Os povos e comunidades tradicionais de terreiros e de matriz africana de Caxias do Sul estão próximos de ter representação no poder público por meio de um conselho municipal. Isso porque o projeto de lei que cria o comitê na cidade foi aprovado por unanimidade dos vereadores nesta quinta-feira (21) – Elisandro Fiuza (Republicanos) não votou pois estava ausente da sessão, em representação. O texto segue para sanção do prefeito Adiló Didomenico (PSDB).
Segundo a exposição de motivos do projeto, de autoria do Poder Executivo, a criação do conselho tem como objetivo “fomentar espaços para discussão e organização das ações e atividades dessas comunidades, visando dirimir questões discriminatórias e fomentar a tolerância entre os diferentes”. A ideia também, segundo o texto da proposta aprovada, é “preservar a cultura dos povos e comunidades tradicionais de terreiros e de matriz africana e ampliar o trabalho social que já é realizado”.
Apesar de o projeto de lei ter partido da prefeitura, a vereadora e líder de governo Tatiane Frizzo (PSDB) explica que a ideia surgiu a partir da demanda de um grupo de representantes ao gabinete dela. Segundo a parlamentar, a proposta de criar o comitê teria que obrigatoriamente partir do Executivo para que não fosse inconstitucional. A partir dessa necessidade, Tatiane intermediou reuniões entre os representantes e o prefeito Adiló, que, segundo a vereadora, “foi super parceiro, ouviu e se comprometeu em ajudar”.
— O prefeito Adiló disse que “nós aqui defendemos a diversidade, nós aqui defendemos o respeito, a tolerância a todas as religiões e seremos parceiros”. O conselho é importante para organizar as políticas públicas, e o poder público precisa ouvir quem sabe o que precisa, quem sabe como fomentar o respeito, a tolerância. Se a gente não ouvir, nenhuma política pública vai de fato ser efetiva e contemplar os interesses das religiões de matrizes africanas — enfatizou a tucana durante manifestação na sessão.
Entre suas atribuições, o agora aprovado Conselho Municipal de Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiros e de Matriz Africana (CMTMA) de Caxias poderá definir diretrizes para formulação de políticas públicas direcionadas a atender os povos tradicionais. Na prática, isso vai permitir que os representantes garantam ações e possam acompanhar e realizar atividades direcionadas à cultura e religião desta comunidade.
O conselho será composto por 20 integrantes, sendo 10 representantes de diferentes secretarias do governo municipal e outros 10 que irão representar entidades não-governamentais de povos e comunidades tradicionais, como a Associação de Umbanda Caxias (AUC), o Conselho Superior da Serra Gaúcha (Consusg) e o Conselho da Comunidade Negra de Caxias do Sul (Comune).
Comunidade celebrou aprovação
Um grupo de aproximadamente 15 pessoas ligadas às religiões de matriz africana acompanhou a sessão na manhã desta quinta-feira, na qual foi aprovado o projeto de lei para criação do conselho.
Para o Pai Nado de Oxalá, diretor espiritual da Ordem Cultural, Social e Espiritual Família Orun – e um dos representantes que levou a demanda para a vereadora Tatiane –, o conselho vai permitir à comunidade mais representatividade e união na defesa da religião e das atividades culturais proporcionadas pelos terreiros e grupos religiosos.
Começamos a ter lugar de fala, começamos a ser vistos, saindo da invisibilidade. É uma conquista ímpar.
PAI SAUL DE OGUM
— Estando mais próximos ao poder público, a gente vai conseguir ter uma comunicação mais efetiva e mostrar o que, de fato, são os nossos costumes. E mostrar que, além da fé, nós produzimos muita cultura. Porque os terreiros, hoje, são portadores do conhecimento cultural de todo um povo africano que, infelizmente, não temos acervos, não temos documentações, não temos nada registrado. Vamos conseguir administrar políticas e, efetivamente, mostrar essa cultura, essa ancestralidade, essa ligação que nós temos com a natureza. Vamos conseguir fazer com que as pessoas tenham um entendimento melhor do que é a nossa religião, que, por séculos, foi deturpada por outras culturas religiosas — avalia Pai Nado.
Já Pai Saul de Ogum ressaltou que a criação do conselho é um passo importante para “tirar o afro-umbandismo da invisibilidade em Caxias”.
— É uma conquista ímpar e também um ato de reparação, em razão do que passamos com o governo anterior. Começamos a ter lugar de fala, começamos a ser vistos, saindo da invisibilidade. É uma conquista ímpar. Caxias do Sul está de parabéns. Tenho certeza de que esta parceria com o poder público vai trazer frutos muito importantes, não só para o afro-umbandismo, mas também aspectos culturais que vão, de alguma forma, diluir preconceitos e mostrar a beleza da nossa religião, tanto sob o aspecto religioso na relação com o sagrado como no aspecto cultural — destaca.
Caxias é polo da religião, com cerca de 700 casas
De acordo com o texto do projeto de lei aprovado, o Brasil ocupa atualmente o primeiro lugar no ranking de adeptos de religiões de matriz africana, mas que ainda enfrentam barreiras como preconceitos e discriminações, o que “não é uma realidade distante em nosso município”. Em Caxias do Sul, segundo o projeto, existem cerca de 700 casas de religião de matriz africana, além de comunidade de ramificações culturais afros, “fazendo com que se torne um grande polo cultural afro religioso do Estado”.
“A criação do conselho (...) contribuirá com a coletividade, pois trará soluções importantes para viver em sociedade. Um exemplo é a forma de culto, no qual alguns adeptos da religião, por falta de esclarecimento, não sabem onde podem ou devem cultuar seus orixás e entregam por vezes de formas inadequadas e em lugares impróprios aos olhos da comunidade”, diz o texto.
Um dos principais defensores dessa pauta na Câmara é o vereador Lucas Caregnato (PT). Ele enfatizou na sessão, que existem mais casas de matriz africana no município do que em Salvador, na Bahia. Sobre a criação do conselho, o petista destacou a importância e elogiou a aceitação por parte do prefeito Adiló, mesmo que com algum atraso.
— Acho importante ter um conselho que discuta políticas públicas, ações, medidas envolvendo esse tema. Sobre a intencionalidade do governo, antes tarde do que nunca. Acho bom que o prefeito tenha encaminhado. A gente discute isso desde o início do mandato. O que a gente espera é que a lei seja praticada o quanto antes, para que o conselho entre em prática para representar essa comunidade religiosa e pensar em políticas públicas – ressalta ele.