Temas pulsantes e controversos no planeta, ambiente e agricultura foram assuntos pouco explorados no plano de governo de Jair Bolsonaro (PSL). Por outro lado, sobraram declarações e propostas polêmicas, muitas delas amenizadas durante a campanha.
A seguir, veja quais as propostas do presidente eleito para essas áreas:
Aceleração do processo de licenciamento ambiental
Bolsonaro quer reduzir a "demora" no licenciamento ambiental, procedimento administrativo pelo qual o órgão competente autoriza a instalação e a operação de empreendimentos e atividades consideradas poluidoras ou passíveis de degradação. O candidato propõe que a licença seja avaliada no máximo em três meses. Hoje, o prazo é de seis meses. Quando há necessidade de relatório de impacto ambiental, estudos ou esclarecimentos e de realização de audiência pública, o prazo se estende para 12 meses ou mais.
- ARGUMENTO A FAVOR
O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), Carlos Joel da Silva, entende que a desburocratização do processo não significa perda da eficiência no controle. Eduardo Condorelli, assessor da presidência da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), também avalia que a proposta é positiva, com a ressalva de que as regras precisam ficar bem claras para atender tanto às necessidades do meio ambiente quanto às do setor produtivo. - ARGUMENTO CONTRA
Para o pesquisador Emilio Lèbre La Rovere, diretor do Laboratório de Estudos de Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não é viável estabelecer prazo de três meses para todos os projetos e manter o rigor das análises, uma vez que há diferenças nos tipos de licença e estudos que devem ser feitos conforme a complexidade do empreendimento. La Rovere atribui a demora à falta de estrutura e de pessoal para dar conta da demanda. É o que defende também a analista de Políticas Públicas do Greenpeace Mariana Mota, que entende a proposta como uma forma de "enfraquecer a legislação ambiental e não de aprimorá-la".
Ampliação das fronteiras agrícolas
São áreas de expansão das atividades agropecuárias sobre o meio natural onde, geralmente, se registram casos de desmatamento ilegal e de conflitos envolvendo a posse e o uso da terra. Bolsonaro diz que pode flexibilizar a legislação que regula a exploração econômica de áreas verdes preservadas, incluindo a Amazônia. Segundo ele, "o Brasil não suporta ter mais de 50% do território demarcado como terras indígenas, como áreas de proteção ambiental, como parques nacionais, porque isso atrapalha o desenvolvimento".
- ARGUMENTO A FAVOR
Condorelli, da Farsul, entende que a flexibilização das leis pode ser benéfica em algumas regiões, como no norte gaúcho, "onde reservas indígenas foram demarcadas em cima de terras que o governo havia entregado aos produtores no início do século". Carlos Joel da Silva, da Fetag, é favorável ao debate, "mantendo sempre um equilíbrio entre a produção e a preservação ambiental, já que há exagero dos dois lados". - ARGUMENTO CONTRA
Segundo La Rovere, da UFRJ, afirmar que áreas de proteção ambiental atrapalham o desenvolvimento mostra desconhecimento, uma vez que a literatura científica aponta que o Brasil pode, nos cenários até 2030, aumentar a produção agropecuária sem expandir a fronteira agrícola, apenas aprimorando processos. Para o pesquisador, a preservação florestal é fundamental inclusive para o desenvolvimento agrícola, pois garante os recursos hídricos e os demais serviços ambientais da região. Mariana Mota destaca ainda que áreas protegidas como demarcações indígenas e unidades de conservação desempenham papel determinante na contenção do desmatamento e das mudanças climáticas, fatores importantes para a economia do país.
Flexibilização da fiscalização ambiental
Bolsonaro diz que multas ambientais sobre propriedades rurais, uma das práticas exercidas pelos órgãos de fiscalização, são aplicadas "sem critério" por órgãos como o Ibama e o Instituto Chico Mendes e que esse tipo de punição "visa perseguir as pessoas que produzem no Brasil". O presidente eleito indicou a possibilidade de reestruturar os processos de fiscalização, afirmando que os atuais instrumentos estariam prejudicando produtores rurais e que existe um "ativismo xiita ambiental" que deve acabar.
- ARGUMENTO A FAVOR
Especialistas do setor produtivo concordam que há excesso de legislações e multas, o que pode gerar conflitos. Carlos Joel da Silva, da Fetag, afirma que muitas leis acabam não sendo cumpridas em decorrência da falta de critérios dos órgãos competentes. Por isso, defende regras mais claras para dar garantias e segurança aos produtores. Condorelli, da Farsul, argumenta que "os conflitos entre as regras dos diferentes órgãos acaba permitindo múltiplas interpretações de um mesmo caso" e que o ativismo xiita ambiental dificulta o diálogo. - ARGUMENTO CONTRA
Mariana Mota diz que as multas são aplicadas somente após rigorosas análises e que o sistema fortalece o produtor que respeita a lei. A analista do Greenpeace entende que "enfraquecer o Ibama e outros órgãos coloca o Brasil na contramão do mundo". La Rovere afirma que a proporção de multas efetivamente pagas é inferior a 10% e que reduzir os órgãos fiscalizadores e as punições não traria benefício ao país. O pesquisador observa que os órgãos fiscalizadores não atuam somente em zonas agrárias, mas também em áreas urbanas, oceanos, indústrias, entre outros, "para zelar pela qualidade de vida".
Fusão dos ministérios de Ambiente e Agricultura
Ao anunciar a intenção de fundir as duas pastas, o presidente eleito antecipou que o futuro titular seria ligado ao setor produtivo. Segundo Bolsonaro, o objetivo é acabar com disputas entre os dois ministérios, por entender que "as leis ambientais interferem diretamente na atividade agropecuária". Na última semana, Bolsonaro declarou que pode rever essa ideia. O plano de governo defende a união de "instituições ligadas ao setor" para "facilitar que o agricultor e suas famílias sejam os gestores do espaço rural".
- ARGUMENTO A FAVOR
A proposta é alvo de críticas de setores de exportação e do próprio agronegócio. Condorelli é uma das poucas vozes que defendem Bolsonaro. O assessor da Farsul avalia que, ao longo dos últimos anos, o Ministério do Meio Ambiente vinha se pautando por uma agenda técnica e, por isso, conseguiu resolver problemas históricos. Entretanto, de acordo com o assessor, no último ano de governo, o ministério voltou a assumir características de cunho político na tomada de decisões e, se continuar assim, uma fusão com a outra pasta seria positiva. - ARGUMENTO CONTRA
O presidente da Fetag-RS, Carlos Joel da Silva, acredita que os ministérios não só devem permanecer separados, como também seria necessário reativar o Ministério da Agricultura Familiar, a fim de que houvesse diálogo entre as partes. Já a analista do Greenpeace Mariana Mota afirma que, do ponto de vista econômico, essa fusão seria "um tiro no pé", já que mercados internacionais e consumidores querem garantias de que o produto agrícola não "está manchado com a destruição florestal, e a extinção do Ministério do Meio Ambiente reduziria o combate ao desmatamento".
Incentivo à geração de energia renovável
Em seu plano de governo, Jair Bolsonaro demonstra a intenção de diversificar a matriz energética brasileira para além do uso de combustíveis fósseis. Consta no documento que, a partir de uma política de incentivo às energias renováveis, o Nordeste será uma das regiões mais beneficiadas. "Com Sol, vento e mão de obra, (o Nordeste) pode se tornar a base de uma nova matriz energética limpa, renovável e democrática". Não há detalhamento, no entanto, de como o governo irá viabilizar essa diversificação, assim são apresentadas metas ou propostas. O programa afirma que o gás natural terá "papel fundamental" na matriz energética nacional, ajudará a reduzir as emissões de gás carbônico (CO2) e estará combinado com as fontes renováveis.
- ARGUMENTO A FAVOR
- O incentivo à diversidade energética brasileira é elogiada por diferentes setores. Para Carlos Joel da Silva, a medida abrirá nova possibilidade de renda para o próprio agricultor, que poderá investir na produção de energia eólica ou solar dentro de sua propriedade. O pesquisador Emilio La Rovere explica que os benefícios ambientais de políticas que incentivam energias limpas são incontáveis, tanto no âmbito econômico quanto para a preservação do ambiente. Já Eduardo Condorelli, da Fetag, se diz totalmente favorável a essas medidas pois "o Brasil tem um potencial enorme e deve aproveitar".
- ARGUMENTO CONTRA
- La Rovere aponta uma contradição nas propostas, pois Bolsonaro promete cortar despesas públicas e reduzir o tamanho do Estado, "porém a produção de energia eólica e principalmente solar necessita de incentivo e de subsídios, já que o custo inicial é elevado, ainda que seja recuperado após alguns anos de funcionamento". A analista do Greenpeace Mariana Mota destaca que "o crescimento destas fontes poderia ser muito maior se o Estado investisse na transição energética, ou seja, substituísse fontes poluentes como termelétricas a carvão e óleo combustível por renováveis. Entretanto, na agenda do futuro presidente constam a retomada de grandes hidrelétricas e exploração de petróleo na Amazônia".
Aquecimento global
Em setembro, Bolsonaro sinalizou que pode retirar o Brasil do Acordo de Paris, porque o país teria de "pagar um preço caro" para atender às exigências. Segundo ele, o tratado fere a soberania do país. Assinado em 2015 por 195 países, o acordo reuniu praticamente todas as nações em torno de compromissos para limitar o aquecimento global. No ano passado, o presidente Donald Trump anunciou que os EUA deixariam o acordo, mas o país continua a fazer parte do tratado, cujas regras estipulam que a saída só se efetivará em novembro de 2020. O mesmo prazo valeria para uma eventual retirado do Brasil. Poucos dias antes da eleição para o segundo turno, o futuro presidente recuou e disse que pode repensar a saída do acordo.
- ARGUMENTO A FAVOR
- Para Guilherme Condorelli (Farsul), a saída do Brasil não é um problema, "uma vez que outras grandes nações já fizeram isso", e que "se manter no acordo pode significar o comprometimento do desenvolvimento do país". Conderolli avalia que esse movimento não significa que o Brasil se afastará das metas de redução nas emissões de gases de efeito estufa, apenas que não irá se colocar em situação de obrigação de cumprir o acordo apesar das dificuldades econômicas do Brasil.
- ARGUMENTO CONTRA
- O pesquisador Emilio La Rovere entende que o Brasil apresenta vantagem competitiva pelo seu potencial de recursos naturais imenso. De acordo com o especialista, diferentes estudos já mostraram que o país pode se tornar líder na promoção de uma economia de baixa emissão de gases. Para Mariana Mota, do Greenpeace, "sair do acordo seria estar na contramão da economia mundial que possui um esforço conjunto em reduzir as emissões de gases de efeito estufa para assegurar a sobrevivência da humanidade até o fim do século". Carlos Joel da Silva também acredita que a saída do acordo não é boa estratégia, mas afirma que é necessário elaborar modelos para evitar que ONGs estrangeiras "regulem o que deve ou não ser feito dentro do Brasil".