Um apontamento da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) do dia 18 de junho atesta o descumprimento do município em parte do acordo que envolve o processo de ocupação do complexo da antiga Metalúrgica Abramo Eberle SA, a Maesa. Trata-se de um parecer da Consultoria Geral/Assessoria Jurídica e Legislativa, de autoria do procurador Luciano Juárez Rodrigues, aprovado pelo procurador-geral Eduardo Cunha da Costa.
O ofício avalia "elementos suficientes à configuração do descumprimento dos encargos pelo donatário", no caso, o município, que recebeu a doação do imóvel por parte do Estado. Também autoriza a possível reversão do patrimônio — devolução do prédio — novamente ao Estado, diante da insuficiente ocupação do espaço em prazos estipulados na lei estadual 14.617, de 2014, que fundamentou o acordo do repasse da estrutura.
Embora a análise da PGE reconheça "parcial cumprimento do encargo previsto na lei" com ocupação do espaço pela Guarda Municipal e encaminhamento da realocação da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, o parecer considera que "nenhum dos outros encargos vem sendo cumprido", referindo-se à finalidade cultural e às ações necessárias para garantia, preservação e recuperação do imóvel, previstos no plano de ocupação pelo município.
De acordo com o secretário municipal de Parcerias Estratégicas e Gestão de Recursos, Maurício Batista, a manifestação da PGE é interna do governo estadual, mas decorrente de ofício recente mandado pela prefeitura, quando solicitou alterações na lei que rege a ocupação da Maesa.
— O município vem articulando com o governo estadual a alteração da lei de doação desde o término da gestão anterior, principalmente por ser de conhecimento de todos os envolvidos o não atendimento ao plano de ocupação. Em 28 de maio deste ano, encaminhamos ofício ao governo estadual solicitando a alteração legislativa e apontando os motivos que impediram a plena ocupação do espaço nos prazos previamente estabelecidos. Naturalmente, a tramitação do processo envolve a análise pela PGE, que se manifestou quanto ao nosso pedido — informa Batista.
Questionado se o município receia a possibilidade de devolução do imóvel, o secretário afirma:
— O caminho que está se desenhando é a adequação legislativa e manutenção da doação ao município. Acreditamos que teremos êxito no processo.
Para regularizar plenamente a situação, o parecer da PGE sugere uma nova legislação que abarque as carências da lei vigente.
DOAÇÃO NÃO FORMALIZADA
A análise também indica que a doação do imóvel não estaria respaldada juridicamente. "Em que pese a assinatura do termo de compromisso, a doação não foi perfectibilizada, tendo em conta que não foi providenciado o registro imobiliário do ato na forma do artigo 1.245 do Código Civil. (Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel). (...) Ainda que tenham sido praticados atos de cunho puramente administrativo para a realização da doação na forma autorizada por lei, não se pode afirmar, à vista do regime jurídico incidente sobre bens imóveis e da ausência do registro, que houve efetiva doação", diz o parecer.
"Não há alteração no plano"
Maurício Batista garante que o processo não interfere nas movimentações envolvendo a Maesa.
— Não há alteração no plano que traçamos — assegura
Ele reitera que o município alinha com o Estado o ajuste na legislação que ampliaria prazos e formas de exploração do complexo (um dos pontos seria a possibilidade de viabilizar a ocupação por meio de parceria público-privada, a PPP):
— O município e o Estado estão alinhados no sentido de ajustar a legislação. O encaminhamento da alteração já foi feito através do ofício enviado pelo município e, acredito, deverá ser submetida para a Assembleia pelo governo estadual — diz Batista.
LEI 14.617/2014
Prazos
(...)
Art. 2º: O imóvel destina-se a uso público especial com finalidade cultural, de instalação de equipamentos públicos e de funcionamento de órgãos públicos, em que seja garantido o manejo sustentável do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural por ele constituído.
Art. 3º: Para o cumprimento das finalidades previstas no art. 2º desta Lei, o Município de Caxias do Sul deverá promover as ações necessárias à garantia da preservação e da recuperação do imóvel de que trata esta Lei, bem como apresentar à Chefia do Poder Executivo Estadual, no prazo de 1 ano, a contar da data de publicação desta Lei, projeto detalhado de ocupação, uso e gestão do referido imóvel, com discriminação de ações e de prazos de execução.
Art. 4º: Após aprovação final pelo Estado, do projeto referido no art. 3º desta Lei, o Município firmará Termo de Compromisso com o Estado para sua execução, que deverá ser iniciada em até 1 (um) ano, a contar de sua assinatura.
Art. 5º: O imóvel de que trata esta Lei reverterá ao patrimônio do Estado no caso de destinação diversa da prevista no art. 2º ou do descumprimento dos prazos especificados nos arts. 3º e 4º desta Lei.
REQUISITOS DE OCUPAÇÃO
Os requisitos legais para a consolidação da doação podem ser sintetizados da seguinte forma:
a) uso público para:
a.1. finalidade cultural;
a.2. instalação de equipamentos públicos; e
a.3. funcionamento de órgãos públicos;
b) manejo sustentável do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural;
c) ações necessárias à garantia da preservação e da recuperação do imóvel;
d) apresentar ao Poder Executivo Estadual, no prazo de um ano a contar da data da publicação da lei (9 de dezembro de 2014), projeto detalhado de ocupação, uso e gestão do referido imóvel, com discriminação de ações e de prazos de execução; e
e) aprovado pelo Estado o projeto referido no item anterior, assinatura de Termo de Compromisso para a execução do projeto, que deverá ser iniciada em um ano a partir da assinatura da avença.
CONSEQUÊNCIA
- Caso o bem receba destinação diversa da prevista no artigo 2º ou sejam descumpridos os prazos dos artigos 3º e 4º, o imóvel reverterá ao patrimônio do Estado.
APONTAMENTOS DA PGE
- Estão presentes neste expediente eletrônico elementos suficientes à configuração do descumprimento dos encargos pelo donatário, de modo a autorizar a reversão de que trata a primeira parte do artigo 5º da Lei 14.617/2014 (devolução do imóvel ao Estado);
- Havendo interesse público, o pedido do Município (de ajustes na lei de doação) poderá ser atendido por meio de nova autorização legislativa, abarcando os critérios hodiernamente sugeridos, que modifique a Lei nº 14.617/2014 ou crie um novo regime para a doação, em substituição ao vigente;
- Recomenda-se, caso se opte por uma das soluções legislativas constantes no item precedente, que se aguarde o novo panorama legal para o registro do instrumento no Cartório de Registro de Imóveis, ressalvada a necessidade de evitar a prescrição, situação em que a reversão deverá ser providenciada com brevidade, sem prejuízo de futura doação.
ALTERNATIVA
"Havendo interesse em manter a doação, deixando de efetivar os atos para a reversão do bem ao patrimônio estadual, entende-se que o pedido do município (de ajustes na lei de doação, referido pelo secretário de Parcerias Estratégicas e Gestão de Recursos de Caxias do Sul, Maurício Batista) poderá ser atendido mediante nova autorização legislativa, abarcando os critérios hodiernamente sugeridos, através de projeto de lei, que poderá alterar a Lei nº 14.617/2014 ou, ainda, criar novo regime para a doação. Nessa situação, recomenda-se não efetuar o registro da doação nos termos da Lei nº 14.617/2014 junto à matrícula do imóvel neste momento, aguardando-se para tanto o novo panorama legal".