O alto número de abstenções nas eleições de Caxias do Sul, sendo 87.257 eleitores que não compareceram às urnas no pleito municipal que definiu os 23 vereadores e determinou a realização de segundo turno para a escolha do prefeito, acendeu um alerta em relação às formas como está sendo feita a política e ao desinteresse da população em sair de casa para ir votar, como atesta a abstenção de domingo passado (25,13%). O índice chegou a ultrapassar o do pleito do ano da pandemia, em 2020. Com isso, é preciso entender o que pode estar acontecendo e se há como reverter essa situação para os próximos pleitos.
Para o cientista político Marcos Paulo Quadros, o desinteresse na política ainda não é algo generalizado, mas ele entende que as ideologias podem estar interferindo excessivamente na vida das pessoas.
— Não creio que haja um desinteresse generalizado. Pelo contrário: a política tem se tornado pauta bastante frequente no cotidiano das pessoas desde pelo menos as chamadas Jornadas de Junho, em 2013. Nesse sentido, se pode mesmo dizer que a sociedade atual está consideravelmente politizada, às vezes até excessivamente, já que a ideologização tem invadido esferas indevidas. É muito importante frisar que a política e a própria democracia de modo algum se reduzem às eleições — frisa Quadros.
No entanto, é preciso questionar como o crescimento dos movimentos da extrema-direita e a ampla discussão sobre política nas redes sociais ainda repercutem no aumento das abstenções. Segundo Marcos, há uma parcela da população que, mesmo que acredite em determinadas ideologias, segue frustrada em relação a como é feita a política atualmente. Além do que, diz ele, podem ter ocorrido imprevistos e outras circunstâncias que impediram o eleitor de ir até as urnas.
— Há pessoas que deixam de votar porque estão desencantadas com o sistema. Simplesmente deixaram de acreditar que os representantes podem melhorar as condições sociais. Se retiraram do jogo formal e por isso acendem um alerta às instituições. Mas mesmo esse comportamento não significa necessariamente que não se preocupam com a política em si. Por outro lado, há também a ausência puramente circunstancial, que engloba os eleitores que não puderam ir às urnas devido a outros motivos. Não sabemos o quanto cada grupo representa no total, mas é difícil garantir que a abstenção enquanto tal seja um sintoma mais grave. Isso serve para qualquer localidade, inclusive para Caxias - salienta o cientista.
Mas Marcos Paulo salienta que a questão da abstenção é preocupante. Entretanto, a população tem o direito de não ir votar.
— Na Europa e nos EUA, por exemplo, grande parte da população costuma se abster e nem por isso podemos dizer que são sociedades alienadas vivendo em democracias frágeis. Também cabe destacar que não participar é um direito das pessoas. São os regimes totalitários que exigem adesão. As democracias se embasam na liberdade, o que inclui a liberdade de não votar e mesmo de não se interessar por nada que envolva a política. É justamente por isso que, na prática, o voto no Brasil não é obrigatório, eis que as sanções em caso de ausência são mínimas. É claro que os partidos e as instituições podem estimular a participação, mas são as pessoas que devem decidir - reforça Quadros.
Movimentos estudantis como locais de novas lideranças
No Brasil, os movimentos estudantis foram essenciais na reivindicação e conquista de direitos da população, principalmente na época da ditadura militar. Também marcaram outros momentos da política no país, como o dos "Caras-Pintadas", em 1992, em resposta a denúncias de corrupção atribuídos que pesavam contra o então presidente Fernando Collor de Mello, bem como medidas econômicas impopulares implementadas à época. O movimento reuniu milhares de jovens pelo país, e o presidente Collor acabou sofrendo um impeachment.
Desta forma, muitos políticos se formaram nesses espaços, e Caxias do Sul é um exemplo. Através do Diretório Central de Estudantes da UCS, surgiram nomes como os do ex-governador José Ivo Sartori (MDB), da deputada federal Denise Pessôa (PT) e do atual vereador, recém reeleito, Lucas Caregnato (PT), por exemplo. No entanto, o interesse por essas entidades de representação estudantil não tem mais tanto apelo como no passado.
Conforme o atual presidente do DCE, Wallace Castro, a rotina pesada de muitos alunos da universidade e a falta de pensamento coletivo têm influenciado para a queda do engajamento nesses espaços de discussão.
— O que a gente tem notado é que existem dois aspectos para não ter uma participação mais ativa no DCE. Um deles é a questão da sobrecarga que a maioria dos estudantes tem sobre as suas vidas, sobre sua rotina, e que acaba fazendo com que isso crie uma individualidade. E o outro aspecto também é não ter esse compromisso com o coletivo, muito também ligado com o primeiro aspecto. Então, é muito difícil a gente conseguir mobilizar os estudantes para que eles façam as suas escolhas, que eles tragam suas opiniões, mas a gente também consegue alcançar um grande número de estudantes - explica Castro.
Outro ponto que Wallace cita é que muitos desistem de participar desses movimentos por acreditarem que não há um resultado positivo às demandas. Contudo, mesmo com esses problemas, o presidente do DCE relembra que o diretório segue ativo e na luta pelos direitos dos estudantes e tenta, ao máximo, explicar para os estudantes matriculados na universidade como são os processos políticos da própria instituição de ensino e da sociedade.
— A gente sempre gosta de conversar com os estudantes, explicar como é que funcionam as tomadas de decisões da universidade e dos investimentos, como que eles são aplicados, como que eles são direcionados, e também temos diversas cadeiras em conselhos municipais, onde nos posicionamos a partir da visão dos estudantes. A gente não chega a pensar em formar alguém politicamente para entrar dentro do Legislativo, mas as pessoas que vão entrando nesse mundo vão tendo esse entendimento da política e, se caso, elas tenham interesse e, de fato, pensem no potencial de investir na educação, o DCE, com certeza se coloca na construção em conjunto a essa pessoa - salienta o presidente do DCE.
Associações de moradores também são espaços para política
Não são somente movimentos estudantis que podem trazer novas lideranças para a comunidade. As associações de moradores também são ambientes que fortalecem a política. Um exemplo é a União das Associações de Bairro (UAB) em Caxias do Sul. A entidade surgiu em 1960, no bairro Marechal Floriano, e segue atuante até hoje. Inclusive, o atual presidente, Valter Walter, foi candidato a vereador no pleito de 2024, mas não conseguiu os votos necessários para ser eleito. Conforme Walter destaca, há falta de interesse dos moradores em acompanhar as ações da entidade.
— Eu acredito que muitas vezes é o descontentamento com os nossos bairros, porque muitas vezes o pessoal solicita uma obra e demora. E agora esse é o grande momento de dar uma melhorada na prefeitura e o governo que assumir, dar uma olhadinha com muito carinho para as obras de Caxias do Sul. Não só no trânsito, como na saúde e segurança - salienta Valter.
Além disso, o presidente da UAB comenta como poucas pessoas se preocupam em entender como são os protocolos para solicitar serviços da prefeitura, e diz que isso acarreta em uma alta pressão nos integrantes da entidade que representa os moradores.
— Os presidentes de bairro reivindicam, fazem protocolo e tudo, e muitas vezes não são atendidos, mas daí acham que é o presidente que tem que resolver. O presidente do bairro meramente é só uma pessoa lá que faz o pedido, faz a solicitação. Quem tem que resolver mesmo são o poder público, muitas vezes o Legislativo que tem que fazer as leis e deixa a desejar. Então, tudo isso vem acarretar no meio comunitário, e nós sentimos essa pressão. Acho que temos que dar uma melhorada, porque Caxias do Sul depende muito do movimento comunitário. Se não tiver esse elo, infelizmente, a gente anda cada vez mais para trás - conta Walter.
Mas para o presidente, a falta do engajamento do jovem nas entidades comunitárias é prejudicial para as políticas da cidade e até do país.
— O jovem não está muito integrado à sociedade, ele está muito desligado com essas questões. E aí, quando começam a ter dificuldade é que eles começam a se interessar. Mas aí já estão lá com seus 25, 30 anos, mas teria que ser ao contrário. Lá com seus 15/16 anos, o pessoal já teria que estar integrado, não só no movimento comunitário, mas em outros movimentos para que a gente consiga melhorar esse país rapidamente. Hoje, a gente sabe que, se não for através da política, se não for através da educação, nós não conseguimos tirar o país do atoleiro - complementa o presidente da UAB.
Quantos abriram mão de escolher um candidato em Caxias do Sul no primeiro turno
- Abstenção: 87.257 - 25,13% do eleitorado
- Brancos: 12.407 - 4,77% do total de votos
- Nulos: 12.867 - 4,95% do total de votos
- Total: 112.538 eleitores - 32,4% do eleitorado ou 1 em cada 3 eleitores caxienses