O transporte coletivo público têm sido uma das temáticas mais recorrentes na política de Caxias do Sul nos últimos anos. São diversas as discussões para tentar solucionar um desafio que se desenhou com o tempo: manter uma tarifa atrativa e um serviço eficiente para que a cidade possa movimentar-se por meio dele. Em contrapartida, o que se registra é uma série de subsídios do poder público injetados no sistema para segurar o preço da passagem ou para cobrir despesas.
O último proposto pela prefeitura e aprovado pela Câmara de Vereadores foi no fim de 2023, com validade para este ano (2024). O repasse de recursos aprovado foi de até R$ 10,3 milhões, com a finalidade da tarifa manter-se em R$ 4,90 para quem utiliza o cartão Caxias Urbano _ no entrepico em dias úteis, o valor é de R$ 3,90. Já para quem paga em dinheiro, o valor atualmente é de R$ 6,70. Na prática, o passageiro que paga a tarifa com o cartão paga R$ 4,90 e a concessionária Visate recebe R$ 6,70 pela passagem, valor que é chamado de tarifa técnica. A diferença de R$ 1,80 entre um valor e outro é paga pelo poder público à empresa com recursos do subsídio aprovado.
Segundo comentado pela prefeitura no fim do ano passado, pelo menos entre 90 e 100 mil pessoas utilizavam o transporte diariamente, com apenas 8,5% do pagamento em dinheiro. Em uma população de 463 mil habitantes, representa quase 25% da população. Ao mesmo tempo, demonstra um cenário contínuo de queda: em 2010, a média era de 304 mil usuários de ônibus, depois, em 2020, de 152 mil passageiros.
A reportagem do Pioneiro conversou com especialista sobre este desafio e também questionou os quatro candidatos à prefeitura de Caxias nas eleições de 2024 sobre o tema. Confira a seguir.
O que dizem os especialistas
A arquiteta urbanista e cientista da computação, especialista em análise de dados urbanos, Angela Candeia Todescatto Cattani nota que a infraestrutura do transporte coletivo caxiense está condizente com a cidade. Ou seja, o município tem uma malha estabelecida do transporte público, além de área de cobertura e quantidade de ônibus satisfatórios. Porém, como alerta Angela, o desafio está justamente em questões que podem aproximar ou afastar passageiros:
— O transporte público em Caxias é um transporte eficiente, no sentido de que ele atende o municípi o como um todo. Mas ele se torna ineficiente no momento em que eu tenho que pensar em quanto tempo eu paro, espero o meu transporte, e quanto que eu pago para ter este transporte. São dois aspectos que Caxias fica a desejar em relação a outros municípios do mesmo tamanho ou ao próprio modo de vida do caxiense.
O caminho passa pelo acesso fácil ao transporte público a todos, independente de classe social. O sistema de bilhetagem por cartão, como foi implantado em Caxias, é uma inovação neste caminho, como aponta Angela. A especialista lembra dos itens que compõe a passagem e encarecem o serviço, como o combustível, por exemplo. Mas ela nota que o cálculo da tarifa precisa levar em conta quanto do rendimento médio da população é gasto com necessidades básicas, em que o transporte está incluído.
— O custo do transporte público deve ser repensado pelo poder público de uma forma como é pensada a cesta básica. É quanto de dinheiro eu estou utilizando para o transporte público, ou o quanto que a pessoa vai utilizar para o transporte público — sugere a analista de dados urbanos.
Já o advogado Marcus Vinicius Gravina, atuante na área de trânsito e transportes e ex-dirigente de entidades como a Confederação Nacional de Transportes (CNT), lembra que a subvenção do poder público para um sistema de transporte público é recorrente, inclusive, na maioria das capitais brasileiras.
Gravina pontua que o tema deve ser prioridade das gestões públicas, para que não se chegue a um cenário drástico em que o serviço se torne inviável e municípios acabem abandonados. Até por isso, o advogado sugere uma cláusula nos contratos de concessão, de que a estrutura (das concessionárias) seja retida pelas cidades, uma vez que a obrigação de fornecimento do serviço é, originalmente, das prefeituras.
Em Caxias, Gravina vê que o serviço prestado, apesar das dificuldades enfrentadas, é acima da média do país, mas que isso não deve ser motivo de "eleger outras necessidades municipais e ir deixando de lado o transporte coletivo". O advogado chama atenção que as obrigações de cada uma das partes, município e prefeitura, devem ser revisadas. Conforme o aporte financeiro injetado pela prefeitura, o especialista acredita que é o caso de uma alteração contratual compatível em que a cidade possa reaver o patrimônio, em caso de um fim de parceria.
— Que assegure que, no fim do contrato, o município possa retomar o patrimônio da empresa que deixará de prestar o serviço para que ele possa, diretamente ou cedendo as instalações que passarem para o domínio do município, deixe em condições de ser operado pelo próprio município como empresa pública ou ter como repassar para uma futura concessão — sugere o advogado.
Gravina também crê que o planejamento do transporte público de Caxias deve começar a contemplar viagens intermunicipais, dado o trânsito entre o município e cidades vizinhas. O advogado cita Farroupilha como um exemplo:
— Assim como temos quem vai trabalhar em Farroupilha, temos quem vem de lá estudar na nossa universidade. Então, essa complementação de interesses e necessidades recíprocas dos municípios deve fazer parte, principalmente, do plano de transporte de Caixas do Sul.
O que diz a Visate
Após a publicação da matéria, a Visate entrou em contato com a reportagem. Segundo a concessionária, a média mensal divulgada não reflete a média diária. A comunicação da empresa afirma que a média mensal surge de um cálculo em que se divide o número de viagens ao ano por doze. Ainda conforme a companhia, a média diária exata para o ano de 2010 seria de 158 mil passageiros por dia. Mesmo assim, a queda no uso do transporte coletivo é verificada.
Com 158 mil passageiros ao dia, a Visate tinha, em 2010, 4,8 milhões de passagens durante um mês (ou 57,7 milhões de passagens ao ano). Já em 2023, segundo os últimos dados divulgados, são quase 2,1 milhões de passagens ao mês (ou 25,1 milhões ao ano), com média de 69 mil passageiros por dia. Ou seja, uma redução de 2,7 milhões de passagens operadas pela concessionária de transporte público por mês, ou mais de 22 milhões de passagens atendidas em um ano.
O que dizem os candidatos
Adiló Didomenico (PSDB)
"No próximo ano, iniciaremos a captação de recursos via PAC Mobilidade e/ou outras fontes de recursos, para investimentos na "descarbonização", através de inclusão de veículos com tecnologias alternativas e menos poluentes, a exemplo dos veículos elétricos. A aquisição desses veículos para a frota operante será feita pela prefeitura, e sua inclusão na frota servirá como subsídio tarifário. Vamos utilizar áreas ociosas do município para a implantação de hubs logísticos destinados ao gerenciamento da mobilidade da frota, bem como estações de recarga, reduzindo a quilometragem improdutiva e otimizando a carga horária da tripulação, gerando impactos na tarifa. Teremos a evolução para 100% do pagamento da tarifa por meios eletrônicos, ampliando a segurança e controle do sistema. Investiremos em tecnologia visando à gestão de dados que otimize a operação do sistema conforme a demanda e informações de origem e destino dos usuários. Implantaremos ainda mais 3 EPIs."
Denise Pessôa (PT)
"É urgente um transporte mais moderno e eficiente para Caxias, tanto para quem anda de ônibus quanto de carro. É inaceitável continuar com um sistema tão ineficiente. No nosso governo, priorizaremos o transporte, pois valorizamos o tempo das pessoas. Caxias já esteve sintonizada com as melhores iniciativas do mundo, mas os últimos governos atrasaram a cidade. Destravaremos a execução das obras de modernização e vamos acelerar Caxias. Para isso, ampliaremos a quantidade de EPIs e faremos os ônibus passarem com mais frequência, facilitando conexões rápidas entre bairros e com o centro. É preciso uma EPI na região do aeroporto, outra na Zona Norte e outra próxima ao São Ciro. Também garantiremos segurança e conforto nas paradas, com videomonitoramento e mobiliário urbano decente. Caxias produz os melhores ônibus, mas, por decisão política, os caxienses não podem desfrutá-los. Conosco, no governo, Caxias terá um transporte barato, mais rápido e ambientalmente sustentável."
Felipe Gremelmaier (MDB)
“O nosso plano de governo prevê avanço no transporte público, um serviço estagnado em Caxias do Sul. Por meio de um escritório da nossa administração em Brasília, buscaremos recursos federais para a cidade voltar às grandes obras.
Uma delas será a implantação de mais duas estações de transbordo de ônibus, a Zona Norte e a Zona Sul. Junto a elas, integraremos ciclovias, para oferecermos condições para ciclistas se locomoverem. Usaremos tecnologias inovadoras de cidades inteligentes no transporte público, modernizando e agilizando o atendimento à população, a exemplo de grandes centros do país.
A administração precisa garantir o menor valor possível da passagem em benefício aos trabalhadores, estudantes e todos os usuários. Fiscalizaremos a Visate, para que a concessionária cumpra o contrato e ofereça cada vez mais excelência. Também planejamos ampliação das linhas e itinerários, para reduzir o tempo de espera pelo ônibus nas paradas.”
Maurício Scalco (PL)
"As soluções para a mobilidade urbana estão integradas em um abrangente projeto que recentemente foi aprovado pela Câmara de Vereadores, no qual o transporte coletivo é um pilar essencial. Durante nosso governo, implementaremos este plano levando em consideração a estrutura viária, a cultura local e a interconexão entre as estações.
De imediato, abordaremos as necessidades urgentes do transporte coletivo, como o preço das passagens, a qualidade da frota, a cobertura das rotas, a velocidade de deslocamento e o tempo de espera nas paradas. Dentre as ações, destacam-se a construção das Estações de Integração (EPIs), conforme o Plano Municipal de Mobilidade, para otimizar a integração tarifária. Também reestruturaremos itinerários e horários para atender à demanda dos usuários, aliviando a superlotação nos horários de pico e reduzindo o tempo de espera.
Com essas medidas, visamos tornar o transporte coletivo mais eficiente e atrativo. Caxias tem pressa, e é crucial enfrentar esses desafios com determinação, planejamento e compromisso, sem desculpas ou promessas vazias."