
Entre restrições, medos e incertezas, começa nesta segunda-feira (31), em todo o país, o período das convenções partidárias para a escolha dos candidatos à eleição 2020, que promete entrar para a história como uma das mais atípicas — e desafiadoras — desde a redemocratização no Brasil. A menos de 80 dias do pleito, adiado para novembro em razão do coronavírus, há dúvidas sobre como vai se desenrolar a campanha e o que esperar de eleitores e mesários nos dias de votação.
Embora as regras envolvendo atividades como comícios e passeatas permaneçam as mesmas, a crise sanitária deverá impor mudanças (leia os detalhes abaixo). Por enquanto, não está claro até que ponto o modelo de distanciamento controlado ou mesmo medidas de prevenção adotadas por municípios irão se sobrepor à legislação eleitoral, cuja regulação é de competência do Congresso.
O fato é que, em razão da covid-19, poderá haver locais no Estado onde será possível fazer comícios e caminhadas e outros onde as atividades serão proibidas, sem contar as brechas para irregularidades. Em exemplo hipotético extremo, a pretexto de evitar contágios, um prefeito candidato à reeleição poderá vedar aglomerações para impedir atos de adversários políticos, desequilibrando a disputa. Tudo isso exigirá atenção redobrada da fiscalização.
— Será, sem dúvida, uma eleição muito diferente das outras e com grandes desafios. Ainda há muitas questões sem resposta e tudo vai depender de algo que não está ao nosso alcance, que é a oscilação da curva da pandemia — avalia Rodrigo Zilio, coordenador do gabinete eleitoral do Ministério Público (MP) no Estado.
Para quem trabalha nos bastidores, o nível de imprevisibilidade também será um complicador extra. Membro do Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (Camp), a consultora Gil Castillo afirma que agilidade e capacidade de resiliência assumirão papel fundamental no desenho das campanhas.
— Teremos de nos adaptar às regras locais e estar atentos às normas estaduais o tempo todo. Vamos precisar de plano A, B, C e D. Será uma experiência nova, não só pelas contingências impostas pelo coronavírus, mas também pela forma como se dará o contato pessoal entre candidatos e eleitores — opina Gil, que atua na área desde 1992.
Com as limitações, a tendência é de que o papel da internet siga crescendo, agora com regras mais rígidas de controle. Há duas principais novidades em relação a 2018: a criminalização das fake news e o veto à contratação do disparo em massa de mensagens.
Ainda que as redes sociais e os aplicativos ganhem terreno, quem conhece o meio político não vislumbra o fim do corpo a corpo. Primeiro, porque há locais onde o acesso à web ainda é limitado e, em segundo lugar, porque gastar “sola de sapato” é ato intrínseco à política, especialmente em disputas municipais.
Especialista em Direito Eleitoral com 26 anos carreira, Antônio Augusto Mayer dos Santos projeta adequações e cita alguns exemplos, a começar pelos cabos eleitorais. O advogado avalia que eles seguirão presentes nas esquinas, porém de forma espaçada. Já as carreatas terão mais adeptos, pois os carros tendem a ser ambientes seguros. Quanto às máscaras, deverão ser estampadas com os números dos candidatos, estarão à venda nas ruas e poderão se tornar a marca dessa eleição.
— Neste início de campanha, há uma reticência de todos, até por uma questão de prudência, mas tenho convicção de que, com o avançar dos dias, vai se repetir o que acontece habitualmente, com os cuidados possíveis — pondera Santos.
A segurança do processo é uma das grandes preocupações da Justiça Eleitoral, diante da perspectiva de menor comparecimento às urnas — inclusive entre mesários, que se tornaram alvo de uma campanha nacional de estímulo, com a participação do médico Dráuzio Varella (veja abaixo como se candidatar e ajudar). Para tranquilizar a população e evitar um “apagão” nas seções, está sendo planejado um mega esquema de segurança sanitária.
Presidente do Tribunal Regional Eleitoral no Estado (TRE-RS), o desembargador André Villarinho reforça os cuidados e destaca medidas já definidas, como suspensão da biometria, farta oferta de equipamentos de proteção e de álcool gel, demarcação de distâncias mínimas no piso e ampliação do horário de votação em uma hora.
Dessa vez, o eleitor não receberá comprovante de votação em papel (estará disponível na internet) e será estimulado a levar a própria caneta para confirmar presença. Para quem esquecer, haverá distribuição gratuita.
— Nosso objetivo, em primeiro lugar, é garantir a saúde das pessoas. Os protocolos estão sendo preparados com a consultoria da Fiocruz e dos hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein. Serão adotadas todas as precauções para minimizar riscos — destaca o desembargador.
Em pronunciamento na última quinta-feira, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, reforçou o recado:
— Estamos fazendo todo o possível para conciliar a saúde pública com as demandas da democracia. É votando nas eleições municipais que você define o destino da sua cidade e, em última análise, os rumos do Brasil. Vote consciente.
Atrair eleitores e mesários no foco das preocupações
GaúchaZH perguntou ao presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS) e ao coordenador do gabinete eleitoral do Ministério Público (MP) no Estado qual será o principal desafio na eleição que se avizinha. Confira as respostas:
André Villarinho, presidente do TRE-RS
“O principal desafio, sem dúvida, é realizar as eleições sob os efeitos da pandemia, mas posso assegurar, em nome do Tribunal Regional Eleitoral, que estamos adotando todas as medidas necessárias para a segurança dos eleitores e dos mesários. Esse é o ponto número um e é o nosso foco. Haverá muita segurança dentro das seções, por meio de uma série de medidas, com farta distribuição de EPIs para eleitores e mesários, que não terão qualquer contato físico. Vamos intensificar a campanha de conscientização para que as pessoas saibam que estarão protegidas e não deixem de comparecer.”
Rodrigo Zilio, coordenador do gabinete eleitoral do MP-RS
“Um dos grandes desafios será garantir número suficiente de mesários no pleito, havendo receio sobre um déficit no comparecimento. O TRE vinha fazendo um trabalho muito bom para a adesão de mesários, que têm um papel fundamental no processo. Com a pandemia, paira uma dúvida sobre o pode acontecer, apesar de todos os esforços da Justiça Eleitoral. Outro ponto importante é a adesão dos eleitores, essencial para legitimar os representantes eleitos. De nada adianta todo esforço para fazer as eleições, se um número expressivo de eleitores não comparecer aumentando ainda mais o percentual de abstenção.”
Apelo aos mesários voluntários
- A Justiça Eleitoral lançou campanha para incentivar a inscrição de voluntários e garantir que não faltará pessoal no dia da votação
- No RS, quem quiser se oferecer pode preencher formulário eletrônico no site do Tribunal Regional Eleitoral ou procurar o cartório eleitoral mais próximo. Se houver vaga, o interessado poderá ser convocado
Cuidados extras
- Em parceria com a iniciativa privada, serão distribuídas 7,5 milhões de máscaras para todos os mesários do país, para que possam trocá-las três vezes ao longo do dia, além de 1,8 milhão de escudos faciais
- Cada mesário terá, ainda, um frasco de álcool gel para higienização pessoal
O que acontece com quem não aparecer?
- O mesário que não comparecer e não apresentar justa causa ao juiz eleitoral até 30 dias após a votação poderá ser multado no valor de 50% a um salário mínimo
- Se for servidor, poderá ser suspenso por 15 dias. As penas podem dobrar, se a mesa deixar de funcionar por culpa do faltoso