Muito conhecida como a terra do trabalho e a terra da Festa da Uva, Caxias do Sul cresce a cada ano. Hoje, com 463.501 moradores, segundo o Censo do IBGE 2022, o município tem uma demanda extensa de áreas que precisam ser desenvolvidas pelo próximo prefeito, seja ele Adiló Didomenico (PSDB), que concorre à reeleição, ou pelo vereador e candidato Maurício Scalco (PL). A decisão de quem será o responsável pelo comando da cidade a partir de 2025 até 2028 está nas mãos dos mais de 347 mil eleitores, que devem votar neste domingo (27/10).
O prefeito eleito precisará saber administrar um orçamento projetado em R$ 3.659.744.042, conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2025, aprovada por unanimidade pela Câmara de Vereadores. O Executivo tem até o final de outubro para enviar ao Legislativo a proposta da Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2025, que definirá o montante final.
Com essa quantia, há duas áreas que clamam por novos investimentos: a saúde e educação, consideras prioridade pelos dois candidatos. Atualmente, há mais de 2 mil crianças aguardando vagas na Educação Infantil e, na parte da saúde, há 5 mil pessoas na fila de espera para cirurgias eletivas, além dos 29 mil que aguardam consultas com especialistas.
Outros setores que também demandam atenção são o transporte público, que precisa voltar a se tornar atrativo à população para melhorar a mobilidade urbana e dar acesso às pessoas ao direito e ir e vir; e a zeladoria da cidade, melhorando os aspectos de limpeza urbana, coleta de lixo e segurança pública. Já o Caso Magnabosco, que já se arrasta há mais de 30 anos e impactará diretamente às finanças municipais (leia abaixo), e os eventos climáticos são dois pontos que requerem atenção, planejamento e iniciativas. A prevenção para eventuais catástrofes climáticas é obrigação para tornar a cidade mais resiliente e preparada para esses momentos. O desenvolvimento econômico e cultural também precisam ser incentivados.
Desta forma, há muitos desafios que devem se tornar prioridade para o futuro administrados do município. Do final do mês de setembro até o início de outubro, o Pioneiro trouxe a série A Cidade que a Gente Quer, com 16 temas que preocupam a população. Todas as questões foram apresentadas aos candidatos e a reportagem ouviu especialistas em cada assunto para apontar possíveis soluções. Nessa reportagem, o objetivo foi trazer cinco áreas prioritárias de atenção ao futuro prefeito. (Confira abaixo).
Acordo próximo pode ajudar*
As tratativas para se chegar a um acordo em relação ao Caso Magnabosco nunca estiveram tão perto de uma conclusão. No fim de 2023, os ministros do STF acolheram um recurso da prefeitura e abriram a possibilidade de o caso ser rediscutido na Corte. Em abril a ministra Carmem Lúcia pediu que os interessados formalizassem a intenção de uma conciliação.
A partir disso, uma série de reuniões entre a prefeitura e os credores tem sido realizada, a fim de montar um acordo. As partes não confirmam, mas ao menos 15 encontros já foram feitos nos últimos meses.
Uma sinalização de que as tratativas têm andado é o fato de a defesa dos credores não ter aproveitado uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em agosto. O ministro Herman Benjamin cassou uma liminar de 2017, e os credores ficaram liberados para pedir o bloqueio das contas do município. As partes decidiram priorizar a busca do acordo.
Houve avanços na definição do total da dívida a ser quitada, que ficaria menor do que valores especulados. A ideia é fazer um pagamento mensal, a ser absorvido pelo orçamento do município, alongado em um prazo por ao menos uma década. Ainda não há um consenso sobre o valor mensal e a ser pago e a correção ao longo dos anos.
O procurador-geral do Município, Adriano Tacca, alega que não pode dar detalhes por questões de confidencialidade. No entanto, ele confirma o avanço nas tratativas e que as partes aguardam audiência no STF.
– O STF terá que homologar o acordo, o qual será submetido à Procuradoria Geral da República. Além disso, deverá contar com a anuência da Câmara de Vereadores e alterações na legislação orçamentária – informa.
*Alessandro Valim
Cinco áreas prioritárias de atenção ao futuro prefeito
Vagas na Educação Infantil
A Educação Infantil enfrenta sérios desafios, com 2.834 crianças aguardando vagas em 2024. Para tentar solucionar o problema, a prefeitura de Caxias vem comprando vagas no setor privado. Atualmente, o número chega em 4,5 mil vagas adquiridas, mas é necessário mais escolas. Com isso, surgiu o projeto de parceria público-privada (PPP) da Educação Infantil, que prevê o atendimento de 7.306 vagas, mas para 2026. A questão do ensino integral também é uma reivindicação antiga. Iniciada em 2014, atualmente o município conta com duas escolas de Ensino Fundamental de tempo integral na sua totalidade e uma que está no processo. Além disso, há 49 escolas de Educação Infantil e anos iniciais com tempo integral. Delcio Agliardi, doutor em Letras e especialista em educação, enfatiza a importância de uma gestão democrática e participativa nas escolas. Ele ressalta que "a gestão deve lidar com a comunidade escolar, considerando as especificidades de cada região." Além disso, Agliardi defende investimentos na formação de professores e a eliminação das filas de espera:
— A prioridade dos governos municipais deve ser a primeira infância — avalia.
Já Nilda Stecanela, pós-doutora em Educação, complementa, apontando que "não se faz educação de qualidade sem financiamento e equidade" e defende melhorias na infraestrutura das escolas, com foco em ambientes que acolham a diversidade. Nilda também ressalta a importância da formação continuada dos professores, promovendo uma relação pedagógica dinâmica que considere as realidades dos alunos.
Filas de espera na saúde*
Apesar de ser um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, a saúde em Caxias do Sul enfrenta desafios. Há uma fila de 5 mil cirurgias eletivas e 29 mil consultas com especialistas, enquanto apenas 8 mil a 9 mil consultas são realizadas mensalmente. Em 2023, a prefeitura firmou novos contratos com três hospitais do município e um de Flores da Cunha. O pacote contratado prevê, por exemplo, a realização de 9,9 mil consultas com especialistas e 312 cirurgias eletivas. O envelhecimento populacional, a migração de mais usuários para o Sistema Único de Saúde na pandemia, bem como a capacidade hospitalar da cidade, que não avançou com o passar do tempo, e a defasagem nos recursos financeiros enviados pelo governo federal são apontados pelas autoridades como fatores que corroboram para o cenário atual.
Alexandre José Gonçalves Avino, professor de Medicina, destaca que "o futuro da saúde pública de Caxias passa essencialmente pelo investimento na atenção primária." Ele sugere a ampliação do horário de atendimento nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e a implementação de tecnologias de telemedicina para otimizar o cuidado. Alcides Silva de Miranda, professor de Saúde Coletiva da UFRGS, aponta que Caxias do Sul é um polo de saúde regional e que é crucial organizar melhor a atenção primária e a regulação de serviços.
— Já temos conhecimento e tecnologias para a gestão da clínica e do cuidado, o que pode melhorar a regulação e diminuir encaminhamentos desnecessários — afirma.
*Com Alana Fernandes
Transporte Coletivo*
O principal desafio do transporte coletivo de Caxias é equilibrar uma tarifa atrativa com um serviço eficiente. A prefeitura tem injetado subsídios para manter o preço da passagem acessível, como o recente repasse de até R$ 10,3 milhões, aprovado no final de 2023. Isso permite que a tarifa com o cartão Caxias Urbano se mantenha em R$ 4,90, enquanto quem paga em dinheiro enfrenta um valor de R$ 6,70. Com 158 mil passageiros/dia, a Visate tinha, em 2010, 4,8 milhões de passagens durante um mês (ou 57,7 milhões de passagens ao ano). Já em 2023, segundo os últimos dados divulgados, são quase 2,1 milhões de passagens ao mês (ou 25,1 milhões ao ano), com média de 69 mil passageiros por dia. Ou seja, em relação a 2010, houve uma redução de 2,7 milhões de passagens operadas pela concessionária de transporte público por mês, ou mais de 22 milhões de passagens deixaram de ser atendidas em um ano.
Angela Candeia Todescatto Cattani, especialista em dados urbanos, destaca a eficiência do sistema, mas também aponta que "o transporte se torna ineficiente no momento em que eu tenho que pensar em quanto tempo eu paro, espero o meu transporte, e quanto que eu pago para ter este transporte."
Já Marcus Vinicius Gravina, advogado e especialista em trânsito, sugere que a subvenção do poder público deve ser uma prioridade para evitar a inviabilidade do serviço. Ele propõe que a estrutura das concessionárias seja retida pelas cidades, garantindo que o município possa operar o serviço caso a concessão seja encerrada unilateralmente.
*Com Bruno Tomé
Cuidado com a cidade
Em 2007, Caxias do Sul implementou o sistema de coleta mecanizada de resíduos orgânicos e seletivos, tornando-se um modelo de limpeza urbana. No entanto, com o passar dos anos, a cidade perdeu essa notoriedade. Em 2024, a situação é preocupante, com resíduos espalhados pelas calçadas e contêineres deteriorados. Um dos fatores que agrava essa crise é o aumento dos catadores informais, que, embora contribuam para a reciclagem, muitas vezes deixam lixo disperso ao redor dos contêineres. A mistura de resíduos orgânicos com recicláveis, que depende da educação ambiental, é outra preocupação, sendo que apenas 19 dos bairros da cidade recebem coleta mecanizada, resultando em acúmulo de lixo em áreas sem serviço adequado. Cauê Brasil, engenheiro ambiental, sugere a ampliação da coleta seletiva e o fortalecimento de cooperativas de reciclagem.
— Precisamos de mais Ecopontos para descarte de materiais que podem ser recuperados. Se a comunidade entender como separar os resíduos, a situação melhora.
Daniela Chiarello Fastofski, coordenadora de cursos de Arquitetura e Urbanismo da FSG, enfatiza a importância do planejamento urbano:
— Um bom planejamento permite a implantação de um sistema de coleta adequado. Cidades com mobilidade conveniente conseguem manter os espaços públicos limpos com mais eficiência.
Ambos os especialistas concordam que, para Caxias voltar a ser referência em limpeza pública, é necessário investimento em infraestrutura e educação ambiental, além de uma gestão que integre urbanismo e serviços de limpeza.
Burocracia
Uma das reclamações das entidades empresariais de Caxias são as burocracias presentes no poder público para empreender na cidade. Conforme o presidente da CIC, Celestino Loro, abrir uma empresa é "fácil, porque você, em teoria, faz tudo eletronicamente". O problema é quando o assunto é empreender.
— É uma jornada diferente, são necessários múltiplos instrumentos. Urbanismo, meio ambiente e tudo mais. E essa jornada de licenciamento, por exemplo, demora anos para se concretizar. E isso, no entendimento do movimento empresarial, é algo que trava demais o desenvolvimento da cidade. Porque acaba que as empresas grandes querem vir para cá, por todas essas dificuldades que nós criamos, acabam se dirigindo pra outras cidades da região — destaca Loro.
De acordo com informações da prefeitura, foram cinco avanços realizados nesse setor: novo código tributário, sendo mais de 60 leis e decretos revogados, que modernizou o sistema tributário, substituindo o antigo código de 1994; emissão de guias de ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) em até três dias; certidões negativas na hora; abertura de empresas em 10 minutos; e Sala do Empreendedor selo diamante (selo de qualidade).
Porém, o presidente da CIC pontua duas prioridades que devem existir no próximo governo municipal para que a cidade evolua: destravar os processos de licenciamentos em geral e impor legalidade no comércio ambulante "para que os agentes econômicos estabelecidos, e que enfrentam toda a burocracia, possam ter condições de competir no mínimo em condições iguais," destacou.