O ex-presidente da Fundação Universidade Caxias do Sul (Fucs) José Quadros dos Santos prestou depoimento à CPI da Saúde na Câmara de Vereadores, na tarde desta quarta-feira (18). Na sua manifestação, Quadros confirmou que a empresa Serrana Materiais de Construção, da qual ele é sócio-proprietário, realizou vendas de produtos para a Fucs, destinados para a construção da nova ala do Hospital Geral (HG). A negociação ocorreu durante a gestão dele à frente da Fundação. Quando questionado pelos parlamentares, Quadros afirmou não ver problemas em realizar estas movimentações e disse que acha "ético":
— O que me lembro é que nossa instituição, embora seja comunitária e esteja sujeita a uma série de regramentos, não tem por exigência fazer licitação pública. Não tinha acesso a operação do dia a dia, meu trabalho na instituição era de coordenar as ações do conselho. Detalhes de compra de materiais, equipamentos, licitação, só vêm para o conselho na hora de assinar, e são feitos seguindo as normas dos setores. As decisões tomadas na instituição sempre foram de forma colegiada, nunca tomei uma decisão sozinho na instituição — explicou Quadros.
As discussões centrais da oitiva foram em torno desta situação envolvendo a empresa do ex-presidente da Fucs. Ele destacou o histórico de quase 50 anos de existência da companhia que, segundo Quadros, mantém relação comercial com a Fucs desde antes do período em que o empresário entrou no conselho gestor da Fundação, e que posteriormente assumiu como presidente por quatro anos, entre 2019 e 2023.
— Não existe nenhum óbice legal que impeça esse tipo de negociação, nenhum impedimento legal para que haja relação comercial com a Fundação, nem estatutariamente. Não fui só eu que vendi para aquela instituição enquanto conselheiro, outros conselheiros também vendiam e vendem. Antes do período (de construção da nova ala), durante e depois. Todos observaram os critérios que a Fundação sempre adotou para compra de materiais, não vejo nenhum ato que possa comprometer a empresa ou a instituição. Foram feitas algumas vendas (da empresa Serrana para a Fucs), mas irrisórias, perto do que a instituição consome. Sempre forneci para a Fundação. Estava prestando um serviço voluntário (como presidente) e seria penalizado por isso (deixar de negociar entre a empresa e a instituição)?
José Quadros também explicou que as compras na empresa da qual é proprietário obedecem ao critério dos três orçamentos e é feito de maneira eletrônica. Quadros afirmou que, durante toda a gestão como presidente da Fucs, entrou no setor de compras da entidade "uma vez", e que o "fator proximidade" — em função da empresa estar localizada a 50 metros do Hospital Geral e UCS — pode favorecer algumas negociações emergenciais.
— E a minha empresa tem exclusividade de alguns itens e produtos que nenhuma outra empresa tem. Em termos de custo, isso favorece a instituição. Por isso não vejo nenhum impedimento, nenhuma ilegalidade.
Desconhecimento de editais e sindicâncias
O vereador Alberto Meneguzzi (PSB) fez questionamentos a respeito de alterações apontadas por ele no edital de contratação da empresa que realizou as obras de construção da nova ala do HG, e de uma suposta sindicância aberta internamente na Fucs para investigar o então presidente, José Quadros.
— A empresa contratada para mãos de obra tem capital de 100 mil reais, e não atenderia aos critérios econômico-financeiros do primeiro edital, que foram retirados na segunda versão. Outra conclusão dos documentos que recebemos é de que outras empresas foram inabilitadas, ainda no início do processo, por não possuírem capacidade técnica e financeira, exatamente os critérios que foram retirados — acusou Meneguzzi.
Não existe nenhum impedimento legal para que haja relação comercial (da empresa Serrana Materiais de Construção) com a Fucs
JOSÉ QUADROS DOS SANTOS
Ex-presidente da Fucs
— Desconheço essa alteração de processo, não tenho conhecimento que o processo tenha sido alterado em qualquer momento. Desconheço que tenha havido a exclusão de participantes do certame de escolha, não tenho essa informação, e também quero dar crédito para a equipe que realizou todo esse trabalho, certamente eles observaram todas as exigências necessárias — respondeu Quadros, que foi questionado pelo vereador:
— O senhor foi presidente da Fundação e desconhece editais de milhões de reais de dinheiro público de construção da ala?
—Eu não desconheço o edital, desconheço detalhes técnicos. Já passou muito tempo (da publicação do edital) e não lembro dos detalhes, o fluxo de documentos é muito grande e peço que compreenda que não posso lembrar de detalhes de uma contratação — finalizou o ex-presidente da Fucs.
A respeito de sindicâncias internas que teriam como objetivo investigar as negociações entre a empresa Serrana e a Fucs, o ex-presidente afirmou desconhecê-las, mas admitiu que eventuais denúncias podem ter ocorrido.
— Creio que possam ter ocorrido denúncias, mas sindicância eu desconheço. Pode ser que alguém tenha feito alguma observação, levantado alguma suspeição, mas a sindicância eu desconheço que tenha acontecido, não chegou ao conhecimento do conselho. Não fui absolvido de nada, não fui julgado em nenhum momento, não sei de onde saiu isso (sobre uma sindicância em que Quadros teria sido absolvido, segundo Meneguzzi).
Empresa em terreno do Estado
Quadros também foi questionado sobre uma parte do terreno que é ocupado pela sua empresa, que fica na esquina das ruas Irma Zago e Conselheiro Dantas, no bairro Sagrada Família. Parte do imóvel, que já pertenceu à Fucs, seria destinado para a construção da Casa do Estudante. O ex-presidente da Fundação explicou que, como à época os estudantes da universidade devolveram o imóvel por não terem condições de construir a sede, a Fucs disponibilizou o terreno para locação. Atualmente, esse imóvel é do governo do Estado.
— O conselho colocou esse terreno em locação, me apresentei como pretendente e aluguei, sempre paguei rigorosamente em dia o aluguel, e tenho todos os comprovantes de todos esses anos. Passado um tempo, por volta de 2012, recebi uma intimação judicial do Estado, afirmando que eu deveria pagar o aluguel para uma conta do Banrisul, e decisão de Justiça a gente cumpre, e é o que venho fazendo até hoje — afirmou José Quadros.
Entrega das obras do HG
Uma hipótese que foi levantada pelos vereadores, principalmente por Adriano Bressan (PTB), ainda na oitiva do diretor-geral do HG, Sandro Junqueira — que acompanhou todo o depoimento de José Quadros na Câmara —, seria de que a solenidade de entrega das obras da nova ala do hospital, que ocorreu em 28 de abril deste ano, teria sido feita "às pressas", antes do fim da gestão de José Quadros na Fucs — o último dia dele foi em 2 de maio.
— Seria crível que o governador do Estado, que a secretária estadual da Saúde, iriam se prestar a um papel desses? A equipe toda do governador esteve aqui antes, verificando cada passo da obra, para só então marcarmos a data para fazer a entrega da obra civil. Coloquei meu nome, minha reputação, na busca de recursos, evidentemente que eu fiz todo o esforço possível para que a obra fosse entregue o mais rápido que pudéssemos, mas a pandemia e uma série de outras circunstâncias nos atrapalharam. Existe um caminho necessário, não tem como queimar essas etapas.
Quadros foi questionado sobre a saúde pública de Caxias do Sul, e se a falta de leitos seria uma das causas pelas longas filas de espera para a realização de procedimentos médicos. Muito emocionado, o ex-presidente da Fucs concordou e pediu desculpas à população pela demora na entrega da nova ala do HG.
— Concordo (que a saúde sofre por falta de leitos). Sempre fomos unânimes em entender que o hospital era a salvação da nossa comunidade naquele momento. A vontade era entregar (a ampliação do HG) em 2019, mas nós não tivemos capacidade de entregar. Nos perdoe, peço desculpas em nome de toda a equipe por não ter conseguido, por ter deixado a população à espera dos leitos — lamentou.