Criado há 12 anos por empresários, acadêmicos e educadores com o objetivo de contribuir para elevar a qualidade da aprendizagem nas escolas brasileiras, o Todos pela Educação lançou este ano uma mobilização para colocar a educação no centro do debate dos candidatos durante as eleições. Presidente-executiva do movimento, Priscila Cruz liderou discussões com candidatos à presidência e trabalhou na construção de um documento, chamado Educação Já, com propostas para mudar o patamar do ensino nos próximos 12 anos.
Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, ela afirmou que os candidatos a presidente e a governador precisam apresentar propostas claras para enfrentar o que chama de "crise do aprendizado" no Brasil e defendeu duas ações que considera fundamentais para garantir avanços: mudanças na formação docente e investimentos na primeira infância.
A educação ainda está longe de ser prioridade dos candidatos e, consequentemente, dos governos?
O que a gente vem verificando, numa história de 12 anos que tem o Todos Pela Educação, é que tivemos várias conquistas, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o aperfeiçoamento do sistema de avaliação, a distribuição mais justa dos recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação). Mas a gente ainda não teve avanço nos resultados. Não temos hoje uma crise na educação, mas sim uma crise de aprendizagem. E essa é uma crise que só se resolve com uma prioridade dada pelos governos à área muito acima do que temos visto hoje. Precisamos cada vez mais de governos que tenham uma obsessão por resultados em educação. Porque a falta de educação está na raiz da nossa democracia enfraquecida, da nossa economia enfraquecida, de uma situação de violência muito fora de controle. Então a educação precisa entrar na centralidade dos próximos governos.
E essa centralidade passa por mais recursos? Por que hoje temos um teto de gastos que limita investimentos.
Precisamos investir o que for necessário para mudar o patamar da educação brasileira. O Todos pela Educação vem construindo esse plano do Educação Já mirando o atingimento de uma meta, em 12 anos, de elevar em 100 pontos o desempenho (do Brasil) no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). O que acontece é que fazer o aumento do investimento agora vai gerar desperdício de recursos muito grande porque ainda não temos fundamentos da política educacional para que esses recursos floresçam. Só para dar um exemplo, a gente triplicou nos últimos 10 anos o investimento por aluno no Ensino Médio no Brasil, mas o resultado caiu. Por isso mais dinheiro agora não vai resolver.
Mas quando a gente compara o Brasil em relação a nações com o desempenho mais alto no Pisa, como a Finlândia, o investimento por aluno é quase três vezes menor aqui. Não é injusta essa comparação?
Sem dúvida, precisamos melhorar o investimento por aluno. Mas o que a gente tem defendido é que neste momento é preciso fazer algumas reformas na educação. Não adianta investir mais agora que o resultado não vai vir. E a primeira coisa é mexer na estrutura de carreira e formação dos professores, e depois pagar melhor os educadores. O professor ganha metade dos demais profissionais com Ensino Superior, então precisa de fato mudar isso.
Não adianta investir mais agora que o resultado não vai vir. E a primeira coisa é mexer na estrutura de carreira e formação dos professores, e depois pagar melhor os educadores.
PRISCILA CRUZ
Presidente-executiva do movimento Todos pela Educação
No Rio Grande do Sul, temos uma lei do piso que nunca foi cumprida.
Tem que cumprir a lei do piso, e mais do que isso, ter uma carreira que entenda de forma diferente a progressão dessa carreira. Hoje temos carreiras muito achatadas, e o professor acaba tendo pouco estímulo para avançar no salário.
O que mais é preciso fazer para enfrentar essa crise de aprendizado?
Além da questão da formação docente, tem outro ponto importante que é a questão da primeira infância. As crianças estão chegando na Educação Básica sem uma estimulação, uma consolidação de aprendizagens importantes. E esta é uma área que a gente tem feito muito pouco no Brasil, ainda mais se levarmos em conta que as famílias tem tido mais dificuldades de renda, inclusive de tempo das mães em ficarem com os seus filhos para que essas crianças tenham um desenvolvimento cognitivo, emocional, social e físico para que depois, quando passarem para a escola, estejam lá com todo o preparo para conseguir aprender. Hoje sas crianças chegam na escola sem nunca terem pego um livro, sem nunca terem contado uma história para ela, com muitas doenças. Por isso é importante ter uma primeira infância com cuidados de saúde, educação, cultura, esporte, assistência para fortalecer depois a escola.
Nesse plano Educação Já, o Todos apresenta como um dos princípios a pluralidade de ideias. Como avalia o apoio de alguns candidatos ao projeto Escola sem Partido?
Acho que primeiro a gente precisa entender que a diversidade significa respeito a opiniões diferentes, liberdade para pensar, não ter nenhum tipo de patrulhamento, de controle, de perseguição em relação ao que as pessoas pensam. A escola é um lugar que deve ser livre para todos poderem expressar e debater as suas ideias porque é assim que a gente forma opinião. Isso é muito diferente de doutrinação, que o Todos também é contra. A escola não pode ser usada para doutrinação política, religiosa. Então, é essa distinção que precisamos fazer. O que eu acho é que o Escola sem Partido acaba confundindo liberdade de expressão e doutrinação.
O Todos pela Educação está em contato com os candidatos no Rio Grande do Sul, vai entregar alguma proposta?
Ainda não vamos entregar uma proposta. Por enquanto estamos reunindo lideranças da sociedade civil do Rio Grande do Sul em torno da demanda por educação, nos colocando como apoiadores, sem nenhuma ligação a partidos, mas a um projeto de educação de longo prazo. O que as nações que conseguiram avançar em educação têm em comum é que não interromperam políticas, mas aperfeiçoaram. Aqui cancelamos políticas sem aprender com elas, temos de mudar isso.
A reforma do Ensino Médio é uma dessas políticas que precisa ser aperfeiçoada?
Precisa ser aprimorada, mas isso não significa a revogação da lei, como alguns defendem. Foi uma luta muito grande quebrar com um modelo anacrônico de Ensino Médio, que foi feito para não funcionar. O desafio agora é trabalhar junto ao Conselho Nacional de Educação na regulamentação da lei, por meio das diretrizes, e também na base curricular. Precisamos definir, por exemplo, o quanto de liberdade os Estados terão para criar a parte diversificada do currículo.
No Rio Grande do Sul, uma das preocupações é como garantir essa liberdade de opções ao estudante sendo que em 72% dos municípios há apenas uma escola de Ensino Médio. Como fazer isso?
Discordo de o fato de que ter apenas uma escola vai limitar a reforma. Isso não impede que a instituição ofereça diferentes opções ao estudante, claro que é um desafio para o governo estadual garantir essa flexibilidade, mas se ficar só colocando obstáculos a educação não vai mudar nunca.
O Todos pela Educação fez um diagnóstico da situação da educação no RS. O que mais preocupa, como cobrar os candidatos ao governo estadual?
A situação é bem complicada no Rio Grande do Sul, está caindo em vários indicadores. Porto Alegre também é uma cidade com um dos piores resultados no Ensino Fundamental. Esse é um Estado com um capital humano importante, com uma participação da comunidade, com uma cultura de valorização da educação acima da média, mas não temos conseguido resultados. O que vejo no Rio Grande do Sul é uma descontinuidade absurda das políticas educacionais. Se a gente fica o tempo inteiro parando política no meio do caminho não consegue fazer a coisa crescer. Por isso queremos mobilizar a sociedade civil aí do RS para cobrar, para dialogar com o governo e conseguir fazer com que o Estado seja potente de novo na educação.
O que vejo no Rio Grande do Sul é uma descontinuidade absurda das políticas educacionais. Se a gente fica o tempo inteiro parando política no meio do caminho não consegue fazer a coisa crescer.
PRISCILA CRUZ
Presidente-executiva do movimento Todos pela Educação
O Todos pela Educação fez discussões com os candidatos a presidência Ciro Gomes, Marina Silva, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad. Outros candidatos foram convidados, não aceitaram participar?
Fizemos uma parceria com o jornal Folha de S.Paulo, o acordo era convidar todos os candidatos com mais de 2% na pesquisa Datafolha anterior. (...) Convidamos seis candidatos e com o Fernando Haddad representando o PT porque consideramos que o partido está na frente nas pesquisas e precisamos entender as propostas. Então, tivemos Ciro Gomes, Marina Silva, Geraldo Alckmin e Haddad. O Alvaro Dias foi convidado e não foi e o Bolsonaro, convidamos e ele negou, falou que não iria debater educação.
Qual dicas você dá para o eleitor conferir as propostas dos candidatos para a educação?
Dizer que vai investir não é o bastante porque a União, Estados e municípios já têm de investir. O que precisamos cuidar é onde vai investir. Como eu já falei, ver se o candidato tem proposta para investir na primeira infância, dando às crianças todas a mesma chance de aprender. E outra: ver se o candidato tem um plano para melhorar a carreira do professor. Acho que todo mundo concorda que professor é maltratado no Brasil, que não tem formação adequada e também não tem cobrança em cima dele. Precisamos cobrar mais resultados. A terceira é mais voltada para os candidatos ao governo estadual que é verificar se têm uma a proposta para o Ensino Médio, etapa que registra queda nos resultados, com jovens chegando no mercado de trabalho como analfabetos funcionais. Para se ter uma ideia, só 7% dos jovens tem o mínimo de aprendizado em matemática. O que vejo no Rio Grande do Sul é uma descontinuidade absurda das políticas educacionais. Se a gente fica o tempo inteiro parando política no meio do caminho não consegue fazer a coisa crescer.