A atual legislatura da Câmara de Caxias está sendo marcada por embates ideológicos. Começou mesmo antes do início oficial das atividades, quando Mauricio Marcon (atualmente sem partido), minutos após ser diplomado vereador, anunciou a criação de uma frente anti-PT no Legislativo. O grupo foi criado informalmente e logo tornou-se referência para o acirramento de ideias, reproduzindo o cenário nacional de polarização.
As desavenças ganharam até forma: de denúncias na Comissão de Ética. Foram cinco desde o início do ano. Duas delas tramitam, sendo que uma, contra a vereadora Estela Balardin (PT), deve ser remetida a plenário na próxima quinta-feira (4/11). Esse foi o segundo procedimento ingressado contra a petista pedindo abertura de processo administrativo disciplinar. O primeiro foi arquivado, mas o que está prestes a ir à votação acabou ganhando maior relevância política, por diversos fatores. Um deles é a gravidade da penalidade prevista no projeto de resolução que será submetido aos 23 parlamentares, que sugere a suspensão da vereadora por 30 dias. A denúncia teve origem após discussão entre Estela e Marcon, na qual a petista chamou o colega de "machista, racista e homofóbico".
Não seria inédito no Legislativo caxiense uma decisão desse teor. Na última legislatura, o então vereador Chico Guerra (na época Republicanos) foi afastado por 60 dias após ameaçar aplicar "corretivo" contra um líder comunitário. O que difere, no caso de Estela, é o peso político e o precedente que a punição pode significar, caso aprovada. Como os outros três casos não tiveram sequer aplicação de pena branda, o possível apoio à suspensão de Estela representaria uma demarcação mais clara de quem o PT deve encarar como adversários. Represálias políticas não são descartadas, como, por exemplo, o uso mais recorrente da denúncia na Comissão de Ética de outros vereadores pela bancada petista.
Além disso, a votação pode ser uma prévia do posicionamento dos vereadores quanto à eleição da Mesa Diretora, tema de interesse direto do PT, que busca confirmar Denise Pessôa (PT) como próxima presidente do Legislativo, no ano legislativo de 2022.
FANTINEL HESITANTE
O Pioneiro consultou vereadores sobre como pretendem se posicionar sobre a denúncia. Poucos adiantaram o voto. A maioria disse que vai se manifestar somente no dia da votação.
Um dos que preferiu não declarar antecipadamente se será favorável foi o vereador Sandro Fantinel (Patriota). Sempre incisivo nos posicionamentos, a hesitação de Fantinel _ embora tenha dito que a tendência seja ser favorável à punição _ indica possível receio de como seu posicionamento vai impactar na eventual votação de uma denúncia que tramita contra ele na Comissão de Ética.
Processo une esquerda
Outro efeito político gerado pelo processo contra Estela foi a união de partidos de esquerda. Um ato online em apoio à vereadora foi realizado na última terça-feira (26), com a participação de mais de 100 pessoas, incluindo deputados estaduais e vereadores de outras cidades. Não só o PT, mas outros partidos de esquerda, como PCB e PSOL, reforçaram a mobilização.
Nos discursos do encontro, lideranças políticas defenderam que a denúncia de Marcon seria um movimento político da direita buscando desgaste dos partidos de esquerda.
— Se a Câmara de Vereadores consumar essa violência contra a Estela, não vai ser só o Marcon, mas vai ser a maioria da Câmara que vai ser machista, racista. Essa Câmara arquivou processo na Comissão de Ética de um vereador de direita, branco, homem, que ia armado para a Câmara, sendo que o Código de Ética é claro quando diz que não se pode portar armas nas dependências da Câmara. Esse vereador teve seu caso arquivado. A vereadora responde a uma provocação e acaba sendo enquadrada com proposta de suspensão de seu mandato. Se isso ocorrer, temos de denunciar, não vão calar a nossa voz _ disse o deputado estadual Pepe Vargas na reunião.
Estela celebrou a mobilização:
— Fiquei muito surpresa, a sala (virtual) ficou com 100% de lotação praticamente o tempo todo e uniu partidos do campo progressista, de esquerda. Víamos essa necessidade de unidade há muito tempo. Todos perceberam que o ataque foi personalista, mas foi contra o nosso campo. Por mais que seja um momento difícil, fez com que saíssemos mais unidos e fortalecidos.
"FALTA COERÊNCIA"
Para o denunciante, Mauricio Marcon, o movimento de defesa a Estela representaria falta de coerência da esquerda:
— Se eu tivesse acusado ela de qualquer crime que ela cometeu, tenho certeza que as pessoas que me cercam não me apoiariam. Agora porque ela cometeu crime contra colega, então eles se unem para proteger. Falta coerência, é a seletividade que vemos muitas vezes na esquerda. Quando a gente comete um crime, aí tudo bem, quando é os outros, aí é o fim do mundo — afirma.
"Câmara não tem critério muito claro"
Estela até admite possibilidade de ser punida com os 30 dias, mas contesta indicativo de posicionamento oscilante de alguns colegas na Câmara.
— A gente consegue observar que foi mudando muito esse processo. Teve diversas mudanças de indicativo de votação, me surpreende bastante ver colegas que já se colocaram solidários a coisas que aconteceram na Câmara, já se indignaram com a postura do vereador e que neste momento vão votar favorável — aponta.
E complementa:
— A Câmara não tem critério muito claro, já tivemos situações mais graves nessa e em outras legislaturas e foram arquivadas .
Segundo ela, o contexto político atual na própria organização da Câmara é fator que pode estar influenciando de forma decisiva a eventual votação.
— Sabemos que está em processo de organização das comissões, da votação da Mesa Diretora, e uma coisa pode estar ligada com a outra e, por conta disso, a votação pode ser estritamente política.
Apesar de reconhecer-se abalada pelo processo, ressalta que o apoio que recebeu no período acabou lhe fortalecendo:
— Passei por processo difícil durante tudo isso e agora percebo que não estou sozinha, e isso faz com que tenha certeza que sairei tão grande quanto entrei e não será suspensão de 30 dias que deixarei de ser parlamentar, pelo contrário, estarei mais nas ruas por isso.
"Eles têm de dar uma segurada"
Marcon afirma desconhecer como será o posicionamento dos vereadores, embora garanta que integrantes da frente anti-PT serão favoráveis. Além dele, a frente é composta pelos parlamentares Adriano Bressan (PTB), Ricardo Daneluz (PDT), Sandro Fantinel (Patriota) e Maurício Scalco (Novo). Gladis Frizzo (MDB) já antecipou defesa pelo afastamento de Estela. Ainda assim, Marcon diz que espera maioria no plenário.
— Ela imputou crimes a mim e em nenhum momento ela pediu desculpa. Daqui a pouco, posso chamar o vereador "x" de assassino, estuprador. Vou estar imputando crime sem provar, vai virar terra de ninguém. Eles (PT) têm de dar uma segurada. Tem que criar um precedente para que, se um cara ofender um colega sem provar, ele vai sofrer punição — defende.
Apesar disso, Marcon ainda acha a punição proposta muito branda. Defendia, "no mínimo", 90 dias de suspensão, por considerar o caso mais grave do que a denúncia que afastou o ex-vereador Chico Guerra.
O parlamentar ainda lembra que votou favorável à punição dos outros casos já remetidos a plenário com parecer da Comissão de Ética.
ELEMENTOS POLÍTICOS
- Votação pode tornar PT mais ostensivo em análise de casos à Comissão de Ética. Pode se reverter em dificultar a pauta do governo, votar favorável ou denunciar outros vereadores junto à comissão até deixar de dar apoio a propostas de outras bancadas.
- Posicionamentos podem ser indicativo de como será a votação para a Mesa Diretora no final do ano. O tema também envolve interesse do PT, que busca eleger Denise Pessôa como presidente do Legislativo em 2022.
- Processo fortaleceu mobilização de partidos de esquerda, que realizaram ato em apoio à vereadora, inclusive com participação pluripartidária de lideranças políticas do Estado.
- Caso o plenário seja contrário à penalização de Estela, a validade da Comissão de Ética deve ser novamente questionada, uma vez que seria o quarto processo arquivado somente neste ano.
- Se a maioria do plenário for contrário ao parecer pela suspensão, Marcon pode enfraquecer politicamente no plenário. Recentemente, a frente anti-PT, comandada por ele, viu distanciar-se um vereador que tinha alguma proximidade com o grupo, Juliano Valim (PSD).
- Marcon cogita possibilidade de deixar Comissão de Ética caso haja arquivamento do caso.
- Independente do resultado, tanto PT quanto Marcon devem atuar de forma mais agressiva em caso de serem desfavorecidos na votação.