Criada em uma família evangélica, Daiane Mello confiou seu futuro ao "tempo de Deus" para não desistir da carreira política em 2020, quando ficou fora da Câmara de Vereadores por apenas 42 votos. Quatro anos depois, em um novo partido, a moradora do bairro Fátima consagrou sua fé: alcançou 5.034 votos, mais do que o dobro do resultado anterior, e o suficiente para tornar-se a mulher mais votada em Caxias do Sul nesta eleição.
— Eu disse para a minha família que pensava em não ir mais, mas meu pai disse que não, que era pra eu insistir, porque tinha um propósito, um propósito de Deus, tinha uma hora certa — confidencia a vereadora eleita.
Aos 37 anos e formada em Relações Públicas, Daiane atribui o resultado nas urnas especialmente a dois fatores: à mudança para o Partido Liberal (PL) — a convite do candidato a prefeito Maurício Scalco no início deste ano — e ao trabalho comunitário desenvolvido no Fátima durante a crise climática de maio. Daiane lembra que chegou a bater de casa em casa, sob a chuva forte, para alertar os moradores sobre o risco de rompimento da Represa Dal Bó. Depois, se preocupou em manter boletins informativos diariamente nas redes sociais, além de arrecadar e entregar itens a quem precisava.
— Essas coisas eu sempre fiz, só que no período da enchente isso foi "jogado" para todo mundo. E aí, depois, quando iam pedir votos para mim, eles diziam "é aquela menina lá da enchente, sabe?", e o pessoal lembrava. Então, não era um voto avulso, só porque eu sou daqui (do bairro Fátima). Não, era pra alguém que trabalha pela comunidade. E a questão do partido também, não só por ser o PL, por ser um partido grande, mas porque ficou marcado aqui na minha comunidade que em 2020 eu não me elegi por causa do partido (ela deixou o MDB). Era uma exigência deles que eu mudasse — conta.
Para além do convite de Scalco, a escolha pelo PL também levou em consideração os valores pessoais dela que vão ao encontro do que propõe a sigla:
— Eu recebi convites de quase todos os partidos, exceto os de esquerda. Eu optei pelo PL realmente por causa dos princípios que eles pregam: a questão da família, a questão de Deus, da liberdade. São princípios que condizem com a minha vida — argumenta Daiane.
A inspiração familiar e a entrada na vida política
O sentimento comunitário não é exatamente uma novidade na vida de Daiane. A ajuda durante a crise de maio é parte de um trabalho que passa de geração em geração na família dela. A vereadora eleita conta que os avós foram uns dos primeiros moradores do Fátima e estiveram à frente, por exemplo, de mobilizações para a instalação de rede de água e do calçamento de ruas da comunidade.
A vontade de ajudar o próximo foi traduzida, anos mais tarde, em festas gratuitas para as crianças do Fátima. Os eventos natalinos ocorrem até hoje sem custo algum para os pequenos participantes.
— Meu avô era responsável pela venda de alimentos e bebidas nos campos do Caxias e do Juventude. E, quando chegava o final do ano, ele abria os carrinhos para as crianças comerem, brincarem, terem um momento de diversão. Então, eu acredito que só melhorei aquilo que ele fazia — ressalta.
A entrada no ambiente público seguiu um movimento natural após a aprovação no curso de Relações Públicas (RP) pela Universidade de Caxias do Sul. A graduação, totalmente custeada por uma bolsa do Prouni, abriu as portas para um estágio na prefeitura. Foi atuando no gabinete do prefeito e no setor de RP que Daiane percebeu que as demandas do Fátima poderiam ser atendidas de forma mais célere se os moradores tivessem mais conhecimento sobre serviços como o telefone 156 (Alô, Caxias) e as reuniões do Orçamento Comunitário.
O ingresso na vida política, por sua vez, veio por meio de um convite para participar do setor de juventude do MDB. Sempre atuante, Daiane aceitou e conta que estava ansiosa para se candidatar ao Legislativo:
— Logo que fiz 18, eu já quis concorrer. Mas ela (ex-vereadora Geni Peteffi) disse para eu esperar mais um pouco, que não era o momento ainda. E aí, em 2012, eu finalmente concorri. Fiz 2.180 votos e fiquei na suplência — relembra.
Em 2015, Daiane assumiu cadeira quando Felipe Gremelmaier se licenciou para ocupar cargo no Executivo. Foi durante essa passagem pela Câmara que a então vereadora, grávida de quatro meses, usou a tribuna para tornar pública a cobrança de taxa adicional por parte de seu médico para a realização do parto. Ela não pagou, trocou de obstetra e levou o fato ao conhecimento do Ministério Público (MP).
Principais propostas
Saúde
"Tem muitas pessoas nas filas para exames, para médicos especialistas e para cirurgias. A gente entende que a saúde não está bem. Então, dessa maneira, eu vou trabalhar para entender como é que é a gestão. Vou fazer os pedidos de informações necessários para entender e verificar o que a gente pode fazer como vereadora, o que propor".
Educação
"A bandeira da educação é a principal para as nossas crianças. Tem muita criança na fila (para a Educação Infantil). Além disso, tem escolas que precisam de reformas, que têm problemas de infraestrutura".
Inclusão
"A inclusão foi levantada por muitos candidatos, mas eu acredito que, eleitas, têm poucas pessoas que falam nisso. Tem a legislação da inclusão, mas sabemos que na escola não é isso que acontece. Vamos ter que verificar o que está acontecendo, porque a escola realmente tem que ser inclusiva. Além disso, temos a questão da saúde. O diagnóstico está muito demorado. A criança não consegue entrar no sistema para um tratamento".
QUEM É
Perfil: 37 anos, empreendedora, Relações Públicas e moradora do bairro Fátima.
Trajetória: foi coordenadora do Grupo de Jovens Fátima em Foco do bairro Fátima, assessora de gabinete da Secretaria Municipal de Gestão e Finanças, coordenadora da Região Fátima pelo Orçamento Comunitário do município, diretora da Unidade de Arte e Cultura Popular da Secretaria Municipal da Cultura e assessora na Assembleia Legislativa (entre 2018 e 2020). Recentemente, foi diretora da Estação Cidadania — Cultura no bairro Cidade Nova, de 2021 a 2023. Concorreu para vereadora nas eleições de 2012, 2016, 2020 e 2024.
Referências: Michelle Bolsonaro, ex-primeira-dama e presidente nacional do PL Mulher.
Pessoal: filha de Adão e Magda, é casada com Renan Fagner e mãe de Yasmin Mello, nove anos. Além do marido e da filha, mora com a avó materna, Maria Azeli, que sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) em 2012, e dois primos adolescentes. Evangélica, conta que, nas horas vagas, gosta de dançar e jogar vôlei. Recentemente, matriculou-se em um curso de Libras. Ao lado do pai, administra um bazar no bairro Fátima.