O setor de transporte coletivo está em crise. De janeiro até agosto deste ano, 63,7 mil trabalhadores foram demitidos no Brasil. Só no Rio Grande do Sul, 6,4 mil vagas foram fechadas. Os dados foram divulgados pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), no último dia 5. O levantamento considera informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia.
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Em Caxias do Sul, a crise do setor impactou a Visate, que detém a concessão na cidade desde 1986. Desde março, quando a pandemia determinou uma série de interrupções nas mais diferentes cadeias produtivas, a empresa já demitiu 477 trabalhadores. Em um único dia, em 7 de outubro, foram 243 demissões. Gustavo Marques dos Santos, diretor-geral da Visate, explica que ainda há 168 pessoas em casa e 100 ônibus estacionados na garagem por causa da redução no número de passageiros.
— Entre 18 e 26 de março, tivemos uma queda de 164 mil passageiros para 13 mil transportados. Imagina o pavor que vivemos aqui na empresa. Só de abril para cá, acumulamos uma queda de 54%. Fizemos os ajustes necessários e suportamos até onde pudemos. De 1º de abril a 6 de outubro havíamos desligado 234 funcionários. Só que não conseguimos segurar mais. Ainda temos 914 funcionários na ativa. Com certeza é o período mais difícil nesses 27 anos em que estou na Visate — revela Santos.
Antes da pandemia eclodir, o diretor-geral da Visate explica que o fluxo diário de passageiros da empresa era de 164 mil. Depois de uma queda vertiginosa, cujo ápice foi no dia 26 de março, tem ocorrido ligeiro aumento. Atualmente, a média diária tem sido de 70 mil passageiros. O maior fluxo neste mês de outubro foi no dia 7, com 79,7 mil pessoas. Todos os dados apresentados nessa reportagem fazem parte de um levantamento diário que a empresa faz, e pode ser acessado pela Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMTTM), de Caxias.
Santos explica que a diminuição progressiva do número de passageiros intensificou-se com a pandemia, mas já tem ocorrido desde a crise econômica de 2015. Naquela época, a empresa transportava, anualmente, mais de 3 milhões de passageiros. No ano seguinte, já se verificava a perda de 271 mil passageiros, ou seja -8,75% em relação a 2015. De janeiro de 2009 a setembro de 2020, o fluxo de pessoas que deixou de utilizar o transporte público em Caxias, foi de 2,1 milhões, ou seja, uma redução acumulada no período, de -61,37%.
Leia a seguir, os principais tópicos da entrevista com Gustavo Marques dos Santos, diretor-geral da Visate.
PREÇO DA TARIFA
Mas por que, afinal de contas, tanta gente tem deixado de lado o transporte público tradicional? De bate-pronto, Santos enumera: preço da tarifa, concorrência com o transporte por aplicativos e o excesso de gratuidades. Além, é claro, da acentuada crise econômica pela qual passa o Brasil.
— A tarifa sempre é um assunto delicado porque a maioria reclama, mas não sabe como é determinada. Para estabelecer a tarifa partimos de um custo da operação do transporte. Então, quanto menos pessoas transportadas fica mais cara a tarifa. Soma-se a isso o fato de que Caxias tem um dos maiores índices do Brasil de gratuidades. Cerca de 33% das pessoas que usam o transporte coletivo não paga passagem. A cada 10 pessoas em um ônibus, três não pagam a tarifa, e os demais é que suportam o custo. Essa é uma incoerência muito grande — argumenta.
SUBSÍDIO DO PODER PÚBLICO
Como resolver essa situação incômoda do preço, que acaba por afastar os possíveis usuários e parece tornar quase inviável a operação da empresa?
— O futuro do transporte coletivo, não apenas em Caxias, passa pelo subsídio da tarifa por parte do poder público. Quando falo em subsídio não se trata de a prefeitura pagar, mas pode ser o que chamamos de subsídio cruzado, em cima do IPTU de estacionamentos e garagens, por exemplo. Ou recursos do estacionamento rotativo. Ou, ainda, de multas de trânsito. Sem subsídio, o custo é jogado sobre o cliente. E com relação às gratuidades, já dissemos que não somos contra. Mas entendemos que poderia se verificar a condição de cada um. Porque hoje, quem ganha R$ 10 mil mensais e poderia pagar passagem, utiliza-se da gratuidade da mesma forma que outro que ganha um salário mínio de aposentadoria — justifica Santos.
CRISE ECONÔMICA
Outro fator determinante, entende o diretor-geral da Visate, é a crise do setor, que tem sido agravada pela crise econômica pela qual passa o país, sobretudo nos últimos cinco anos.
— Uma particularidade, aqui em Caxias, é o fato de as empresas da cidade investirem em transporte particular aos trabalhadores da indústria. Então nosso público acaba por ser de pessoas ligadas aos setores do comércio e serviços, que foram muito afetados nos últimos anos, com uma retração muito grande, com a diminuição dos postos de trabalho — pondera.
TRANSPORTE POR APLICATIVO
Santos frisa que o transporte por aplicativo por si só, não é um algoz, mas cita a falta de regulamentação, tributação e responsabilidade como sendo os maiores problemas quando se trata desse tipo de concorrência.
— Entre os grandes desafios que o setor der transporte coletivo tem enfrentado, e que têm se agravado nos últimos tempos, é o transporte por aplicativo que, além de ser irregular, não tem legislação nem tributação e não se responsabiliza por nada. Se alguém cair dentro de um ônibus, a responsabilidade é da Visate, mas isso no transporte por aplicativo é nenhuma. Para mim, é uma concorrência desleal, não apenas no caso do transporte coletivo, mas qualquer outro tipo de fretamento de passageiros. É desleal porque no transporte por aplicativo não tem gratuidades, só opera no período que for conveniente para ele, enquanto nós temos de colocar a frota no domingo e também fora do horário de pico.
MODERNIZAÇÃO DO SISTEMA
Em meio à concorrência, sobretudo com os transportes por aplicativo, Santos entende que é preciso reciclar e modernizar o sistema.
— A primeira coisa que nos dá um alerta é que o nosso sistema precisa se modernizar. Se pegar pelo meu exemplo, eu estou há 27 anos na Visate e as linhas antigas ainda permanecem com o mesmo itinerário. Claro que precisamos, sim, de uma modernização, quem sabe incorporar algo do transporte sob demanda no transporte urbano, e precisamos também viabilizar uma tarifa que seja mais atrativa às pessoas — reconhece.
AVALIAÇÃO TÉCNICA
Santos diz que a discussão no campo político atrapalha o melhor desenvolvimento de ações em benefício da população. Para ele, a avaliação técnica e sistemática vai tornar o serviço melhor à população.
— O transporte publico é essencial e, por isso, merece atenção especial. Infelizmente, muitos têm se utilizado da questão política para tratar do assunto, o que acaba prejudicando o sistema. Precisamos pensar no transporte coletivo para a cidade, independentemente de operadora. Temos de sair desse campo político porque não é bom para ninguém. Esse é um assunto que precisa ser tratado de forma técnica e com dados.
EDITAL DE LICITAÇÃO
Apesar de reconhecer que o tema é delicado, Santos percebe com bons olhos o envolvimento da sociedade no amadurecimento do processo. E diz que a Visate, de forma alguma, pretende interferir no processo de formatação do novo edital de concessão.
— A licitação é sempre um tema polêmico e tem sido discutido de forma errada, no campo político. Mas temos notado que o Conselho Municipal de Trânsito e Transporte, com 18 cadeiras da comunidade, com participação da Polícia Civil, UAB, DCE, está contribuindo muito. Creio que a discussão está bem ampla, envolvendo toda a sociedade, inclusive com uma audiência pública realizada no dia 29 de setembro. Em termos de licitação, nunca foi tão profissional a discussão como a que tem sido encaminhada no último ano.
PESQUISA DE SATISFAÇÃO
Pesquisas de Clima e Cliente Usuário são realizadas a cada dois anos. A pesquisa de Satisfação, é realizada com funcionários duas vezes por ano. No primeiro semestre com motoristas e cobradores e no segundo com administrativo e manutenção.
Pesquisa de Satisfação com operação (motoristas e cobradores, em 2020): 92,1% de satisfação
Pesquisa de Clima Organizacional (2018): 85,9% de satisfação
Pesquisa com Cliente Usuário (2018): 75% de satisfação
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