citando "instabilidade política e alteração de diretrizes econômicas". O documento afirma que, confirmado o resultado do primeiro turno, reduzirá o orçamento para o próximo ano em pelo menos 40%, "afetando diretamente os nossos investimentos, produção e o crescimento da empresa".
Foi aberta uma notícia de fato pela Procuradoria do Trabalho de Novo Hamburgo, nesta quarta-feira (5), para apurar o episódio.
A reportagem ligou para o telefone da serraria, mas não conseguiu contato.
Mec Empreendimentos Imobiliários
O proprietário, Marcos Paulo do Monte Vieira, de São Gabriel, gravou vídeo para as redes sociais declarando-se "frustrado" e afirmando: "Somos empresa da construção civil, onde geramos mais de 40 empregos dentro do nosso município. (...) Se o Lula ganhar, eu tenho certeza que vai ter um grande desemprego dentro do nosso município. A minha empresa é uma que vai ser afetada. Eu acredito que mais da metade vai perder seu emprego. Vocês vão viver de quê? Será que vão viver de esmola?"
A Procuradoria do Trabalho de Santa Maria abriu, nesta quarta-feira (5), procedimento de notícia de fato para apurar o caso.
Em contato com a reportagem, o empresário negou que tenha coagido seus funcionários ao dizer que "mais da metade" perderia o emprego em caso de vitória de Lula. Ele se declarou "surpreso" com a repercussão e disse estar preocupado com o agronegócio.
— Em momento algum eu coagi. Jamais cheguei e disse "vou demitir todo mundo se o Lula ganhar". Não existe motivo para fazer isso. Eu colocaria pressão sobre os funcionários se eu fosse para dentro da empresa, fechasse, e dissesse: "Vou te demitir se votar no Lula. Vou te demitir se votar no PT." Eu jamais faria isso — afirma Vieira.
Procurador-chefe do MPT diz que casos são "graves", mas representam "minoria"
O Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) já vinha acompanhando casos de possível coação eleitoral há mais tempo, mas avalia que houve "acirramento" depois dos resultados no primeiro turno.
Procurador-chefe do MPT-RS, Rafael Foresti Pego diz que os episódios em análise são "graves", mas são situações minoritárias. Ou seja, na maioria dos locais de emprego as liberdades de voto estão sendo respeitadas. Ele salienta que pressionar direta ou indiretamente os trabalhadores por preferência eleitoral pode configurar um ilícito.
— Confirmados os assédios, vamos buscar medidas para cessar a conduta, garantindo aos trabalhadores que possam tomar suas decisões sem ameaça ou pressão. O ambiente de trabalho não pode ser de coação ou recompensa por voto. O empregador tem poder econômico sobre o trabalhador. Não se pode utilizar o trabalho como condição vinculada à questão política — afirma Pego.
Para os casos em que eventualmente ficar comprovado o assédio, o MPT pode atuar por dois caminhos. O primeiro é extrajudicial: o órgão fiscalizador e a empresa fazem um termo de ajuste de conduta (TAC) em que o empregador se compromete a cessar e não repetir as práticas, sob pena de multa. O termo pode prever, desde o princípio, o pagamento de indenização coletiva pelos danos causados à sociedade.
Caso o empregador não concorde com a assinatura do TAC, o MPT busca a Justiça do Trabalho para requerer as mesmas medidas, como o cessar da conduta ilícita, multa em caso de repetição e pagamento de indenização por dano coletivo. Os valores podem ser elevados, dependendo do caso.
— O local de trabalho não é para a realização de campanha política no sentido de comunicação formal — orienta Pego.
Ele destaca que o empregado está sob as mesmas restrições, de forma que ele não pode buscar constranger e coagir seus colegas de profissão por preferência política.
Em Flores da Cunha, a Procuradoria do Trabalho de Caxias do Sul abriu, nesta quarta-feira (5), expediente inicial de notícia de fato para apurar as circunstâncias de áudio que circula pelo WhastApp. O caso envolve ameaça de locaute por parte de transportadores, o que geraria desabastecimento em caso de vitória de Lula. O locaute é uma paralisação do trabalho promovida por empresários, o que é proibido no Brasil.