Eram quase oito da noite quando Hamilton Mourão (PRTB) desceu do Landau preto 1972, que pertenceu a Emílio Garrastazu Médici – general do período da ditadura, que presidiu o Brasil entre 1969 e 1974 –, e subiu ao palanque montado na Associação Rural de Bagé, na quarta-feira (26). Pelos 48 minutos seguintes, o vice de Jair Bolsonaro (PSL) concedeu à plateia um resumo do pensamento que norteia sua campanha eleitoral: ultraliberalismo na economia, moralismo nos costumes e apologia ao individualismo.
Saudado aos gritos de “mito” pela multidão em êxtase, o general colheu as primeiras palmas ao dizer que seu “destino se apresenta como missão”. Apresentando sua visão pessoal da história, Mourão narrou a epopeia do Homo sapiens – “homens e, obviamente, mulheres” –, a descoberta da agricultura, as vitórias sobre o imperialismo e o nazifascismo nas duas guerras mundiais e o comunismo na Guerra Fria.
Para Mourão, essas conquistas se devem à democracia liberal, cujo desafio agora seria “saber lidar com essa nova dimensão que é a biotecnologia associada à inteligência artificial”. Pouca gente entendeu, então o general foi além. A crise do país, afirmou, “é política, econômica e psicossocial”.
– Vou ficar primeiro na crise de valores, resultado de mais de 30 anos de desconstrução da identidade e da cultura nacional, feito a partir de grupos intelectualizados que praticamente escravizaram nosso pensamento. Vivemos hoje sob a hegemonia daquilo que se chama politicamente correto. Perdemos a alegria de brincar uns com os outros, de expressarmos nossas opiniões. Por uma razão muito simples: não existe unanimidade. A unanimidade é burra.
Após críticas, polêmica renovada: "povo está se lixando" para o 13º
Mourão sugeriu uma receita instantânea para melhorar o país: instalar antenas de telefonia celular. De acordo com o general, o Brasil tem somente 50 mil antenas, enquanto a China tem 1 milhão. A culpa seria da legislação, que obriga as operadoras a investirem em outras áreas, como telefonia fixa, como o popular orelhão. “Alguém lembra de orelhão aí? Só se for pra botar apelido em alguém”, tentou descontrair.
– Se dobrarmos o número de antenas, teríamos melhorias imediatas em quatro setores: saúde, educação, segurança e agronegócio. Todo mundo tem celular. Por que tenho de gastar dinheiro numa vistosa campanha de propaganda de vacinação, por exemplo, se posso mandar mensagem por um app do governo? Bate no celular dizendo assim: “Amanhã vacine seu filho contra paralisia infantil”. Pronto. Tá comunicado. Ensino a distância! Os trabalhadores rurais conseguem estudar? O cara com o seu o celular e a internet banda larga vai. Quando vier à cidade no fim de semana, uma folga, vai ao colégio tirar alguma dúvida e fazer prova. Vamos melhorar a educação do nosso povo.
Para destravar a economia, defendeu desregulamentações, queda da carga tributária de 37% para 22% do PIB com ampliação da base de contribuintes – “colocar todo mundo pagando imposto, tem muita gente que não paga” – e descentralização dos recursos com novo pacto federativo. “A palavra de ordem é muito clara: menos Brasília, mais Rio Grande do Sul e mais Bagé”, pregou.
Pela manhã, em Uruguaiana, o general já havia classificado o 13º salário e o abono salarial de férias de “jabuticabas brasileiras”:
– Se a gente arrecada 12, como pagamos 13? É complicado. O Brasil é o único lugar que a gente, quando entra em férias, ganha mais – discursou à plateia de empresários.
Na sexta-feira (28), após a chuva de críticas pela declaração, que irritou Bolsonaro, Mourão tentou minimizar o mal-estar com o companheiro de chapa, mas acabou deixando escapar outra frase polêmica:
– O povo está se lixando para isso (13º salário) porque está preocupado com segurança e emprego.
Citação de ditador argentino para criticar Direitos Humanos
Na noite de quarta-feira, em Bagé, Mourão também falava de improviso, mas seguia roteiro pré-estabelecido. O vice de Bolsonaro salientou a pujança do agronegócio, priorizou investimentos em logística e, para enxugar gastos públicos, chamou de reforma fiscal o que seria uma redução na máquina estatal, trocando ministérios por grupos de aconselhamento ao presidente:
– Não podemos governar com mais de 30 ministérios, tem de cair pela metade. Pequenos conselhos farão a centralização daqueles ministérios com políticas que buscam os mesmos objetivos. Com isso, aí uso minha linguagem militar, o comandante Jair Bolsonaro terá pequenos estados-maiores que estarão trabalhando permanentemente na direção dos rumos que o país precisa.
Entusiasta das privatizações, prometeu repassar a gestão dos presídios à iniciativa privada, com endurecimento da lei penal e trabalho obrigatório aos apenados. Para Mourão, entidades de direitos humanos fazem a polícia viver “o pior dos mundos”.
– Se ela age como polícia e dá combate ao marginal, aparecem os grupos de direitos humanos, que só defendem bandido. Tem de ficar claro uma coisa: direitos humanos, sim, mas para humanos direitos – esbravejou, citando a célebre frase cunhada pelo general Jorge Rafael Videla, ditador que governou a Argentina de 1976 a 1981.
Diante de uma plateia predominantemente antipetista, Mourão foi aplaudido 20 vezes, em especial ao criticar os governos Lula e Dilma Rousseff e recorrer a Chico Buarque, desafeto da direita, para acusar o ex-presidente de retirar as câmeras de segurança da sede oficial do governo federal:
– No final de 2009, houve reforma no Palácio do Planalto e sumiram as câmeras de vigilância. Ninguém mais sabia quem entrava saia daquilo lá. Para quê? Como dizia Chico Buarque de Holanda, tenebrosas transações estavam sendo realizadas.
Ao conduzir o discurso para o fim, Mourão classificou a democracia como o melhor sistema, por “pior que seja”, reproduziu aforismo da polêmica filósofa Ayn Rand, para quem o altruísmo é um dos males do mundo e o egoísmo individualista a mola moral do capitalismo, e disse que o presidente tem de servir de exemplo à população: “as palavras conduzem, mas o exemplo arrasta”.
– Vamos resgatar valores, os verdadeiros heróis, nossa história, e não reescrevê-la ao bel prazer de historiadores que praticamente querem destruir aquilo que nos formou – apregoou, antes de descer do palanque ovacionado pelas 2,5 mil pessoas presentes.