Universidades públicas de todo o país estão sendo alvo de ações policiais e de fiscais eleitorais. De acordo com os tribunais eleitorais dos Estados, a justificativa para essas ações está em propaganda eleitoral irregular. Estudantes, professores e entidades educacionais, no entanto, veem as ações como censura. Os presidentes dos TREs, entretanto, afirmam que as ações nos estabelecimentos de ensino não foram "orquestradas"
Uma das justificativas para as ações é baseada em resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que determina que não será tolerada "propaganda, respondendo o infrator pelo emprego de processo de propaganda vedada e, se for o caso, pelo abuso de poder".
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes disse à Folha de S.Paulo considerar que a Justiça precisa ter "cautela" para evitar exageros em ações relativas às manifestações políticas em universidades:
— É preciso que façamos uma reavaliação para não valorizarmos uma ação repressiva e que possamos valorizar uma relação mais dialógica — afirmou o ministro.
O ministro do STF Marco Aurélio Mello disse que a ação nas universidades é "incabível".
— Universidade é campo do saber. O saber pressupõe liberdade, liberdade no pensar, liberdade de expressar ideias. Interferência externa é, de regra, indevida. Vinga a autonomia universitária. Toda interferência é, de início, incabível. Essa é a óptica a ser observada. Falo de uma forma geral. Não me pronuncio especificamente sobre a atuação da Justiça Eleitoral. Mas reconheço que a quadra é de extremos. Por isso é perigosa, em termos de Estado Democrático de Direito. Esse é o meu pensamento — declarou, ao jornal O Globo.
Ação em universidades não foi orquestrada, diz Colégio de TREs
As ações de fiscalização que ocorreram em diversas universidades públicas do país não foram orquestradas, afirma o Colégio de Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Por meio de sua assessoria, o colegiado explicou que, para que sejam feitas operações de busca e apreensão, é preciso haver denúncia específica envolvendo cada uma das instituições.
Segundo o Colégio de Presidentes dos TREs, ações desse tipo são comuns nesta fase do período eleitoral — o pleito acontece neste domingo (28). A assessoria lembrou que houve ações semelhantes em outros órgãos públicos municipais, estaduais e federais em todo o país: "Campanha eleitoral em órgão público não pode, mas, quando acontece em universidade, chama mais a atenção da imprensa".
As denúncias chegam aos procuradores e promotores eleitorais de cada Estado, que analisam e determinam busca e apreensão, se for o caso, para averiguar a veracidade.
Críticas da comunidade acadêmica
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede que representa cerca de 200 entidades educacionais, divulgou nota na qual repudia as decisões da Justiça Eleitoral que tentam "censurar a liberdade de expressão de membros de comunidades acadêmicas, ferindo seus direitos civis e políticos, bem como o princípio constitucional da autonomia universitária". Segundo a entidade, no exercício pleno da cidadania, "todas e todos têm o direito de se manifestar politicamente".
A Constituição Federal assegura às universidades autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro emitiu nota de protesto acusando a Justiça Eleitoral de censurar a livre expressão de estudantes e professores das faculdades de Direito, além de agressão à autonomia universitária. "A manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral", diz a mensagem.
Ministério Público Federal
Em nota, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) considerou "potencialmente incompatíveis com o regime constitucional democrático iniciativas voltadas a impedir a comunidade discente e docente de universidades brasileiras de manifestar livremente seu entendimento sobre questões da vida pública no país - tais como as que ocorreram nos últimos dias 23 a 25 de outubro, em mais de uma dezena de universidades brasileiras".
Para o MPF, interpretar dizeres como "Direito UFF Antifascista"; "Marielle Franco, presente" e "Ditadura nunca mais. Luís Paulo vive", bem como iniciativas de debates acadêmicos ou manifestações públicas no espaço de ensino, como uma forma de propaganda eleitoral "transborda os limites da razoabilidade e compromete o arcabouço constitucional da liberdade de manifestação e de cátedra, bem como de expressão do pensamento e intelectual".
O argumento de que as instituições escolares são equipamentos públicos e, portanto, a salvo do debate eleitoral, "não faz jus à dignidade que ambos os temas têm na Constituição de 1988", acrescenta o Ministério Público, que diz ainda: a interdição da disputa política no âmbito acadêmico "fragiliza a democracia".
"É lamentável que, em uma disputa tão marcada pela violência física e simbólica, pelo engano e pela falsificação de fatos, o ataque do sistema de justiça se dirija exatamente para o campo das ideias", finaliza a instituição.
Não é propaganda, diz DPU
Para a Defensoria Pública da União (DPU), os debates sobre o quadro eleitoral vigente nas universidades não constituem propaganda. O posicionamento está em recomendação do último dia 24 enviada a reitores e diretores de instituições de Ensino Superior.
A recomendação partiu da DPU no Rio de Janeiro. No texto, a Defensoria recomenda que não haja, nas instituições, cerceamento do "exercício do direito à livre expressão, independente de posição político-ideológica, ainda que haja debates sobre o quadro eleitoral vigente, o que não se constitui propaganda político-eleitoral".
Segundo a recomendação, reitores e diretores têm de assegurar a livre iniciativa de professores, estudantes e servidores, referente a "qualquer tipo de manifestação de ideias, desde que se coadune com os pilares constitucionais de democracia, liberdade, justiça, solidariedade, diversidade e demais direitos fundamentais".
A DPU pede uma resposta dos dirigentes em um prazo de até 30 dias e esclarece que não se trata de uma "ordem, requisição ou imposição de conduta", mas de um pedido de providências após a identificação de algum problema.
Alguns lugares onde ocorreram ações de fiscalização
Rio de Janeiro
Atendendo a determinação da Justiça Eleitoral, o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Wilson Madeira Filho, determinou na noite desta quinta-feira (25) a retirada da bandeira "Direito UFF Antifascista" da fachada do prédio. A informação foi divulgada pelo diretor em mensagem postada no seu perfil do Facebook por volta das 22h.
Ações ocorreram também na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde foram feitas duas visitas dos fiscais eleitorais. Segundo a assessoria de imprensa da instituição, as ações ocorreram no campus Praia Vermelha e na Faculdade Nacional de Direito. Na Praia Vermelha, retiraram uma faixa com a frase "Ele não" do Diretório Central dos Estudantes (DCE).
Mato Grosso do Sul
Na Universidade Federal da Grande Dourados, na quinta-feira (25), uma aula pública sobre fascismo foi suspensa. Segundo o Diretório Central dos Estudantes, que organizou o evento, a aula chegou a começar no centro de convivência da universidade, mas foi interrompida com a chegada de servidores que portavam um mandado judicial alegando conotação político- eleitoral na atividade para desmoralizar um determinado candidato e que o local (UFGD) é impróprio para tal propósito, segundo a legislação.
A ação teria sido motivada por denúncia de que a aula intitulava-se Esmagando o Fascismo - O Perigo da Candidatura Bolsonaro. Segundo o DCE, o título da palestra era Aula Pública sobre Fascismo. Segundo os estudantes, dois integrantes do DCE foram abordados por agentes da Polícia Federal (PF), que acabou constatando não se tratar de divulgação de nenhum partido político ou candidato.
A universidade divulgou nota na qual diz que é importante que o espaço universitário "seja respeitado, garantindo-se assim, as liberdades de pensamento e de reunião asseguradas pela Constituição". A instituição diz ainda: "Reafirmamos e tornamos público o apreço pelo Estado Democrático de Direito do Brasil, pela autonomia da Universidade Federal pública, apartidária, laica, pluralista, gratuita e com qualidade e, desejamos que, nestas eleições, predomine o espírito de paz e respeito às liberdades entre o povo brasileiro".
Amazonas
Na Universidade Federal do Amazonas, fiscais eleitorais acompanharam um ato contra a violência e o assédio. Segundo a instituição, como nenhuma irregularidade foi constatada, a mobilização docente continuou e os fiscais foram embora.
A universidade já havia manifestado em nota preocupação com ações de intolerância. A nota não cita nenhum candidato e nem emite posicionamento política.
"A demonstração de intolerância contra as matrizes do pensamento crítico tem se manifestado de forma física e simbolicamente violenta. Professores são atacados, mensagens enviadas por redes sociais trazem veto ao conteúdo ministrado pelos (as) docentes. A comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros), mulheres e a comunidade acadêmica em geral têm sido sistematicamente assediadas, agredidas, coagidas, por sujeitos que vêem na repressão o único meio para se contrapor ao livre pensar", diz a nota. A instituição diz repudiar toda forma de violência política.
Paraíba
O Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba autorizou busca e apreensão de panfletos intitulados Manifesto em Defesa da Democracia e da Universidade Pública na sede da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). A ação ocorreu na sede da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Campina Grande.
Em nota, a direção do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) diz que considera a ação da PF "um ataque às liberdades democráticas. Em primeiro lugar, porque os nossos panfletos defendiam a democracia. Em segundo lugar, porque os policiais federais excederam o que determinava o mandado, se apropriando dos HDS da entidade, patrimônio que pertence à categoria docente", diz em nota o presidente do Sindicato, Antonio Gonçalves.
A universidade já havia sido palco de embate de professores e estudantes com posições políticas contrárias. No último dia 24, a reitoria da universidade disse que se compromete a apurar os fatos, adotar os procedimentos administrativos legais e necessários ao melhor entendimento da comunidade da UFCG. "Deste modo, conclamamos o respeito às diferenças, à defesa do convívio saudável, a preservação do interesse acadêmico e, acima de tudo, a preservação do elevado conceito institucional perante a sociedade", diz.