Um debate entre candidatos dentro de automóveis — como o promovido pela Rádio Gaúcha às 8h30min desta segunda-feira (28) — deverá ser apenas uma das cenas inusitadas das eleições de 2020, cuja campanha se inicia oficialmente neste domingo (27).
Para buscar os votos dos eleitores para prefeito e vereador em meio à pandemia da covid-19, os candidatos terão de evitar as principais imagens que fazem parte do imaginário das campanhas eleitorais. Comícios, multidões em caminhada pelos bairros e panfletagem são cenas de causar arrepios em infectologistas. Pegar crianças no colo, então, nem pensar.
As coordenações das campanhas à prefeitura de Porto Alegre enfatizam que aglomerações serão evitadas, e máscara e de álcool gel serão usados em larga escala. Há preocupação de infectologistas em relação a riscos que possam passar despercebidos pelos políticos e suas equipes.
— Mesmo usando máscaras, são pessoas que tem por hábito falar demais, em alta intensidade e muito próximas umas às outras. Não é à toa que os políticos são a classe que mais apareceu no noticiário com pessoas em cargos importantes infectadas. Falar muito e reunir-se muito faz parte da profissão deles — observa Luciano Goldani, infectologista do Hospital de Clínicas e professor da UFGRS.
Goldani aponta ainda o risco de encontros em ambientes fechados, e usa como exemplo a cerimônia de posse do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, em 10 de setembro. Embora o evento tenha sido restrito a 50 dos 250 assentos da Corte e tenham sido tomadas medidas de prevenção como medição de temperatura, álcool em gel e até cabines de acrílico para os magistrados, houve pelo menos nove contaminações, incluindo o próprio Fux.
— Em um comitê de campanha, por exemplo, eu recomendaria um protocolo rígido e fiscalização do poder público. Além de testagens periódicas na equipe — conclui Goldani.
Porém, esse regramento é um ponto de atenção. Se por um lado a Justiça Eleitoral estabeleceu um longo protocolo de prevenção para o dia das eleições — que inclui treinamento minucioso dos mesários e medidas de proteção aos eleitores — são poucas regras de segurança sanitária voltadas ao período de campanha.
Em um comitê de campanha, por exemplo, eu recomendaria um protocolo rígido e fiscalização do poder público. Além de testagens periódicas na equipe.
LUCIANO GOLDANI
Infectologista do Hospital de Clínicas e professor da UFRGS
Elas estão previstas no Plano de Segurança Sanitária para as Eleições de 2020, um guia lançado pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, em 8 de setembro, e são apenas quatro: evitar promover eventos com grande número de pessoas; orientar o uso correto de máscaras por todos os participantes durante os eventos de campanha; utilizar espaços amplos e abertos para contato com outras pessoas e evitar a distribuição de material impresso.
Questionado sobre o assunto, o TSE argumenta que optou por fazer apenas orientações breves a candidatos no período de campanha por entender que as cidades e Estados tem decretos próprios em vigor em relação à pandemia. No Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, todavia, não há regras previstas especificamente para eventos eleitorais.
Nos comitês de Porto Alegre, o que candidatos e coordenadores repetem é que não pretendem deixar de fazer nada, mas fazer de tudo com segurança. Em vez de passeatas e panfletagem pelos bairros, por exemplo, prometem passeios em caçambas de caminhonete e santinhos por WhatsApp. Abraços no corpo a corpo serão trocados por toques de cotovelo, e os comícios darão lugar a uma proliferação de lives.
Porém, os candidatos procuram ver o copo meio cheio. Se os comícios são impossíveis, mais vale fazer uma live para 300 pessoas do que um encontro presencial para 25 pessoas. Eles também apontam a retomada da importância da campanha de televisão, que foi coadjuvante em 2018 diante das redes sociais, mas que volta a ter protagonismo sobretudo na eleição para o Legislativo, em que é fundamental um conhecimento mínimo das candidaturas.
Exemplos internacionais permitem otimismo
De acordo com relatório do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral, o Brasil foi um dos 71 países que adiaram eleições em razão da pandemia.
Embora o risco de surtos em razão de eventos eleitorais seja grande, a maior parte dos países que realizaram eleições em meio à pandemia não apontou impacto significativo na curva de infecções. O maior impacto se verificou em países que tiveram processos eleitorais anteriores à pandemia, como França e Irã, que realizaram eleições em fevereiro.
Durante a pandemia, países como Bielorrússia, Coreia do Sul, Croácia, Japão, Mongólia, Malásia, Polônia, República Dominicana e Singapura tiveram o pleito. Nesses, o maior debate se deu sobre a representatividade, já que muitos não se arriscaram a votar. As curvas de transmissão, todavia, seguiram tendências de queda ou de estabilidade.
As exceções em que houve aumento significativo de casos foram Polônia, Singapura e Bielorrússia. Porém, nos dois primeiros casos, o afrouxamento das medidas de distanciamento pouco antes das eleições foi apontado como uma causa mais determinante. Já na Bielorrússia, foram os múltiplos protestos contra o governo local.
Da Coreia do Sul, que realizou eleições parlamentares em abril, vem pelo menos um método de campanha curioso. Em vez de sair para cumprimentar eleitores como tradicionalmente faziam, alguns candidatos ao legislativo optaram por equipar suas equipes com materiais de limpeza e desinfetar lugares públicos, como praças e estações de transporte público e assim ganhar a simpatia dos eleitores. Fica a lição para os candidatos brasileiros.