Abrigadas sob toldos, dormindo em cima de papelões, em abrigos improvisados. O retrato da vulnerabilidade social de Caxias do Sul é exposto diariamente pelas 1.497 pessoas em situação de rua na cidade. A quantidade de homens e mulheres vivendo nessas condições foi divulgado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul no mês passado.
O dado é referente a um levantamento feito em 2023. Na oportunidade, o MP formou um grupo de trabalho com as cidades gaúchas para identificar a parcela da população sem moradia. O tema também está sendo debatido pelos candidatos à prefeitura de Caxias. Confira os projetos na sequência.
A coleta de dados foi feita após uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que solicitou a todas as cidades do país informações sobre a quantidade de pessoas na rua, a capacidade de alimentação para essa população e o número de vagas em abrigos.
Para aprofundar a investigação, o MP encaminhou aos municípios perguntas complementares. Conforme a prefeitura de Caxias do Sul, a cidade oferta alimentação por meio do Restaurante Popular e no Centro Pop Rua (unidade pública de atendimento). Sobre as vagas de acolhimento, a cidade conta com 140 leitos em casas de passagem e mais 60 vagas para pernoite na Casa Bom Samaritano, mantida pelo projeto Mão Amiga.
Segundo a Fundação de Assistência Social (Fas), o número 1.497 não representa a totalidade de pessoas em situação de rua na cidade. A fundação alega que o dado retrata a quantidade anual de atendimentos, contabilizando múltiplos acolhimentos para um mesmo cidadão. Dados da FAS indicam que, mensalmente, entre janeiro e junho de 2024, 488 pessoas foram atendidas (incluindo múltiplos atendimentos).
O cadastro da Fas também indica que o perfil atendido em Caxias é formado majoritariamente homem, com idade entre 18 e 39 anos. Segundo o coordenador da abordagem social do Centro Pop Rua, Clóvis da Silva, a identidade industrial da cidade atraí pessoas de diversos locais do país. No entanto, nem todos que chegam aqui estão prontos para o mercado de trabalho.
— Essas pessoas vêm para Caxias com a esperança de encontrar oportunidades na agricultura e indústria. Muitas chegam sem uma proposta e acabam indo para a rua. Outras não tem a escolaridade exigida, não conseguem emprego e também ficam em situação de rua - explica.
Rostos de quem lida com a rua
Para além da falta de infraestrutura, dificuldade em acessar a saúde e se alimentar, o preconceito surge nas ruas como um dos maiores desafios para dignidade de quem vive sem uma casa. Frequentadores do Centro Pop Rua, Alexia Gonçalves, de 21 anos, e João Paulo Ribeiro da Silva, 28, contam que estar na rua implica aprender a lidar com o julgamento.
— As pessoas te olham diferente, principalmente quando tu está sujo. Mas na rua não tem onde tomar banho. Muitos passavam xingando, outros atravessavam a rua para não passar por perto - relata Silva.
Natural de Vacaria, ele chegou a Caxias do Sul há cinco anos. Foi aqui que Silva teve uma recaída na dependência das drogas e acabou em situação de rua. Segundo ele, o suporte do Centro Pop Rua foi fundamental para conseguir se recuperar.
Vinda de Lages (SC), Alexia viu em Caxias a oportunidade para conseguir um novo emprego. Contudo, a dependência no álcool acabou frustrando seus planos. Hoje, ela também conta com o auxílio do Centro Pop Rua para reorganizar a vida.
— Consegui uma vaga em uma casa de passagem para ficar. Mas quando a gente tá na rua, é difícil. Não tem alimentação e nem onde beber água. Banho eu só conseguia tomar no Pop. Muitas pessoas olham para nós e pensam que vamos roubar, assaltar, mas não é verdade. A gente só quer respeito e ter uma vida melhor - diz Alexia.
Instalado em uma casinha de bonecas, às margens da BR-116, Valdir Wagner, 51, é uma das pessoas que recebe acompanhamento da Abordagem Social. Em situação de rua há pelo menos 30 anos, ele não se queixa da falta de estrutura ou da impossibilidade de tomar um banho quente no inverno.
- No frio, o pior mesmo é a solidão. O pessoal vem aqui levar comida e remédios, mas ficar sozinho é triste.
Alternativas para a dignidade
Os dados coletados pelo MP e reportados ao STF, irão embasar a revisão da Política Nacional das Pessoas em Situação de Rua, vigente desde 2009. No entanto, caberá aos municípios implementar a política conforme a realidade e desafios locais.
Conforme a pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maria Gabriela Godoy, estudos internacionais indicam que a reintegração das pessoas em situação de rua passa por um combo de ações: moradia, geração de emprego e assistência.
— Primeiro, é necessário fornecer uma moradia digna e não apenas locais para abrigar essa população. Instaladas, essas pessoas precisam de trabalho, renda e profissionalização para conseguirem se manter. A terceira questão é o acompanhamento intersetorial, com suporte da saúde, assistência social, para entender as necessidades dessas pessoas e ajudá-las a permanecer na sociedade - explica.
Para o Coordenador Estadual do Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua, Nilton Policena, é preciso ampliar os serviços existentes e possibilitar que essas pessoas tenham acesso ao mercado de trabalho.
— É preciso abrir a porta do emprego e da educação para essa população, talvez por meio de parcerias com entidades. Também é essencial aumentar os equipamentos que ofertam serviços de saúde, como o Pop Rua. A administração precisa entender que é preciso ir além de soluções paliativas - argumenta.
O que dizem os candidatos à prefeitura de Caxias do Sul
Adiló Didomenico (PSDB)
— Vamos prosseguir com as bem-sucedidas abordagens aos moradores de rua que foram implementadas nos últimos meses. Estas iniciativas englobam a orientação para a regularização de documentos, assistência no retorno às suas cidades de origem, e encaminhamento para nossas casas de acolhimento. Além disso, as equipes de saúde continuarão a oferecer acompanhamento, garantindo que recebam o suporte médico e psicológico necessário. Estamos comprometidos em aprimorar essas estratégias e desenvolver novas abordagens para o acolhimento das populações vulneráveis. Quando assumimos o atual governo, eram 80 vagas de acolhimento. Ampliamos em mais 60 vagas totalmente custeadas pelo município, além de outras 60 vagas numa parceria. Trabalharemos com foco na ampliação, na próxima gestão, mas principalmente no encaminhamento das pessoas em situação de rua, para que consigam mudar de vida, terem moradia, emprego, família, enfim, dignidade. Esse é o nosso principal objetivo.
Denise Pêssoa (PT)
- Com a dimensão que essa questão tem tomado, é preciso um trabalho articulado entre assistência social, saúde, educação, segurança alimentar e, principalmente, políticas habitacionais adequadas. Trabalho, renda e atendimento de saúde mental são essenciais. Ao mesmo tempo, agiremos na prevenção, investindo na proteção básica. Vamos expandir o Centro Pop Rua, com serviços onde as pessoas estão. A equipe de abordagem social deve ser ampliada, assim como as vagas nas casas de passagem. Implantaremos modalidades de acolhimento que proporcionem autonomia e acompanhamento técnico para a reconstrução dos seus projetos de vida. A capacidade de atendimento do Consultório na Rua precisa ser ampliada. Vamos implantar serviços novos e fortalecer os que já existem com base nos apontamentos do Comitê Pop Rua e no Plano Nacional Ruas Visíveis, com a participação das pessoas com trajetória de vida na rua. A Caxias que queremos acolhe quem precisa, é mais humana e transforma vidas.
Felipe Gremelmaier (MDB)
— Para tratarmos dos moradores em situação de rua é fundamental o fortalecimento da rede de proteção social da Fundação de Assistência Social (FAS) e de outros órgãos e instituições que tratam dessa população que aumenta a cada dia. No governo Sartori havia uma integração de serviços, que incluía prevenção ao uso de drogas, tratamento de dependência química, cursos profissionalizantes e atendimentos em saúde. Recolocaremos essa rede em ação, investindo mais na formação de equipes, criando mais Centros de Referência Especializada da Assistência Social, o Creas, que hoje tem lista de espera, ampliando a oferta do Pop Rua. Precisamos firmar parcerias com as instituições para criar vagas em abrigos. Não basta simplesmente recolher essas pessoas das ruas. Temos que oferecer tratamento, já que uma parte tem algum tipo de dependência. É fundamental nesse processo oportunizar aprendizado e trabalho, para que tenham uma mudança de vida para melhor e que sejam visíveis e incluídas na sociedade.
Maurício Scalco (PL)
— A comunidade caxiense pode ter certeza que vamos mudar completamente a gestão e as ações práticas em relação aos moradores de rua em Caxias do Sul, seja na área central ou nos bairros. Para isso, vamos incrementar ações baseadas em duas vértices: assistência social e segurança pública. Implementando um programa específico, com a criação de um banco de dados, incluindo informações pessoais, condições de saúde, histórico de vida e necessidades específicas, entendendo as causas da situação de cada um, como dependência química, problemas de saúde mental, questões familiares ou abandono. Vamos implementar equipes multidisciplinares, para conduzir essas avaliações de forma sensível e eficaz, assegurando recursos para ampliar os centros de acolhimento, programas de reabilitação, serviços de saúde mental, e oportunidades de trabalho e formação (parceria com instituições privadas). Além disso, inserir patrulhas de segurança e equipes especializadas em abordagem humanitária.