Acampados em frente à sede do 3⁰ Grupo de Artilharia Antiaérea (3⁰ GAAAe) de Caxias do Sul, manifestantes que reivindicam a anulação do pleito presidencial vencido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trocaram suas casas por uma rotina diferente há cerca de 14 dias. Com estrutura de banheiros químicos, churrasqueiras improvisadas, tendas e cadeiras, eles ocupam toda a entrada do quartel dia e noite. Apesar de uma maior exaltação nos primeiros dias de acampamento, que contou com muito barulho e interrupções de ruas, a prefeitura de Caxias do Sul e moradores da região afirmam que as reclamações vêm diminuindo nos últimos dias.
O principal problema, segundo a vizinhança, é o barulho de buzinas de veículos que passam em frente à sede do quartel e, em sinal de apoio, sinalizam para os manifestantes. Uma moradora da região, que prefere não ser identificada, conta que o pior dia foi no feriado de Finados (2/11), quando muitas pessoas foram até o 3º GAAAe.
— Era feriado, acordamos às 10h e começou a tocar o Hino Nacional. Depois, começou um barulho ensurdecedor de buzina de caminhão. Naquele dia foi muito difícil e ruim. Almoçamos fora e fomos fazer um passeio para ficar longe de casa porque tinha muito barulho e queríamos descansar. Voltamos para casa e ainda continuava muita buzina, o Hino Nacional tocando às alturas. Por isso, acabamos indo do outro lado da cidade em uma cervejaria para não ficar em casa. O barulho parou umas 22h30min. No final de semana posterior a isso também, muito barulho, buzinaço e gritaria.
Ela pontua que, na sua opinião, não há problema em ter manifestação, mas acredita que a poluição sonora e o fechamento das ruas acabam afetando a vida de toda a cidade.
De acordo com o secretário do Meio Ambiente de Caxias, João Osório Martins, a secretaria vem recebendo ligações de moradores da região por conta do barulho, mas essas ligações vêm diminuindo ao longo dos dias.
— A nossa fiscalização tem passado por ali seguidamente, só que nós temos que dar o flagrante e até agora não foi dado nenhum flagrante. A buzina acontece em um momento instantâneo e não temos estrutura para ficar o tempo todo ali, mas são momentos esporádicos. Eles até colocaram uma placa escrita “não buzine”, o que ajuda um pouco.
A moradora confirma a informação e relata que o barulho e buzinaço cessaram nos últimos dias:
— Sabemos que a manifestação aqui vai continuar, mas agora pararam com o barulho e buzinaço. Parecem amigos conversando. A gente se questiona só sobre quanto tempo as pessoas podem utilizar o espaço público. Acho que as reclamações surtiram efeito, as buzinas diminuíram bastante.
Quanto ao fechamento das ruas, o secretário de Trânsito, Transportes e Mobilidade, Alfonso Willenbring Júnior, comenta que a pasta recebeu reclamações pontuais sobre o fluxo lento na Avenida Rio Branco. Além disso, Willenbring acredita que um grande problema deve ser a obstrução quase total do acesso ao 3º GAAAe.
— Se o próprio 3º GAAAe não está providenciando alguma coisa, eu não entendo. Qualquer pessoa pode fazer sua manifestação onde quiser e quando quiser, desde que não haja dano ao patrimônio. Para ser bem franco, o que eu vejo é uma bronca política. Não é necessariamente uma contrariedade porque eu tenho que desviar uma quadra que está retardando o meu deslocamento. Infelizmente, a polarização política resultou nisso. A manifestação que está sendo feita não tinha uma postura agressiva ou desrespeitosa com as demais pessoas, não vejo qualquer tipo de intervenção mais forte nisso. O próprio cansaço vence — pontua o secretário.
"Não queremos causar transtorno para ninguém"
Um dos organizadores da manifestação em frente ao 3º GAAAe, que prefere não ter seu nome divulgado, ressalta que os manifestantes são orientados a respeitar os horários de silêncio e não obstruir as vias de acesso ao quartel e a Avenida Rio Branco
— Estamos organizando para que isso seja cada vez menos barulhento, fizemos algumas placas de “não buzine”, orientamos que, a partir das 20h é para diminuir o som, caso alguém traga de maneira voluntária alguma caixa de som, por exemplo. Fomos orientados pela própria Brigada Militar a cumprir a lei do silêncio a partir das 22h. Todo dia às 19h temos uma corrente de oração no portão do quartel, então a partir desse horário já não temos mais muito barulho. Temos essa sensibilidade.
E complementa:
— Nós viemos aqui preocupados com os nossos filhos, com as empresas, com as famílias e manifestar a indignação pelo o que está acontecendo com o Brasil. Após os primeiros dias em que percebemos que podíamos fazer isso de maneira organizada e silenciosa, recebemos orientação dos militares, da Brigada Militar e da Guarda Municipal. Mantemos desobstruída a entrada e saída do quartel e da via para que todos circulem. Não queremos causar transtorno para ninguém, não viemos fazer arruaça — finaliza.
Banheiros retirados do passeio público
Até sexta-feira passada (11), os banheiros químicos utilizados pelos manifestantes estavam instalados na calçada do quartel, o que dificultava a passagem dos pedestres. Para melhorar essa situação, o diretor de Fiscalização do Urbanismo, Rodrigo Lazzarotto, contou à reportagem que ele mesmo intermediou a troca dos banheiros do lugar com os manifestantes e com a empresa que aluga os sanitários. Agora, as estruturas estão na parte interna da entrada do quartel, ou seja, em local que já é de propriedade do exército, segundo Lazzarotto.
— A parte pública está preservada. As churrasqueiras também estão na parte interna.
O diretor também destaca que, por ser um movimento político, não há necessidade de autorização por parte da Secretaria de Urbanismo para as pessoas permanecerem acampadas em frente ao quartel.
— É um princípio constitucional e as pessoas têm direito a esse tipo de manifestação. Não temos nada para exigir de autorização.
A única dúvida da pasta era em relação à ocupação do passeio público com os banheiros químicos e churrasqueiras.
— Ficamos com uma certa dúvida porque o Código de Posturas do município fala da obstrução do passeio público, justamente com a questão dos banheiros. Mas, ao mesmo tempo, quando vamos exigir a autorização para um evento, são obrigatórios os sanitários químicos. Ficamos em dúvida sobre qual postura tomar, por isso, nem fizemos uma notificação. Existe um choque na legislação. Ficamos em um limbo jurídico — conclui.
Nota das Forças Armadas
Os comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica divulgaram na sexta-feira (11) uma nota conjunta, na qual apontam a legitimidade constitucional de manifestações críticas aos Poderes. A nota foi assinada pelo almirante Almir Garnier Santos (Marinha), pelo general Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e pelo tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica).
"São condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade", afirmam em nota os comandos.
A reportagem tentou contato com o 3⁰ Grupo de Artilharia Antiaérea (3⁰ GAAAe) de Caxias do Sul, mas não conseguiu até a publicação desta matéria.