Umas das principais lideranças do Novo, fundado por figuras do setor privado, João Amoêdo aborda, nesta entrevista, temas relacionados ao bom desempenho eleitoral do partido. Na sua primeira eleição nacional, o Novo bateu a cláusula de barreira e fez um governador em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país. Amoêdo, que alcançou 2,5% dos votos válidos na disputa presidencial, ainda comenta os desafios de uma sigla que se autointitulou Novo e que, permanentemente, é instada a provar de que não está praticando velhos hábitos da política. Governar Minas Gerais, reconhece Amoêdo, será uma prova de fogo para a sigla que, agora, terá de colocar em prática aquilo que vinha pregando na teoria. Confira a entrevista abaixo:
Qual a avaliação do resultado do Novo na eleição?
Foi muito positivo. Enfrentamos ambiente de muita polarização nas eleições. O Novo tinha muitos obstáculos por não usar recurso público, ter pouco tempo de TV, não ter feito coligação. Era um ambiente adverso. E estávamos trazendo gente nova para a política. A grande maioria, quase a totalidade dos nossos candidatos, estava participando pela primeira vez de uma campanha. Levando tudo isso em consideração, tendo batido a cláusula de barreira, ficando na frente de vários partidos, ter eleito o governador do segundo maior colégio eleitoral do Brasil com expressiva votação, e mesmo no meu caso, tendo ficado à frente de partidos tradicionais e de pessoas que já estão há muito tempo na política, como a Marina (Silva), o Meirelles (Henrique), o senador Álvaro Dias, mostra que foi um desempenho muito bom.
O senhor fez 2,5% dos votos válidos à Presidência. Acredita que foi prejudicado pela extrema polarização, perdendo muito voto para Jair Bolsonaro na reta final?
Não tenho dúvida. Acredito que teríamos de duas a três vezes mais votos se não tivesse acontecido essa polarização tão excessiva, especialmente na reta final. Muita gente que votaria em mim disse que faria voto no Bolsonaro, mesmo no primeiro turno. Teve uma perda muito grande que, na verdade, atingiu vários candidatos. Nosso potencial de votos era bem maior e as pesquisas indicavam isso. A gente vinha crescendo em agosto, já caminhando para a faixa de 5%, mas quando houve o evento da facada no Bolsonaro, essa polarização ficou mais intensa.
O senhor poderá concorrer novamente à Presidência em 2022?
Não tenho avaliado isso ainda. Eu entrei no processo muito para atender uma demanda partidária. Eu não tinha projeto pessoal de ser presidente. Lá na frente, o que vamos avaliar de novo, é o que vai ser mais interessante para o partido, quais são os nomes disponíveis. Eu entrei com senso de missão. Vai ser esse mesmo raciocínio mais para frente. Eu vou estar à disposição do partido para fazer o que for melhor para o projeto e o país.
No segundo turno, o que o senhor sopesou para não apoiar formalmente o presidente eleito Jair Bolsonaro?
Apesar de, no discurso, ele comentar que se aproximou de pautas liberais, de estar trazendo para a equipe o Paulo Guedes (futuro ministro da Fazenda), o histórico dele nos últimos anos no Congresso foi muito diferente disso. Até muitas vezes ele foi na linha oposta. Votação contra o Plano Real, contra, em alguns momentos, o fim de alguns monopólios. Nunca foi uma pessoa que tenha feito corte de benefícios e privilégios, como estamos pregando no Novo. Eu não tenho segurança de que ele vai adotar essa pauta (liberal), mas eu torço para que adote, é o melhor para o Brasil. Não podemos mais perder tempo nessa situação de alto desemprego, economia que não cresce. Eu preferia fazer, no final, um voto contra o PT. Achei que ele, no fundo, era a única alternativa que a gente tinha, mas não necessariamente valia referendar um apoio a ele neste momento. E é assim que vamos pautar nossa atuação no Congresso. Pautas que forem na linha do que a gente defende, terá nosso apoio. Mas queremos ter independência para fazer fiscalização e votar contra o que não fizer sentido.
A vitória em Minas Gerais surpreendeu vocês? O Novo está maduro o suficiente para governar um Estado desta grandeza?
Para nós foi uma grata surpresa. No início, a gente não imagina, apesar de reconhecer que o Romeu Zema, por ser pessoas conhecida no interior e um empresário de sucesso, teria alguma chance. A gente sabia que enfrentava duas máquinas muito tradicionais (PT e PSDB), num Estado com quantidade enorme de municípios e ainda sem perspectiva, no primeiro momento, de participar dos debates. A gente sabia que era uma tarefa muito difícil. Acabamos surpreendidos principalmente pelo volume de votos que ele teve. A curva foi exponencial. Isso mostra que o Novo tem boa capacidade de entrega. É esse espírito de vencer desafios, com gente qualificada e determinada, priorizando o que tem de ser priorizado, que vamos governar em Minas. Entendo que estamos preparados. Não é tarefa fácil pelo tamanho do Estado, pelas adversidades que enfrenta, mas eu entendo que a equipe do partido é qualificada e vai ajudar o Zema a montar time muito bom. E aí vejo uma grande vantagem nossa em relação à grande maioria dos partidos. O fato de não ter nenhum vínculo que nos obrigue a fazer nomeações políticas ou a manter certos feudos. Isso vai ajudar. E com a votação que teve, vai ter respaldo popular para fazer o que precisa ser feito.
Governar MG vai ser uma prova de fogo. O Novo passará a ser vidraça e o resultado, em um Estado dos mais endividados, poderá consagrar ou manchar a imagem da sigla. O Novo elegeu apenas três dos 77 deputados estaduais de MG. E, na campanha, o governador eleito Romeu Zema demonstrou certo desconhecimento da estrutura pública. Isso preocupa?
Estamos muito cientes de que será uma prova muito importante. O Novo passa a ser vidraça. E é uma vidraça grande. O fato de a gente fazer política diferente acaba nos expondo. A tendência de quem está do outro lado é a de tentar mostrar que não somos tão diferentes assim. Ele vinha na campanha conhecendo a máquina pública, que é bastante complexa, então é natural que não tivesse conhecimento de tudo. Agora, passada a fase da campanha, a grande vantagem é trazer bons nomes, gente que conhece, e que poderá ajudá-lo a fazer gestão de qualidade. Ele tem total liberdade para trazer os melhores nomes para Minas. As pessoas vão para as áreas que conhecem e ele vai ser um gestor geral. A primeira coisa é fazer a renegociação da dívida com o governo federal, até para conseguir colocar o mais rapidamente possível os salários em dia. Estão todos atrasados. O Estado está quase inoperante.
Como fazer em MG as reformas que a sigla defende tendo apenas três dentre 77 deputados estaduais?
Tem um aspecto importante: qualquer acerto com o governo federal para a renegociação da dívida, e que venha a colocar em dia os salários de professores e policiais, demandará o cumprimento de uma série de exigências como corte de despesas, adequação da estrutura. Aí a pressão popular, mesmo dos servidores públicos que querem voltar a receber em dia, e dos eleitores do Romeu fará com que a Assembleia seja responsável na aprovação das medidas. O interesse é comum. A situação do Estado é tão crítica que poderá se criar uma agenda comum mais rapidamente. Claro que vai ter negociação, conversa, mas o principal é explicar que as medidas são para o bem de todos.
O resultado da eleição colocou o PSL e o Novo como representantes dos setores variados da direita. Mas o PSL saiu muito maior. Como o Novo vai buscar se diferenciar para não ser engolido ou se tornar linha auxiliar do PSL?
O PSL teve uma grande bancada puxada pela votação do Bolsonaro. E o Novo teve uma bancada puxada pela inovação e ideias. O PSL será o partido do governo. O Novo será independente. E uma grande diferença do Novo é que a gente sempre tem a preocupação de funcionar como instituição, com atuação em bloco. Isso dará força grande ao partido.
O PSL adota a linha do liberal na economia e conservador nos costumes. O Novo vai assumir postura de liberal no sentido de libertário, em que o Estado não interfere na vida particular dos indivíduos em questões de religião, sexualidade, aborto, drogas e comportamento?
Nós adotamos a pauta liberal na economia, mas o partido já definiu posicionamento a favor da união homoafetiva, contra o estatuto do desarmamento, mas deixou alguns itens a critério dos mandatários. Questão de aborto, de drogas, os mandatários do Novo terão autonomia. Mas, no primeiro momento, tendo em vista a situação do Brasil, é atuar mais fortemente nas pautas econômicas. Até para melhorar a atuação do Estado na parte de segurança, saúde e educação. Atuar mais no equilíbrio das contas, reforma da previdência, simplificação tributária, redução da burocracia. Colocar o Brasil de volta na rota do crescimento. Inicialmente vamos priorizar esses temas.
O Novo é um partido nascido nas metrópoles, criado sobretudo por empresários e profissionais liberais de classe media-alta. Para o partido se consolidar de vez, é fundamental ampliar atuação para regiões pobres. Como avançar nas periferias, onde as pessoas ainda dependem da presença do Estado para viver em condições mais dignas, enquanto o Novo defende redução radical do Estado?
É importante a gente ter um conceito correto do Novo. Muitas vezes tem distorção de que é um partido da Zona Sul (do Rio), da Paulista (Avenida Paulista, em São Paulo). O Novo, entre seus fundadores, não tinha nenhum grande empresário. Temos hoje filiados em mais de 1,6 mil cidades. É uma diversidade grande. Mas, obviamente, precisamos expandir. As pessoas mais simples já estão se apercebendo que esse discurso, feito por muitos anos, de que o Estado grande iria beneficiá-los, na verdade é um equívoco. O que se viu é que o Estado brasileiro cresceu e a gente só teve mais concentração de renda e piora da vida dos mais pobres. Piorou atendimento nos hospitais, piorou a geração de emprego. Isso foi um discurso dos políticos que queriam levar mais poder para o Estado e se perpetuarem lá. Eu diria que nosso grande desafio é explicar isso para as pessoas. Minas Gerais terá papel importante nisso. Mostrar que, com mais liberdade para as pessoas puderem empreender, com mais qualidade de educação, vai melhorar a vida das pessoas. Colocar isso em prática vai nos ajudar. O ambiente é propício. O objetivo agora é expandir as bases do Novo geograficamente, melhorar nossa comunicação para que cheguemos à maior quantidade de pessoas.
Você se sentiu pessoalmente desrespeitado quando o seu correligionário e candidato ao governo do Rio Grande do Sul, Mateus Bandeira, ainda no primeiro turno, tendo o senhor como candidato à Presidência, flertou com os eleitores de Jair Bolsonaro, pedindo votos em dobradinha? O Novo até soltou nota para reprovar a atitude de Bandeira...
Eu respeito muito a liberdade das pessoas. Mas o partido até soltou essa nota porque tem uma preocupação muito grande com a unidade da organização. Para que o Novo não vire apenas uma legenda. Mas o que eu entendi, na época, não é que o Mateus quisesse direcionar os votos dele para o Bolsonaro. Era na linha de que os eleitores do Bolsonaro deveriam vê-lo como opção mais interessante. Uma coisa importante dentro do Novo é que temos uma divisão entre a gestão partidária e as candidaturas (os candidatos a cargos públicos não ocupam cargos nos diretórios). Às vezes, na campanha, em busca de votos, é natural que você faça uma venda pensando mais nas eleições. E aí cabe ao partido sempre sinalizar que tem uma questão de longo prazo. Eu, de fato, não me senti incomodado.
Na eleição de 2014, Marina Silva apresentou o discurso da "nova política" e teve dificuldade para explicar o que era a "nova política". Acredita que o mesmo pode ocorrer com o Novo? É uma nomenclatura audaciosa. E gestos que remetem a uma "velha política" acabam ganhando outra proporção quando envolvem o partido, como no caso do candidato a deputado do Novo pela Paraíba que propôs liberar tanques de guerra para agricultores e tornar o aborto crime hediondo. Como avalia?
Eu diria que temos duas coisas a fazer. Primeiro através das ações: cortar metade das verbas de gabinete, metade da quantidade de assessores, votar em bloco, ser coerente com os princípios, não fazer coligações por conta de dinheiro público ou tempo de televisão, não usar dinheiro público. No fundo, é não ficar só no discurso, mas ir para a prática. É o que temos procurado fazer. E o segundo é o partido, como instituição, estar muito atento a eventuais desvios que são naturais que ocorram. À medida em que você cresce, uma ou outra pessoa pode se desviar do processo. Aí é importante a atenção do partido. No caso do Mateus, o partido soltou uma nota. No caso desse candidato lá no Nordeste, o partido soltou nota e fez repreensão. Erros ao longo do caminho sempre podem ocorrer. Devemos cuidar para que esses erros sejam minoria e, caso aconteçam, que o partido seja firme na atuação.