Terminou com dois encaminhamentos a audiência pública na Assembleia Legislativa (AL-RS) para debater a proposta de parceria público-privada (PPP) da prefeitura de Caxias do Sul para a ocupação e gestão do complexo da Maesa. Realizado na manhã desta segunda-feira, o encontro foi proposto pelo deputado estadual Pepe Vargas (PT), por meio da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia. Por sugestão do próprio deputado, a comissão irá solicitar audiência ao prefeito caxiense Adiló Didomenico (PSDB) para abordar os apontamentos propostos nesta segunda e encaminhará pedido de informações ao governo do Estado em relação às mudanças na Lei 15.742/21, que oficializou a doação do complexo ao município.
Sobre o pedido de informações, Pepe encaminhou dois questionamentos endereçados ao Piratini, que devem ser formalizados pela comissão da AL-RS. O primeiro deles é referente à mudança na legislação de doação da área. A Lei Estadual 14.617, de 8 de dezembro de 2014, oficializou a transferência da Maesa para a prefeitura de Caxias e previu algumas exigências do município para uso e ocupação da área, todas com encaminhamento público e com participação direta do Executivo municipal. Em 2021, a Lei Estadual 15742 modificou o texto, passando a permitir a exploração do complexo por meio de concessões a terceiros.
— Considerando que a escritura do imóvel doado já estava em nome do município, (questiono) se a Procuradoria-Geral do Estado considera que há amparo legal na desafetação do mesmo pelo Estado sem que tenha ocorrido a reversão desse patrimônio ao Estado — colocou Pepe Vargas.
Além disso, Pepe solicitou à comissão que encaminhasse ao Estado um esclarecimento a respeito de um possível desvio de finalidade, apontado por alguns participantes da audiência, "considerando que a lei de doação previa uma destinação de uso público, turístico, cultural e de interesse público".
— Se o Estado considera que há viabilidade na aprovação de um eventual projeto cuja ocupação e uso destine a ampla maioria dos espaços para exploração comercial, se isso não implica em desvio de finalidade — questionou o deputado.
Encontro reuniu todas as partes envolvidas
A audiência desta segunda na Assembleia começou com a manifestação do deputado Pepe Vargas (PT), que deu um panorama histórico sobre a Maesa e lembrou o processo de doação da edificação do Estado ao município, que foi oficializado durante as gestões de Tarso Genro (PT), no Estado, e Alceu Barbosa Velho (PDT), em Caxias. Os dois enfatizaram os motivos para a cedência da área à prefeitura e lembraram que a ideia inicial era de que fosse um espaço público gerido pela prefeitura.
Os políticos se manifestaram após os atuais secretários Matheus Neres da Rocha, de Parcerias Estratégicas, e Cristina Calcagnotto, de Cultura, defenderem a proposta da prefeitura e garantirem que os espaços culturais, abertos ao público e a sustentabilidade estão incluídos no projeto de PPP.
Projeto deve ser sustentável não só pelo ponto de vista urbanístico, patrimonial e ambiental, mas também pelo econômico-financeiro
MATHEUS NERES DA ROCHA
Secretário de Parcerias Estratégicas de Caxias do Sul
— Recuperar a Maesa é um objetivo que não começou nem ontem nem hoje. O que a gente deve ter na definição de todo e qualquer projeto é que ele deve ser viável e sustentável não só pelo ponto de vista urbanístico, patrimonial e ambiental, mas também pelo ponto de vista econômico-financeiro, é mais este elemento que vai garantir a preservação desse espaço e continuidade de fruição às demais gerações — enfatizou Rocha.
Falaram na sequência a deputada federal Denise Pessôa (PT), os líderes comunitários Paulo Sausen (presidente da Associação Amigos da Maesa) e Valdir Walter (presidente da União das Associações de Bairro, a UAB), os ex-vice-prefeitos Elói Frizzo, Marisa Formolo e Ricardo Fabris, e os vereadores Rose Frigeri (PT), Estela Balardin (PT), Lucas Caregnato (PT) e Lucas Diel (PDT).
Frizzo chamou atenção para as mudanças feitas na legislação estadual que oficializou a doação da área para Caxias. Segundo o ex-vice-prefeito e assessor jurídico da UAB, "ficou muito claro que há um desvio de finalidade".
— A Lei 14.617 deixou muito clara a destinação do imóvel vinculada à doação. É o apelo que faço no sentido de que a Assembleia nos ajude. Que o prefeito de Caxias entenda que aquele espaço não é dele, é de Caxias, e que hoje (o prefeito) está isolado nessa discussão, mas insiste no encaminhamento de uma proposta suicida, que vai nos levar para posições mais radicais.
As mudanças na Lei de doação
Artigo 2º:
- Era, na Lei 14.617, de 8 de dezembro de 2014: "O imóvel destina-se a uso público especial com finalidade cultural, de instalação de equipamentos públicos e de funcionamento de órgãos públicos, em que seja garantido o manejo sustentável do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural por ele constituído"
- Ficou, na Lei 15.742, de 30 de novembro de 2021: "O imóvel deverá ser destinado ao fim público, mediante a realização de finalidade cultural, instalação de equipamentos públicos, funcionamento de órgãos públicos ou para a instalação, desenvolvimento ou execução de atividades de interesse público, sempre de modo a permitir o aproveitamento econômico e a sustentabilidade econômico-financeira, sendo observado o manejo adequado do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural por ele constituído, a ser implementado de forma direta, supletiva ou em articulação com entes ou instituições públicas ou privadas, por meio de concessão simples ou especial — parceria público-privada — PPP, cessão, concessão, permissão ou autorização de uso, concessão de direito real de uso, direito de superfície, outorga de direitos ou mediante a adoção de qualquer outro instrumento hábil previsto na legislação pertinente."
Artigo 3º:
- Era, na Lei 14.617, de 8 de dezembro de 2014: "Para o cumprimento das finalidades previstas no art. 2º desta lei, o município de Caxias do Sul deverá promover as ações necessárias à garantia da preservação e da recuperação do imóvel de que trata esta lei [...]."
- Ficou, na Lei 15.742, de 30 de novembro de 2021: "Para o cumprimento das finalidades previstas no art. 2º desta lei, o município de Caxias do Sul deverá promover e manter, diretamente ou por terceiros, as ações necessárias à garantia da preservação e da recuperação do imóvel de que trata esta lei."
O que disseram
Matheus Neres da Rocha, secretário de Parcerias Estratégicas de Caxias: "O que a gente deve ter na definição de todo e qualquer projeto é que ele deve ser viável e sustentável não só pelo ponto de vista urbanístico, patrimonial e ambiental, mas também pelo ponto de vista econômico-financeiro. Não deixaremos de ter racionalidade e sensibilidade de ouvir e entender a todos e contemplar o maior número de interesses ou de setores sociais possíveis."
Tarso Genro (PT), ex-governador do RS: "Um território mais aberto à comunidade, dependendo de como se regula aquele uso, ou um território mais elitizado. O que se deve responder é qual a escolha que a cidade de Caxias fará. Aqui se trata de verificar não só legalmente se existe ou não esse desvio de finalidade, mas também para ver se os critérios políticos que estão sendo utilizados para essas mudanças são aqueles que atendem às finalidades originais daquela estrutura arquitetônica, que é um patrimônio de toda a cidade."
Um território mais aberto à comunidade ou um território mais elitizado. O que se deve responder é qual a escolha que Caxias fará
TARSO GENRO
Ex-governador do Estado
Alceu Barbosa Velho (PDT), ex-prefeito de Caxias: "Desde as primeiras conversas que mantivemos institucionalmente com o governador Tarso Genro, sempre ficou muito claro que a destinação é de uso popular. Essa destinação pode ter interferência ou participação da iniciativa privada? Eu não vejo nada contrário, desde que a iniciativa pública prepondere na administração desse bem que é público."
Elói Frizzo (PSB), ex-vice-prefeito de Caxias e assessor jurídico da UAB: "Que o prefeito de Caxias entenda que aquele espaço não é dele, é de Caxias, e que hoje (o prefeito) está isolado nessa discussão, mas insiste no encaminhamento de uma proposta suicida, que vai nos levar para posições mais radicais. O movimento popular de Caxias, o movimento sindical, a sociedade civil organizada não vai aceitar de barato essa proposta de entregar esse prédio que dialoga com o próprio crescimento econômico e social da nossa cidade."
Lucas Diel (PDT), vereador de Caxias e líder do governo na Câmara: "O que vemos que gera certos questionamentos da sociedade e de alguns segmentos é o modelo gestão. Se politizou esse tema e, infelizmente, ele traz argumentos não tão verdadeiros. Se ventila a questão de desvio de finalidade, mas essa questão já foi judicializada, sendo que há parecer do próprio Ministério Público dizendo que não há desvio de finalidade."
Ricardo Fabris, ex-vice-prefeito de Caxias: "Temos que ter em mente que não estamos dialogando ou debatendo com a prefeitura, ela não está abrindo diálogo conosco, nós estamos antagonizando, porque esse projeto foi imposto à população."