O afeto e as trocas de promessas entre partidos que selaram união em torno de candidatos à Presidência da República trazem poucas semelhanças com as relações políticas nos Estados.
O cenário nacional não se repete integralmente em nenhuma disputa nos Estados. Não é difícil encontrar, por exemplo, políticos que estiveram em lados opostos no impeachment de Dilma Rousseff andando de mãos dadas. Os integrantes do centrão, juntos em torno do PSDB na corrida ao Planalto, estão todos na mesma aliança em apenas um caso, liderados por um partido de esquerda.
Não há lei que determine que as coligações estaduais tenham de seguir os acordos partidários em nível nacional. Assim, questões regionais acabam sendo determinantes para a aproximação de legendas que, em essência, não possuem afinidades ideológicas.
— O Brasil não permite partidos estaduais. Mas, na prática, é isso o que temos. Cada seção partidária busca seus interesses regionais. Fica difícil ao eleitor identificar quem é quem, o que é um problema sério para a democracia — diz o cientista político e professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV) Eduardo Grin.
A tese é amparada pela emblemática relação entre PT e MDB. As siglas concorreram juntas nas eleições presidenciais de 2010 e 2014. A relação nacional foi rompida com o impeachment de Dilma, em 2016. Michel Temer, alçado à Presidência, recebeu dos petistas a pecha de golpista, estendida a seu partido. No entanto, as duas legendas compõem a mesma frente de apoio em quatro Estados.
Em Alagoas, MDB e PT têm relação amistosa, tanto que o atual governador, Renan Filho (herdeiro político do pai, o senador Renan Calheiros), conta com o apoio de PT e PCdoB para a reeleição. Também fazem parte da aliança estadual PDT (que tem Ciro Gomes como candidato à Presidência), Podemos (partido de Alvaro Dias), PRTB (que apoia Jair Bolsonaro), além de PR e SD (integrantes do centrão, que estão ao lado de Geraldo Alckmin, do PSDB). No Piauí, o petista Wellington Dias busca a reeleição com o apoio do MDB. Os dois partidos ainda estão juntos em Sergipe e Pernambuco.
Aliás, foi em Pernambuco que nasceu um dos acordos mais significativos da eleição. Visando ao isolamento de Ciro na disputa presidencial, o PT retirou a candidatura própria no Estado para reforçar a campanha à reeleição de Paulo Câmara, desde que seu partido, o PSB, se declarasse neutro na disputa nacional. O principal reflexo da manobra foi em Minas Gerais, onde o ex-prefeito de Belo Horizonte Marcio Lacerda (PSB) não aceitou retirar sua candidatura ao governo mineiro e apoiar a reeleição do petista Fernando Pimentel. A situação deverá ser resolvida na Justiça.
Visto como a joia da coroa desta eleição, o Centrão – formado por PP, DEM, PRB, SD e PR – seguiu o pragmatismo eleitoral para decidir seu rumo na disputa presidencial. Parte do grupo chegou a abrir tratativas com Lula (PT), Ciro e Bolsonaro, antes de selar a aliança com Alckmin.
Nas disputas ao cargo de governador, o quinteto, identificado com a centro-direita, só está coeso em um Estado. No Maranhão, as cinco siglas apoiam um candidato de esquerda: Flávio Dino, do PCdoB, que tenta a reeleição.
— O presidente e os governadores precisam de coligação e coalizão. Isso leva à política da barganha e da negociação – pontua o cientista político e professor da Universidade de Brasília David Fleischer.
Partido que cresceu com a entrada de Bolsonaro, o PSL conseguiu atrair apenas o PRTB para sua aliança, o que levou à desistência de Levy Fidélix da corrida ao Planalto. No entanto, os dois partidos só estão coligados na Bahia e no Maranhão. Nos demais, seguem caminhos distintos. O PSL lançou candidatos em 13 Estados e o PRTB, em seis.
Cláusula de barreira pode modificar cenário
Para especialistas, o fisiologismo dos acordos partidários dificilmente será extirpado da política brasileira, mas poderá ser atenuado nos próximos anos.
A minirreforma política aprovada no ano passado estipula cláusula de barreira a partir do desempenho nesta eleição.
A sigla que não receber 1,5% dos votos para a Câmara ou eleger deputados federais em pelo menos nove Estados perderá direito ao fundo partidário e à propaganda eleitoral, o que deve levar à redução das atuais 35 legendas. Os índices aumentarão a cada eleição, até 2030.
— Ficar sem recursos mata qualquer sigla. Eles terão de se fundir com partidos maiores — avalia Fleischer.
A dificuldade para legendas pequenas será intensificada a partir de 2022, quando as coligações nas eleições proporcionais (deputados) serão proibidas. Atualmente, siglas de diversas ideologias se unem para tentar chegar ao quociente eleitoral, o que permite a conquista de uma cadeira no Legislativo.