Terminado o primeiro turno da eleição, a história da campanha e os resultados das urnas representaram um triplo revés para a senadora Ana Amélia Lemos (PP). O primeiro reflexo é que, após a derrota de Geraldo Alckmin (PSDB) no pleito presidencial, ela ficará sem mandato a partir de fevereiro de 2019. A progressista abriu mão de uma provável reeleição ao Senado, casa em que era influente e galgava funções de protagonismo nacional, para aceitar o chamado de concorrer à Vice-Presidência na chapa do tucano, em um esforço para oferecer ao país uma alternativa ao PT que fosse menos radical.
O rotundo fracasso de Alckmin, quarto colocado no pleito, pior desempenho do PSDB na disputa presidencial desde 1989, converteu-se no segundo baque. Ana Amélia não subirá a rampa do Palácio do Planalto e tampouco habitará o Palácio do Jaburu. O terceiro, e talvez mais severo desdobramento para o futuro, é a cisão entre a senadora e o PP gaúcho, desde as lideranças até as bases. Principal símbolo da legenda, Ana Amélia testemunhou o apoio massivo dos correligionários a Jair Bolsonaro (PSL), seu principal adversário no pleito.
O distanciamento deixou marcas e lideranças já falam até na necessidade de “refundar” o PP regional. Nos bastidores, corre a hipótese de que o renascimento poderá ser precedido de uma saída de Ana Amélia da sigla rumo ao PSDB. Um dos mais magoados com a senadora é Luis Carlos Heinze (PP), que havia sido escolhido, em março, para ser o candidato da sigla ao Piratini. Às vésperas da campanha, a candidatura dele, um dos maiores defensores de Bolsonaro no Estado, foi sacada na articulação que culminou com a indicação de Ana Amélia a vice de Alckmin.
Deputado federal mais votado do Rio Grande do Sul em 2014, Heinze teve como prêmio de consolação uma disputa por vaga ao Senado, na qual foi mais votado no Estado ontem. Na queda de braço interna, a maioria do partido acompanhou a posição de Heinze em apoio a Bolsonaro. Fala-se, na sigla, em preferência de 90% dos quadros ao capitão.
— Eu não arriscaria esse percentual de 90%, é exagerado. Mas existem, sim, lideranças e candidatos que buscaram outros caminhos, não há dúvida. Reconhecemos isso de forma muito triste. Teremos de discutir uma refundação partidária — avalia o prefeito de Bento Gonçalves, Guilherme Pasin (PP), coordenador da campanha de Alckmin no Estado e um dos mais próximos de Ana Amélia.
Uma das certezas é de que, passada a eleição, o PP terá de lavar a roupa suja. O tema da eventual saída da senadora já não é tabu. Passar um tempo no Exterior também é uma hipótese. Há lideranças que comentam publicamente a situação.
— Precisamos tentar administrar as questões internas, procurar manter o partido unido, respeitar as posições individuais. Evidente que fazemos questão de não perder ninguém, principalmente lideranças como Ana Amélia e Heinze. Precisamos ter paciência para fazer essa travessia. Eu acredito que os dois vão ficar no partido, faremos o possível para que isso aconteça — diz Celso Bernardi, presidente do PP.
Críticas internas podem resultar em saída do PP
Guilherme Pasin, coordenador da campanha de Alckmin no Estado, refuta a saída de Ana Amélia e assegura que não passa de “boato”. Ele é outro a pregar a pacificação interna, embora alfinete correligionários.
— Vamos buscar reunir todos que se distanciaram nesse período. Precisamos sentar e entender tudo o que aconteceu. O que enxergamos claramente é um vácuo de líderes. O líder conversa com o cidadão e procura apontar um caminho. A senadora assumiu um papel de liderança e correu riscos por isso. Hoje, temos muitos representantes, que falam aquilo que o eleitor quer escutar, constrangidos de apontar um caminho melhor — diz Pasin.
Nos bastidores da sigla, são frequentes — e antigas — as críticas ao perfil de Ana Amélia, apontada como uma pessoa que supostamente toma decisões isoladas e se relaciona limitadamente com outros partidários. A rotina de confiança entre ela e o seu chefe de gabinete no Senado, Marco Aurélio Ferreira, é outro motivo de irritação na legenda. Parlamentares e dirigentes chegaram, jocosamente, a apelidar Ferreira de “82”, como se ele fosse o octogésimo segundo senador do Brasil — a casa tem 81 parlamentares —, tamanha a centralização de poder que Ana Amélia dedicaria a ele.
— Ela sempre teve um caminho muito próprio. Acho que a lógica é ela sair, mas não sei, ela não fala nada internamente — analisa uma liderança do PP.
Braço direito da senadora, Ferreira valoriza aspectos positivos da articulação que culminou com a retirada da candidatura de Heinze ao Piratini.
— Estamos com o Eduardo Leite (PSDB) na eleição estadual, temos um chapão com o PSDB e o PTB (mais PRB e Rede) para deputado federal e com o PTB para estadual. Vamos eleger alguns deputados do PP graças a essa coligação. Tudo isso foi parte daquele movimento que levou a senadora a ser vice do Alckmin. Tudo feito de forma correta, nas convenções estadual e nacional — diz Marco Aurélio Ferreira.
Ele destaca que Ana Amélia “ampliou seu espectro para todo o Brasil”, nega a hipótese de ela deixar o partido e assegura que “outros desafios virão”. Entre outros aliados da senadora há latente indignação com as opções de Heinze.
— Ele pediu que o recurso que seria utilizado do fundo especial na campanha da senadora fosse repassado para ele. Depois que recebeu a verba (em 24 e 31 de agosto, somando R$ 1,99 milhão), chamou coletiva para anunciar o apoio ao Bolsonaro (12 de setembro). Tem muito material dele, como bandeira e adesivo, com propaganda do Bolsonaro. Feito com dinheiro do PP — critica um defensor de Ana Amélia Lemos.