No começo de outubro, um Luís Roberto Barroso em versão despojada surgiu no primeiro vídeo postado no perfil do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no aplicativo Tik Tok. Vestindo camisa de mangas dobradas no lugar da sisuda toga, o presidente do TSE permitiu-se, inclusive, brincar com os interlocutores: “gostaria de mandar uma mensagem para os jovens. Aliás, gostaria de dizer que eu sou jovem também, só que há muito mais tempo”, disse o ministro, antes de convocar os jovens a comparecerem às urnas para votar nas eleições municipais.
A postagem visualizada mais de 74 mil vezes, que marcava a estreia do órgão oficial na plataforma, faz parte de uma campanha contra a desinformação no período eleitoral, feita em parceria com a plataforma de vídeos chinesa. Não por acaso. Aplicativo mais baixado no mundo em agosto deste ano, segundo a empresa de análise e pesquisa Sensor Tower — soma mais de 800 milhões de usuários —, o Tik Tok é sucesso, principalmente, entre o público sub-25 anos, principal consumidor dos conteúdos com edição divertida postados pelos usuários.
Somente no Brasil, o número de downloads quadruplicou entre 2018 e 2019, saltando de 2 milhões para 8 milhões — especialistas estimam que, até o fim de 2020, os “tiktokers” brasileiros podem passar dos 20 milhões. O Tik Tok, que não divulga os dados, diz que somente desde janeiro, o número de usuários no país se multiplicou sete vezes. A faixa etária média dos usuários fica entre 16 e 24 anos.
Com tanta penetração entre adolescentes e jovens adultos, a plataforma é um prato cheio para disseminar informação para eleitores de primeira viagem. Mas, se a possibilidade de se aproximar desse público capturou a atenção até da mais alta instância da justiça eleitoral brasileira, entre os candidatos, ainda são poucos os que se aventuram a explorar seus recursos como ferramenta de campanha.
— O candidato que sabe que, para vencer, todo voto conta, deveria estar considerando múltiplas frentes. O Tik Tok é uma mídia própria em que podem dar o recado que quiser e chamar voto. Mas ao mesmo tempo as pessoas ainda não sabem como usar — observa Rodrigo Azevedo, criador do banco de dados de influenciadores digitais Influency.me.
Dos 13 candidatos à prefeitura de Porto Alegre, apenas quatro se arriscaram a molhar o pé no app: Manuela D'Ávila, Fernanda Melchionna, José Fortunati e Gustavo Paim — cujo perfil, criado em outubro, ainda não tem postagens. Assessores de pelo menos sete partidos consultados pela reportagem sequer souberam indicar candidatos a prefeito ou vereador que estejam usando o aplicativo no Estado.
Entre os postulantes ao Paço Municipal que deram as caras no Tik Tok, apenas Manuela D’Ávila faz uso regular da ferramenta. É também quem tem mais seguidores: 37,8 mil, mais do que políticos populares na plataforma, como Guilherme Boulos (Psol-SP), Verônica Costa (PL-RJ) e Requião Filho (MDB-PR). Além disso, é a que mais explora os recursos populares no app, como os quizzes, os memes e os vídeos curtos com trilha sonora, marcados pela descontração.
Um exemplo que rendeu mais de 500 mil visualizações é um vídeo em que a candidata, que empunha a bandeira feminista, usa gestos para desmentir “mitos” sobre o movimento, respondendo perguntas como “Você odeia homens?” e “Feministas podem ser vaidosas?”. Já a postagem mais visualizada até agora, 534 mil vezes, foi uma em que critica o investimento em publicidade da atual prefeitura dando exemplos do que se poderia comprar com R$ 1,6 milhão, como cestas básicas e kits de higiene para pessoas em situação de vulnerabilidade social. O post foi curtido por mais de 91 mil usuários. Além dos conteúdos contundentes e memes com trechos dos primeiros debates — destacando aqueles em que a candidata “lacrou” —, o perfil conta, ainda, com momentos descontraídos da vida particular de Manuela, alguns deles com a participação de sua filha, dançando ou preparando receitas.
Segundo a coordenação de redes sociais de Manuela, o perfil criado no começo do ano não tem apenas pretensões eleitorais. Usuária assídua de redes sociais desde que ingressou na vida pública, há mais de 15 anos, utiliza o Tik Tok para abordar assuntos que vão além das propostas de campanha. Os posts são feitos pela própria candidata, parte deles elaborados em parceria com a equipe de comunicação.
— O Tik Tok está se transformando numa plataforma de micro-aprendizado (de conteúdos didáticos), e nós apostamos bastante nisso. A Manuela tem projeção nacional, então as pessoas têm ela como referência sobre os assuntos. Esperam que ela se manifeste — conta a coordenadora de redes sociais da campanha, Marina Lopes.
Já entre os outros concorrentes ao Paço, tanto o volume de vídeos publicados como seu alcance são mais tímidos. Candidata do Psol, Fernanda Melchionna conta com apenas 26 seguidores. Das nove postagens feitas até agora, a mais visualizada é uma em que aparece mostrando materiais de campanha, e atingiu cerca de 200 usuários. Um post em que indica os maiores devedores do ISS na Capital foi visto 118 vezes.
Ainda menos destacada tem sido a participação do ex-prefeito da Capital, José Fortunati. O perfil criado recentemente tem apenas cinco seguidores e duas postagens. O candidato não aparece em nenhuma delas.
Presente no Facebook, Instagram, Twitter e LinkedIn, Sebastião Melo ficou de fora do Tik Tok, segundo a coordenação de redes sociais do candidato, por questões de "perfil". Preferiram explorar o nicho onde a comunicação com o eleitorado já era consolidada em vez de criar uma conta em uma plataforma com a qual o emedebista não tem familiaridade. A reportagem também tentou contato com a coordenação de redes sociais de Nelson Marchezan, mas não obteve retorno.
Apesar do potencial, especialistas em marketing digital avaliam que há lógica em ponderar a criação ou não de um perfil na plataforma. Mais importante do que estar no Tik Tok é aprender a falar sua língua, que pode soar estrangeira para os candidatos e marketeiros acostumados às mídias tradicionais. Em um ambiente virtual marcado pela informalidade, materiais de campanha impessoais, longos ou sérios demais tendem a se perder, tornando-se inócuos.
— Muita gente utiliza uma comunicação de mídia tradicional, embala e coloca na rede. Isso não dá resultado, porque não conecta. O Tik Tok tem uma coisa mais informal. Quem consegue produzir algum tipo de emoção, seja ódio ou amor, viraliza — explica o professor de marketing digital da ESPM João Finamor.
Enquanto em apps como o Instagram ou o YouTube a primeira coisa que os usuários vêem são os vídeos de quem seguem, o TikTok prioriza os vídeos mais populares para cada pessoa escolhidos por um algoritmo misterioso, em uma sequência interminável. Isto faz com que qualquer um, independentemente do número de seguidores, possa criar um vídeo viral. E com uma vantagem: diferentemente dos stories do Instagram, por exemplo, os vídeos permanecem no perfil, e podem ser redistribuídos pela plataforma no momento em que o algoritmo considerar relevante.
Na avaliação do professor da ESPM, políticos que conseguirem se apropriar da linguagem do Tik Tok podem ter um duplo ganho com ele. Isso porque crianças e adolescentes (a chamada geração Z) funcionam como vetores de informação, replicando o conteúdo que lhes interessa entre amigos e familiares. Ou seja, além de se aproximar de eleitores em formação, a plataforma permite que o candidato se projete para fora daquele ambiente, ganhando visibilidade entre um público mais amplo.
Candidatos a vereador exploram ferramenta
Se bem utilizado, o Tik Tok também pode ser um aliado dos candidatos de primeira viagem com campanhas de baixo orçamento. Ao contrário de outras redes que se viram em meio a polêmicas envolvendo o impulsionamento pago de propaganda eleitoral, o aplicativo proibiu, em outubro de 2019, a veiculação de anúncios que promovam organizações partidárias e figuras políticas — questionada sobre o assunto, a plataforma respondeu que "a natureza de anúncios políticos pagos não é algo que o TikTok acredite que se encaixe na experiência que os usuários esperam". Por outro lado, quem assume as rédeas da própria comunicação pode ter mais chances de atrair um público orgânico com conteúdo original do que aqueles cuja comunicação com os eleitores é mediada por profissionais.
É a aposta de Giovane Vaz, 26 anos. Professor de filosofia e candidato a vereador pelo Cidadania, ele criou um perfil meses atrás, de olho na campanha. Virou um laboratório de experiências: há desde postagens com assuntos sérios, como um trecho de uma conversa com Cristovam Buarque sobre educação, até vídeos divertidos, com dancinhas e críticas ao governo de Jair Bolsonaro. Tudo feito por ele mesmo, a maior parte em sua casa, no bairro Hípica.
— É tentativa e erro. Acho que tem uma falsa ideia de que a política tem que ser formal, que o político não pode entrar na brincadeira. Mas a política é comunicação. Tem que aproveitar todas as oportunidades de se comunicar, mesmo que pareçam bobas, infantis — diz o candidato, que conta 2,8 mil seguidores na plataforma.
Enquanto Giovane alterna seriedade e brincadeiras em seu perfil, a estudante de ciências sociais Any Moraes, que disputa uma vaga na Câmara pelo PT, optou por deixar o humor em segundo plano. Seu objetivo é usar o Tik Tok como um canal de divulgação para falar de pautas que pretende abordar caso seja eleita, como direitos das mulheres e da comunidade LGBTQI+ e segurança alimentar. Em seu vídeo com mais alcance, que obteve pouco mais de 2 mil visualizações, criticou o retorno das aulas presenciais na Capital.
— Acho que é um espaço importante para dialogar com um perfil mais jovem, porque tem um alcance bacana. Ocupar esses espaços é fundamental, ainda mais nesse momento de pandemia — diz a candidata de 34 anos, moradora do Morro da Cruz.
Descobrir o jeito mais eficiente de conciliar forma e conteúdo é um desafio a mais para os tiktokers de primeira viagem, e pode colocar em vantagem quem não tem medo de se expor. Para a professora da Escola da Indústria Criativa da Unisinos Adriana Amaral, o fato de o Tik Tok ainda ser novidade entre os políticos permite que os candidatos que estão ingressando na plataforma experimentem novas abordagens de forma mais livre, e descubram as potencialidades da ferramenta antes dos concorrentes.
— O Tik Tok tem essa coisa da linguagem da música, dos bordões, do slogan, que sempre teve a ver com a política. É o momento de experimentar, de aproveitar o nicho. Uma coisa para se investir agora que talvez sirva para a próxima eleição — avalia.
A empresa não divulga números sobre perfis oficiais de políticos na plataforma. Segundo Ricardo Tavares, diretor de Políticas Públicas do TikTok no Brasil que falou com GZH por e-mail, não há restrições a perfis dessa natureza, desde que atendam às diretrizes de comunidade e respeitem os termos de uso do app. Ele avalia que, até o momento, os perfis de candidatos mostram que eles "estão entendendo que o TikTok é um lugar de criatividade e autenticidade".
"Embora a plataforma não seja o principal lugar para onde as pessoas vão quando buscam notícias e informações sobre política, temos o dever de apoiar nossos usuários com conteúdo confiável e educativo sobre temas de interesse público" , completou, por email.
O aplicativo pertence à desenvolvedora chinesa ByteDance e chegou ao Brasil em agosto de 2018, às vésperas das eleições presidenciais, mas ganhou popularidade nos anos seguintes. Em 2019 foi o segundo mais baixado em todo mundo e, em abril deste ano, rompeu a barreira dos 2 bilhões de downloads, segundo levantamentos da plataforma de análise de dados Sensor Tower.