Como candidato à prefeitura de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB) fez acenos ao eleitor bolsonarista ao longo da campanha com o objetivo de ampliar sua base de votos. Saiu vitorioso, mas a estratégia envolveu um risco significativo: o repúdio à gestão do presidente Jair Bolsonaro, que já era elevado, cresceu ainda mais ao longo dos últimos dois meses.
Conforme pesquisas realizadas pelo Ibope entre 5 de outubro e 28 de novembro, o percentual de eleitores que classificam o desempenho de Bolsonaro como ruim ou péssimo alcançou mais da metade da população: variou de 50% para 55%. Ao mesmo tempo, a fração que considera seu governo ótimo ou bom oscilou de 26% para 24% (veja detalhes no infográfico abaixo).
Melo buscou se aproximar do eleitor simpático ao presidente ao adotar em seu discurso, por exemplo, promessas como a adoção de escolas cívico-militares e ao declarar contrariedade à vacinação obrigatória para barrar a covid-19 — dois temas caros a essa fração da sociedade. Para o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Peres, o emedebista acertou o tom da campanha ao combinar o cortejo ao eleitorado bolsonarista a um tom moderado o suficiente para não atrair para si a expressiva rejeição de outra parte da população ao presidente.
— Melo aceitou o apoio de bolsonaristas como Bibo Nunes (deputado federal pelo PSL) a fim de conquistar um diferencial de votos, mas não escancarou esse apoio. Foi uma dosagem refinada, que envolveu questões mais pontuais — analisa Peres.
O cientista político considera ainda que a adversária no segundo turno, Manuela D’Ávila (PCdoB), não conseguiu se beneficiar mais desse cenário porque, embora represente um “esvaziamento do bolsonarismo” como face mais estridente da direita, não expressa o mesmo em relação ao sentimento simbolizado pelo antipetismo — e que inclui outras siglas desse campo político como o PCdoB — em parte da sociedade.
— Persiste a polarização política com o antipetismo, o antiesquerdismo. Mas o fato de o PT ter cedido o protagonismo na chapa (o petista Miguel Rosseto concorreu como vice de Manuela) se mostrou uma estratégia acertada. A esquerda voltou ao segundo turno em Porto Alegre, que teve MDB e PSDB na eleição anterior, e fez uma boa bancada na Câmara Municipal — analisa o cientista político.
O desgaste de Bolsonaro coincide com um período de agravamento da pandemia em todo o país e, especificamente, no Rio Grande do Sul ao longo das últimas semanas. Desde a chegada da covid-19 ao país, o presidente não implantou uma estratégia nacional eficiente de combate à doença e minimizou sua gravidade repetidas vezes.
Outro item incluído nas entrevistas eleitorais realizadas pelo Ibope ao longo da campanha, a classificação da gestão do governador Eduardo Leite, do PSDB, permaneceu estável no período, com leve tendência de melhora. O percentual de eleitores da Capital que o avaliam como bom ou ótimo oscilou de 29% para 31%. A soma das avaliações “ruim” ou “péssimo” variou de 30% para 28%.
No último levantamento, divulgado em 28 de novembro, a maior fatia do eleitorado o considerava “regular”, com 40% das respostas.