Seis meses após renunciar ao governo sem anunciar seu futuro político, Eduardo Leite (PSDB) recebeu um recado eloquente dos eleitores neste domingo (2), ao passar para o segundo turno com uma margem de apenas 0,04%, ou de 2.441 votos, para o terceiro colocado, Edegar Pretto (PT). Numa das mais acirradas disputas pela segunda vaga na etapa decisiva da eleição para governador do Rio Grande do Sul, Leite teve 26,81% dos votos contra 26,77% de Pretto.
Aos 37 anos, Leite foi alvo de movimentação silenciosa do eleitorado. Na urna, os gaúchos sinalizaram descontentamento com o político que, para se aventurar em uma malfadada candidatura presidencial, renunciou ao mandato e depois se reapresentou aos eleitores quebrando a promessa de não tentar a reeleição.
O primeiro sinal de que o dia traria infortúnios ao tucano surgiu ainda na véspera. Ao participar de um churrasco, Leite foi comer pistache e quebrou um dente. No domingo, começou o dia concedendo entrevistas à imprensa e acompanhou o voto do governador Ranolfo Vieira Júnior em Esteio. Em seguida, foi para Pelotas, sua terra natal, onde votou no final da manhã e acompanhou a apuração na casa dos pais, ao lado de parentes e do namorado, Thalis Bolzan. Quando a apuração começou, um silêncio emanava da residência.
Conforme o escrutínio avançava, a tensão ficava ainda maior, à medida em que Pretto diminuía a diferença a cada totalização. Ao final, Leite fez um rápido pronunciamento, no qual atribuiu a dificuldade à polarização nacional:
— Aqui no Rio Grande do Sul, graças ao trabalho do nosso governo, que tem reconhecimento da população, resistimos a essa polarização. Somos uma das poucas candidaturas que estão no segundo turno sem ter parte na polarização nacional. Isso é uma grande vitória, estamos muito felizes com o resultado e estamos muito confiantes numa vitória no segundo turno, porque somos o campo do diálogo. Essa é a mensagem que vamos levar para o segundo turno, a mensagem do amor e do diálogo.
Perguntado se pretende buscar o apoio da esquerda, Leite tentou desconversar, mas deixou espaço para uma conversa com o PT.
— O apoio que se busca é o da população, daqueles que resistem aos ataques. Mas sempre tivemos um bom diálogo (com o PT). Todos aqueles que estiverem dispostos a dialogar conosco, vamos dialogar. Temos um segundo turno longo pela frente, são quatro semanas, oportunidade em que poderemos cotejar dois projetos para o Estado, diferentes na forma e no conteúdo.
O apoio que se busca é o da população, daqueles que resistem aos ataques. Mas sempre tivemos um bom diálogo (com o PT). Todos aqueles que estiverem dispostos a dialogar conosco, vamos dialogar.
EDUARDO LEITE
Candidato ao governo do RS
A segunda colocação foi, até aqui, o ponto culminante de uma campanha que nasceu tumultuada. Leite renunciou ao cargo em março, ainda tentado a se lançar à Presidência. Após um flerte explícito com o PSD de Gilberto Kassab, ele decidiu permanecer no PSDB mas sabia que as chances de uma empreitada nacional eram cada vez mais escassas.
Para se manter em voga até 2026, restava a reeleição, alternativa arriscada diante das incertezas sobre a reação do eleitorado não só à renúncia, mas também à quebra da promessa de não disputar um segundo mandato. Para tranquilidade de seu grupo político, pesquisas qualitativas mostraram que a gestão era bem avaliada e havia espaço para uma candidatura competitiva.
Ao mesmo tempo, Leite passou a percorrer o Interior para sentir in loco a receptividade dos gaúchos. Logo sua presença em eventos e inaugurações começou a criar constrangimento para o governador em exercício, Ranolfo Vieira Júnior, até então o candidato da situação. Por vezes, assessores palacianos tinham dificuldade de encontrar fotos na qual o governador estivesse sozinho, ante a onipresença de Leite nos compromissos oficiais.
Em junho, 75 dias após a renúncia, Leite finalmente formalizou a candidatura. O desafio seguinte foi montar uma coligação robusta para enfrentar dois candidatos do bolsonarismo, Onyx Lorenzoni e Luis Carlos Heinze (PP), além de um PT renovado na figura de Edegar Pretto e tracionado pela força eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O primeiro passo foi quebrar a resistência de uma ala barulhenta do MDB, que não aceitava abrir mão da candidatura em prol do tucano.
Atuando nos bastidores, Leite e o candidato a vice, Gabriel Souza, minaram a ação da velha guarda emedebista e consolidaram a chapa. Leite ainda trouxe o Podemos, mesmo sem garantir a Lasier Martins um palanque para a disputa da reeleição ao Senado e, por último, foi a São Paulo negociar pessoalmente o apoio do União Brasil, maior partido do país. Com seis legendas na aliança, o tucano adquiriu o maior espaço na propaganda de rádio e TV — o dobro dos principais adversários e um terço de todas as inserções.
Construído o palanque, era hora de afinar o discurso. Leite sabia que a venda da Corsan seria criticada pela esquerda, a restrição do comércio na pandemia, pela direita, e a renúncia por todos os adversários. O antídoto contra os ataques pelo abandono do cargo foi o primeiro a ser empregado, com a justificativa de que longe do Piratini poderia tocar a campanha sem qualquer suspeita de uso da máquina pública.
Não ocorreu como esperado. Chamado pelos rivais não mais pelo nome, mas pelo epíteto de "o governador que renunciou", Leite só percebeu as sequelas do ato quando as urnas foram abertas. Embora tenha liderado a maior parte das pesquisas desde o início da campanha, os ataques dos adversários minaram sua popularidade. Leite tentou escapar à extremada polarização nacional dando palanque a Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (UB), duas coadjuvantes na eleição nacional. Na propaganda, ensaiou um monólogo conciliador, se dizendo capaz de adotar políticas caras à esquerda e à direita.
"Se governar para a direita é diminuir a máquina pública, reduzir impostos e combater o crime, governei para a direita. Se governar para a esquerda é investir em cultura, criar programas de proteção social e cuidar das pessoas, governei para a esquerda. Mas se você acha que o importante é governar para todos, eu governei para você", afirmou numa das peças da campanha.
O eleitorado, porém, estava em outra sintonia, apegado às candidaturas de Onyx e Pretto, representantes no Estado de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A parceria de Gabriel e Leite, considerada um trunfo pela coordenação do marketing eleitoral, também enfrentou dificuldades. Já no primeiro dia de gravações, a diretora Mocita Fagundes pediu que os candidatos usassem roupas descoladas. Foi quando surgiu um problema incontornável: apesar dos 38 anos de idade, Gabriel Souza só usa roupas sóbrias, como calças sociais, sapatos de bico fino e camisas com as iniciais bordadas no peito. No dia em que o vice apareceu de tênis All Star, a algazarra foi tamanha que a foto circulou por todos os grupos de WhatsApp da campanha.
— Não adianta, eu sou um velho num corpo de jovem — resignava-se Gabriel.
Para desfazer desconfianças de que não traria o apoio do MDB, Gabriel fez questão de circular com Leite por redutos onde tem forte presença, como no Litoral Norte, seu berço político, e na região de Cruz Alta. Na grande parte do Estado, porém, o MDB não abraçou a campanha e os deputados estaduais e federais trataram de cuidar da própria eleição, relegando a chapa à própria sorte.
Cobranças
Na segunda incursão por Tramandaí, há duas semanas, foi preciso desmontar uma arapuca. Em correntes de WhatsApp, simpatizantes de Onyx pediam aos comerciantes que baixassem as cortinas quando Leite passasse pelo Centro, em protesto pela recomendação do "fique em casa" durante a pandemia.
Gabriel correu para desmobilizar a iniciativa e conseguiu impedir qualquer manifestação durante a passagem da comitiva eleitoral. A restrição da atividade econômica como forma de evitar o contágio por covid-19 tem sido uma das maiores vidraças de Leite. Em Bento Gonçalves, ele discutiu com um empresário ao ser criticado com virulência em almoço no Centro da Indústria e Comércio (CIC). Desde o início da campanha, sua equipe precisou desmentir fake news sobre os efeitos da política sanitária, sobretudo a de que 500 mil empregos teriam sido perdidos no Estado — dados oficiais apontam 42 mil vagas fechadas em 2020 e um saldo positivo de 141 mil contratações em 2021.
Nas ruas, Leite também é cobrado pelos eleitores sobre outros temas polêmicos. Em Gravataí, na última quarta-feira, ele pedia voto na fila do caixa de um minimercado quando uma senhora perguntou sobre "todas essas privatizações" que o candidato pretendia fazer. Em tom didático, o tucano gastou três minutos tentando explicar a incapacidade do Estado em fazer os aportes necessários em setores como água e saneamento, por exemplo.
Em seguida, ele panfletava no entorno da Praça Leonel Brizola quando uma senhora questionou o recebimento de aposentadoria como ex-governador — reclamação contumaz nas agendas de rua, principalmente partindo de professores da rede estadual. Sem parar a caminhada, Leite respondeu que abriu mão do benefício, mas a resposta não satisfez a eleitora.
— Abriu mão, mas depois que todo mundo estava falando. Meu voto, ele não vai ter — replicou a mulher, antecipando um gesto que grande parte dos gaúchos faria diante da urna neste domingo.
Pontos positivos
Perfil conciliador
Com um discurso moderado e agregador, Eduardo Leite conseguiu se manter afastado da polarização nacional, representada no Estado por Onyx Lorenzoni (PL) e Edegar Pretto (PT). Alvo preferencial dos adversários, repetia o tempo todo que estava preocupado em atacar os problemas, e não os rivais.
Ajuste das contas
Ao aprovar as reformas da previdência e administrativa, Leite ajustou as contas públicas, obtendo em 2021 o primeiro superávit orçamentário após 12 anos de balanços no vermelho. Com recursos em caixa, implementou um programa de investimentos de R$ 5,3 bilhões para os próximos cinco anos.
Palanque robusto
Consciente do desgaste da renúncia, Leite montou um palanque para sobrepujar uma disputa com dois aliados de Bolsonaro (Onyx e Heinze) e um de Lula (Pretto). Com seis partidos na aliança, garantiu o maior tempo de TV, usado para mostrar realizações do governo e se defender das críticas.