Considerada em outras eleições fator decisivo para angariar votos e atacar adversários, a propaganda política no rádio e na TV para o primeiro turno chegou ao fim nesta quinta-feira (4) sem impulsionar candidaturas ao Planalto com o maior tempo no horário obrigatório. O acesso cada vez maior da população a smartphones deu um peso sem precedentes às redes sociais, que, além de espaço para debate de ideias, se tornaram terreno fértil para disseminação de fake news em meio à disputa polarizada.
A perda do protagonismo da TV pode ser ilustrada pelo desempenho nas pesquisas de dois dos três presidenciáveis com maior exposição, conforme pesquisas dos principais institutos. Geraldo Alckmin (PSDB), que usou mais de cinco minutos no horário eleitoral obrigatório, está estagnado desde o início da campanha na televisão e no rádio. No Ibope, por exemplo, o tucano tinha 7% dia 20 de agosto e, no levantamento divulgado na noite de quarta-feira, o percentual era igual. A aliança com o centrão, no final de julho, foi comemorada como grande trunfo por garantir o maior espaço na TV ao ex-governador paulista. O mesmo ocorreu com Henrique Meirelles (MDB), dono de quase dois minutos, o terceiro maior tempo, que nos levantamentos de intenção de voto empata com João Amoêdo (Novo), que teve apenas cinco segundos.
Na ponta das pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL) conta com grande força nas redes sociais, mas apenas oito segundos no horário político, além do direito a 11 inserções. Monitoramento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-DAPP) mostra que o capitão reformado do Exército é o campeão disparado no número de citações no Twitter e no engajamento em sua página no Facebook.
Disseminação de fake news prejudica lisura do pleito
Na reta final da eleição isso (redes sociais) pode ser bastante problemático, no sentido de se fazer campanha negativa, lógica de destruição de adversários e uso de discursos que visam manipular a informação. Tende a ser muito intenso em redes fechadas, como WhatsApp, onde isso circula de forma muito ágil.
AMARO GRASSI
FGV-DAPP
Para a professora de mídias sociais da Universidade de São Paulo (USP) Beth Saad, o fenômeno da menor importância da TV na disputa eleitoral é reflexo das mudanças de hábitos da sociedade diante do avanço das tecnologias.
— Há cada vez mais pessoas conectadas por meio de dispositivos móveis, celulares, e isso favorece ter a informação em qualquer lugar, a qualquer momento. Além disso, tem duas mãos, é mais próxima e sem intermediários. Enquanto a TV, embora alcance quase 100% da população população brasileira, não é móvel — aponta Beth, lembrando que, pelo lado negativo, boa parte destas informações tem origem em fontes duvidosas, elevando o risco de impacto negativo no discernimento do eleitor.
O pesquisador Amaro Grassi, da FGV-DAPP, entende que a TV até pode ter ajudado o petista Fernando Haddad a ficar mais conhecido, mas a grande força das campanhas está nas redes sociais. Para Grassi, mais do que Facebook e Twitter, que podem ser monitorados e fiscalizados, ganhou corpo a disseminação de informações via WhatsApp, em que os grupos fechados dificultam uma melhor mensuração da circulação de conteúdos. A ferramenta, lembra ele, conta com 120 milhões de usuários no Brasil, país com quase
150 milhões de eleitores, e teve papel decisivo em mobilizações recentes, como a greve dos caminhoneiros.
— Mas a propaganda na TV perdeu eficácia e credibilidade perante os olhos do eleitor, ante as mensagens ultrassegmentadas das redes sociais. Mesmo assim, a TV ainda tem alguma importância, como as entrevistas no Jornal Nacional, que pautam as discussões nas redes —diz Grassi.
O lado obscuro, observa o pesquisador, é o fenômeno da desinformação, uso de robôs e perfis falsos, que espalham notícias enganosas e mensagens que alimentam a polarização.
— É um risco à lisura da campanha e do debate público — lamenta.
O professor de ciência política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Gustavo Grohmann observa que, além do maior uso dos smartphones para acessar informações, nesta eleição o tempo inferior de campanha também contribuiu para a menor influência do horário na TV. Mas os debates televisivos, sustenta, seguem atraindo o eleitor. O lado negativo de compartilhamento de fake news, lembra Grohmann, foi potencializado com as redes sociais, mas não é novidade em campanhas políticas.
— Mesmo antes da internet já circulavam folhetos mentirosos sobre candidatos. A prática da fofoca é antiga, só agora ganhou muito mais visibilidade — afirma Grohmann.