O mapa político que emergiu das urnas neste domingo (29) mostra uma reocupação do poder por uma ala mais pragmática da centro-direita. Após duas eleições sucessivas, 2016 e 2018, em que obtiveram êxito candidatos que rejeitavam a política tradicional, agora o eleitor optou por voto de segurança.
Ainda em meio à pandemia de covid-19 e na iminência de agravamento da crise econômica, os brasileiros manifestaram um desejo de previsibilidade. À direita e à esquerda, os grandes derrotados foram os personagens que polarizaram o antagonismo ideológico que cindiu o país nos últimos anos, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A recuperação na confiança em políticos experientes se traduziu na reeleição de seis prefeitos no primeiro turno e em mais quatro neste segundo, quando os eleitores deram um novo mandato a Bruno Covas (PSDB), em São Paulo, Hildon Chaves (PSDB), em Porto Velho, Edvaldo Nogueira (PDT), em Aracaju, e Emanuel Pinheiro (MDB), em Cuiabá.
Fenômeno semelhante se repetiu em João Pessoa, com Cícero Lucena (PP), e no Rio, com Eduardo Paes (DEM), ambos ex-prefeitos que agora retornam ao cargo. Em Goiânia, essa busca por gestores consagrados beirou ao paroxismo, com a população elegendo Maguito Vilela (MDB). Ex-governador, deputado e senador, Vilela está há mais de um mês internado para tratamento de covid-19 e permanece inconsciente, respirando por aparelhos.
Entre os partidos, a despeito de o MDB ter conquistado cinco capitais ante as quatro do DEM, o antigo PFL é considerado o que colheu mais êxito das urnas. A sigla hoje dita os rumos do Congresso com Davi Alcolumbre na presidência do Senado e Rodrigo Maia na presidência da Câmara e tende a assumir protagonismo ainda maior no breve horizonte político, após amargar tempos difíceis no auge das gestões petistas, de 2003 a 2016, quando viu encolher drasticamente o número de governantes e de parlamentares.
Agora, o partido venceu em Curitiba, Florianópolis e Salvador no primeiro turno, e hoje elegeu Eduardo Paes no Rio de Janeiro, um dos maiores colégios eleitorais do país. Cobiçando um polêmico terceiro mandato sucessivo no comando da Câmara e personagem importante na sucessão de Bolsonaro em 2022, Maia esteve presente na festa da vitória no Rio, posicionando-se estrategicamente ao lado de Paes.
— Rodrigo Maia e o DEM, como um todo, colhem os melhores resultados dessa eleição. Já haviam tido uma boa performance no primeiro turno e a vitória no Rio consolidou o partido como o mais relevante do centro — comenta o cientista político Leonardo Avritzer, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e um dos coordenadores do Observatório das Eleições.
Na esquerda, o PT amarga um dos piores desempenhos de sua história em eleições recentes. O partido perdeu as duas únicas capitais que disputava neste segundo turno, com Marília Arraes, em Recife, e João Coser, em Vitória. Na Bahia, hoje uma fortaleza do DEM, também houve derrotas nas duas das maiores cidades do interior, Feira de Santana e Vitória da Conquista. Em São Paulo, berço da legenda, perdeu em Guarulhos, vencendo em Diadema e Mauá, nesta última por pouco mais de um ponto percentual dos votos. No Rio Grande do Sul, também fracassou em Caxias do Sul e em Pelotas.
No mesmo espectro ideológico, o PDT venceu em Aracaju e Fortaleza, o PSB manteve a hegemonia em Recife e conquistou Maceió, mas foi o PSOL quem ganhou maior relevo, com a primeira conquista de uma capital, com Edmilson Rodrigues em Belém, e a despeito da derrota de Guilherme Boulos em São Paulo.
— A esquerda sai mais equilibrada, já não há aquela hegemonia do PT. Mas as vitórias estão mais concentradas no Norte e no Nordeste e há um nítido problema no Sul e no Sudeste. O grande vitorioso nesse campo é Boulos, que sai da eleição como uma liderança nacional que ele ainda não era. Ele não é um derrotado, deu um trabalho enorme ao PSDB — aponta Avritzer.
No campo bolsonarista, o presidente colheu uma derrota acachapante no Rio, onde centrou forças em Crivella, e viu seus aliados também amargarem derrotas importantes em Fortaleza, com o Capitão Wagner (PROS) e em Belém, com o Delegado Eguchi (Patriota). Seu ex-partido, o PSL, não venceu em nenhuma capital. Já a legenda de seus filhos, o Republicanos, ganhou apenas em Vitória, com Delegado Pazolini suplantando o PT.
Quem ganha
Eduardo Leite (PSDB)
Na campanha de 2018, já anunciava que não pretendia concorrer à reeleição em 2022. Dois anos depois, as vitórias do PSDB em Pelotas, Caxias do Sul e Santa Maria, três dos cinco maiores colégios eleitorais do Estado, podem levar o tucano a repensar a decisão. Com os salários em dia após 57 meses de atraso e um ambiente favorável na Assembleia para aprovar a renovação do aumento do ICMS até 2024, o governador terá dificuldades em resistir à pressão do partido por um novo mandato.
João Doria (PSDB)
O governador de São Paulo manteve a hegemonia tucana na capital com a vitória de Bruno Covas, seu ex-vice-prefeito, no maior colégio eleitoral do país. A vitória garante a ele protagonismo maior dentro do partido, mas não significa uma liderança natural na frente de centro-direita. Para tanto, Doria precisará amainar ainda mais o discurso, antes muito similar ao do presidente Jair Bolsonaro, e buscar conciliação sobretudo com o DEM de Rodrigo Maia.
Guilherme Boulos (PSOL)
Em 2018, teve o pior desempenho do PSOL numa disputa à Presidência da República. Na ocasião, representava uma esquerda que ainda assustava boa parte do eleitorado de centro. Dois anos depois, perdeu a eleição em São Paulo, mas saiu da disputa bem maior do que entrou. Fez uma campanha inovadora, sobretudo nas redes sociais, suplantou o PT em seu berço político e suavizou a imagem de radical, atraindo a simpatia de uma parcela do mercado financeiro.
Rodrigo Maia (DEM)
Presidente da Câmara e tentando emplacar um terceiro mandato, exerceu nos últimos tempos o papel de contraponto sensato ao governo federal. Alvo dos bolsonaristas nas ruas e nas redes, várias vezes freou o ímpeto do Palácio do Planalto ao impor derrotas ou recuos ao presidente Jair Bolsonaro. O êxito do DEM nas urnas permite sonhos maiores, inclusive o de pleitear uma candidatura presidencial em 2022. No mínimo, será um dos mais influentes personagens da disputa, com papel preponderante nas ambições de João Doria, Luciano Huck e Sergio Moro.
Quem perde
Jair Bolsonaro (sem partido)
Sem concorrer a cargo algum, colheu a maior derrota das eleições de 2020. Com rejeição em alta, viu quase todos seus candidatos preferidos amargarem derrotas. Celso Russomanno, em São Paulo, e Marcelo Crivella, no Rio, cristalizam o fracasso da estratégia.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Inelegível após duas condenações em segunda instância, viu o PT amargar uma de suas piores performances em eleições municipais. O partido não irá governar nenhuma capital a partir de 2021 e houve o fortalecimento do PSOL. O pleito também cristalizou uma aliança PDT-PSB, enfraquecendo a possibilidade de uma frente de centro-esquerda em 2022.