O sonho de Manuela D’Ávila (PCdoB) de se tornar a primeira mulher a comandar a prefeitura de Porto Alegre, mais uma vez, ficou para trás. Com 45,37% dos votos válidos, ao final da eleição mais acirrada das últimas décadas, marcada por ataques, disseminação de mentiras e alto índice de abstenção, a jornalista de 39 anos perdeu a disputa para Sebastião Melo (MDB), em sua terceira tentativa de chegar ao Paço Municipal.
Em pronunciamento na noite deste domingo (29), no Hotel Embaixador, no centro a Capital, Manuela foi recebida com aplausos pela militância e aos gritos de “gigante”. De cabeça erguida, reconheceu o apoio recebido e desejou sorte a Melo:
— Quero agradecer a Porto Alegre por ter nos trazido até aqui e quero desejar boa sorte ao meu adversário. A sorte do governo dele será a sorte do nosso povo, das pessoas que vivem em Porto Alegre.
Antes de deixar o local, em menos de 10 minutos de manifestação, ela disse ter enfrentado a “campanha mais baixa da nossa história” e ter encontrado forças para isso na “esperança” que encontrou nas ruas e que não via há muito tempo.
— Viva Porto Alegre, viva as mulheres e os homens que lutam para a nossa cidade ser uma cidade mais justa. Vale a pena, vale muito a pena chegar em casa e seguir acreditando que a verdade é o que liberta. Quero agradecer em público, também, à minha família, porque não é fácil fazer as escolhas que nós fazemos no Brasil de hoje, mas fica muito melhor com eles do lado. Boa sorte ao nosso adversário. Cuide de Porto Alegre, porque Porto Alegre merece ter homens e mulheres que vivam com mais dignidade — declarou.
Apesar de ter virado votos e assumido a liderança na última pesquisa Ibope, ameaçando o favoritismo do adversário, Manuela reviveu a frustração das derrotas sofridas em 2008 e 2012, quando também tentou se eleger prefeita. Na primeira investida, ficou em terceiro lugar. Na seguinte, acabou em segunda posição.
Dessa vez, com mais experiência e musculatura política, sentindo novos ventos soprando a favor de mudanças no país, a jornalista de 39 anos tinha a convicção de que reverteria a sina. Na reta final, com a eleição apertada, ainda apostava na vitória. Acabou perdendo por uma diferença de nove pontos percentuais
A derrota começou a se delinear às vésperas da votação do dia 15, quando o ex-prefeito José Fortunati (PTB) renunciou à candidatura e declarou apoio a Melo, reescrevendo os rumos do pleito e alçando o ex-vice-prefeito à vitória. Até então, Manuela aparecia no topo das preferências.
Dali em diante, Melo atraiu o apoio massivo da centro-direita e herdou a maior parte do espólio do atual prefeito, Nelson Marchezan (PSDB), determinante para o resultado. Manuela ganhou o reforço dos candidatos Fernanda Melchionna (PSOL), Juliana Brizola (PDT) e Montserrat Martins (PV), mas não foi o bastante.
Associada pelos oponentes à Venezuela de Nicolás Maduro, ao comunismo de Josef Stalin e aos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, a ex-deputada não conseguiu neutralizar as fake news e superar o que chamou como “discurso do ódio”. O protagonismo e a capacidade de comunicação de Manuela, definida como mãe e mulher disposta a melhorar a vida na cidade, foram insuficientes para dissipar a rejeição de parte do eleitorado ao seu nome e ao PT.
Na tentativa de vencer resistências e de conquistar terreno entre os eleitores que optaram por não escolher ninguém na etapa inicial, a candidata elevou o tom no segundo turno. Até o fim, sublinhou distinções em relação ao oponente e explorou contradições de Melo, identificado, no passado, com pautas da esquerda. Argumentou que, ao contrário dele, mantinha as convicções de outrora e permanecia do mesmo lado — e esse lado não era o do presidente Jair Bolsonaro, vinculado ao adversário.
Para fortalecer a posição, a candidata reproduziu, na propaganda de rádio e TV e nas redes sociais, depoimentos de nomes conhecidos pelas críticas ao bolsonarismo, como Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT). Celebridades como Gilberto Gil, Caetano Veloso e uma miríade de artistas famosos juntaram-se à campanha, dando cara e voz ao que parecia ser “a onda da virada”.
Com a chancela dos apoiadores ilustres, a candidata apresentou-se como a genuína opção de mudança, sob o argumento de que Melo e seu partido já haviam governado a cidade. Em diferentes ocasiões, Manuela disse que trabalhava “para repor a verdade nas eleições”:
— A verdade sobre quem sou, diante de mais de 600 mil fake news distribuídas, e a verdade sobre aquilo que meu adversário representa: a velha política, os governos que abandonaram obras, que deixaram crianças sem vagas em creches, que fizeram a licitação que trouxe a passagem de ônibus mais cara entre as capitais.
Do outro lado, a campanha de Melo enfatizou a promessa de reabrir a cidade a partir de 1º de janeiro, mesmo com o avanço da pandemia, e apostou no discurso da retomada econômica. Colou no postulante a imagem de "gestor experiente" e alheio a questões ideológicas, ao passo que Manuela recebeu a pecha de "candidata comunista" disposta a "estatizar tudo".
Com o acirramento dos ânimos nos últimos dias, os rivais acusaram a ex-deputada de “rebaixar o nível” do pleito, ao dizer que aliados de Melo eram racistas, enquanto carros de som percorriam a cidade sugerindo que, se Manuela vencesse, as pessoas teriam de “comer carne de cachorro” e “igrejas seriam fechadas”.
Ao final, Melo foi o escolhido nas urnas, mas Manuela, apesar do fracasso, saiu maior do que no início da disputa. Mostrou força política, provou ter capacidade de mobilizar e aglutinar a esquerda e se credenciou a trilhar novos caminhos. A próxima eleição é logo ali.